mar 152022
 

Há mais de um século, em 8 de março de 1917, as trabalhadoras em São Petersburgo (Rússia) entraram em greve e se manifestaram pelo pão e pela paz, lançando assim um movimento revolucionário histórico. Foi nessa época que o 8 de Março, como dia de luta pelos direitos e liberdades da mulher, começou a ser comemorado.

Assim, no ano de 2022, as mulheres e as dissidências ainda são uma das partes mais oprimidas da sociedade. Este é e tem sido o caso no trabalho, em casa, na crise sanitária ou em situações de guerra. É por isso que nossa revolta poderia derrubar estados, capitalismo, dominação patriarcal e racista.

Dupla exploração: salarial e doméstica

O duplo dia de trabalho é a realidade da grande maioria das mulheres no mundo. Ou seja, quando terminamos de trabalhar para nossos chefes, vamos para casa e muitas vezes temos que fazer todo o trabalho doméstico e de cuidado, ou a chamada “re-produção de força de trabalho” que é necessária para os capitalistas. É claro que, como qualquer trabalho invisível, ele não traz nenhuma compensação econômica. Esta é a única maneira que este sistema pode sobreviver, e é somente através de fortes mandatos ideológicos que ele pode ser sustentado.

Por outro lado, no campo do trabalho assalariado, os empregos que são ocupados principalmente por mulheres tendem a reproduzir um padrão semelhante. Não são reconhecidos nem visíveis. Pelo contrário, são desvalorizados e precários. Mas também são indispensáveis, como a crise sanitária revelou profundamente: com caixas de supermercado, cuidadores, limpadores. Todo o sistema entraria em colapso sem o trabalho remunerado e não remunerado das mulheres.

E ainda assim, durante muito tempo, o movimento trabalhista não conseguiu organizar setores femininos, argumentando a falta de combatividade no setor de serviços. Esse setor têm sido apresentado como não estratégicos na produção. Temos sido apontadas como sujeitos com pouca capacidade para assumir responsabilidades políticas ou sindicais, ou tem sido argumentado que nosso temperamento não é adequado a este papel. Muitos pretextos persistem até hoje por não questionar a cultura patriarcal sobre a qual o movimento trabalhista tem sido historicamente construído, o que tem relegado mulheres e dissidências à categoria de subordinados ou pior.

Entretanto, cavando um pouco mais fundo, a história é rica em numerosas greves vitoriosas e na combatividade feminina. Sempre nos levantamos contra a superexploração resultante da aliança do patriarcado e do capitalismo.

O aumento dos salários das mulheres, o reconhecimento de nossas qualificações, a melhoria de nossas condições de trabalho e a luta contra a violência de gênero e sexual no trabalho são questões que o sindicalismo revolucionário deve assumir o mais rápido possível. Da mesma forma que a revalorização e a socialização das tarefas de cuidado é fundamental. Isto é uma necessidade, não apenas para aqueles que estão na base, mas também para a perspectiva de mudança social radical que todas as trabalhadoras carregam em nossos corações e em nossas lutas.

A greve feminista é uma das ferramentas à nossa disposição para acelerar esta transformação indispensável e a queda final da aliança criminosa do patriarcado e do capitalismo. A greve feminista não é apenas uma chamada dentro do trabalho assalariado: ela também pode exigir uma greve sobre o consumo e o trabalho de cuidado, o que significa não fazer compras, não fazer tarefas domésticas, não cuidar de crianças, etc.

Os Estados e setores reacionários fazem guerra contra as mulheres

O patriarcado é a exploração material, simbólica e econômica das mulheres e dissidentes. Mas é também a apropriação de nossos corpos e nossa subjetividade (nossos desejos, anseios, projetos, ideias) através da violência em todas as suas formas, ou a limitação de nossos direitos.

Neste ano de 2022, a comemoração do 8 de março ocorre em um contexto internacional no qual estão acontecendo guerras em grande escala. Assim, setores ultra-reacionários e misóginos detêm o aparelho estatal e estão na ofensiva, como no Afeganistão, mas também na Polônia, ou em vários outros estados. A violência de gênero e sexual é ainda mais numerosa nessas situações específicas e as mulheres estão sempre na linha de frente da política de terror, de estupro sistemático e de manter as mulheres no covil dos opressores.

Além disso, em 2022, as mulheres ainda não têm plenos direitos sobre nossos próprios corpos em muitos países. Onde existe formalmente, o acesso ao aborto e outros contraceptivos é desafiado por movimentos de extrema-direita ou políticas de austeridade.

Por trás desses obstáculos e relutância está a ideia de que não somos realmente seres responsáveis.

É por isso que o acesso ao aborto é um direito indispensável e transformador. É o momento mais óbvio quando uma mulher escolhe livremente a si mesma antes de qualquer outra coisa. As mulheres estão fazendo uma escolha livre quando fazem um aborto. É por isso que a luta pelo aborto é fundamental para a emancipação da mulher: o aborto deve ser livre e acessível, em todos os lugares, o tempo todo!

Organizar-se e lutar contra o patriarcado, o capitalismo, o Estado e os reacionários

Hoje, em mais de 50 países, mulheres e dissidentes estão participando do movimento de greve internacional em 8 de março. O movimento feminista na Argentina contribuiu de forma decisiva para sua renovação em 2017. Elas nos disseram então: “As mulheres do mundo estão se organizando em um confronto e em um grito comum: a Greve Internacional da Mulher. Nós paramos. Nós atacamos. Colocamos em prática o mundo em que queremos viver”.

Nossas organizações abraçam a luta pela emancipação das mulheres e dissidências e incentivam cada uma de nossas companheiras a fortalecer a luta de classes, investindo e tomando seu lugar em todas as organizações sociais (sindicatos, estudantes, organizações comunitárias, etc.) e políticas populares.

A greve feminista de 8 de março é uma das ferramentas que propomos e defendemos nesta luta contra a opressão das mulheres e, com elas, de todos os oprimidos do mundo. Uma instância construída a partir das bases em cada uma de nossas organizações sindicais e sociais, destacando o protagonismo, a força e o compromisso daqueles de nós que lutam todos os dias pela revolução social. Superar as tentativas de institucionalização de governos que procuram moderar, compensar e, assim, dar um caráter reformista à nossa luta.

Contra a cultura do estupro e do feminicídio.
Contra a dupla exploração das mulheres trabalhadoras.
Contra o patriarcado, os Estados e o ca
pitalismo.

Viva a luta das que vêm de baixo. 8 de março: Dia de resistência e luta

☆ Alternativa Libertária (AL/FdCA) – Itália
☆ Αναρχική Ομοσπονδία (Federação Anarquista) – Grécia
☆ Movimento de Solidariedade do Trabalhadores de Aotearoa (AWSM) – Aotearoa/Nova Zelândia
☆ Coordenação Anarquista Latinoamericana (Coordenação Anarquista Brasileira – CAB, Federação Anarquista de Rosário – FAR, Federação Anarquista do Uruguai – FAU) – América Latina
☆ Embat, Organização Libertária de Catalunya – Catalunha
☆ Federação Anarquista de Santiago (FAS) – Chile
☆ Grupo Libertário Vía Libre – Colômbia
☆ Libertäre Aktion (LA) – Suíça
☆ Grupo Anarquista Comunista de Melbourne (MACG) – Austrália
☆ Organização Anaquista de Córdoba (OAC) – Argentina
☆ Organização Anarquista de Santa Cruz (OASC) – Argentina
☆ Organização Anarquista de Tucuman (OAT) – Argentina
☆ Organização Socialista Libertária (OSL) – Suíça
☆ Roja y Negra – Organização Política Anarquista – Argentina
☆ União Comunista Libertária (UCL) – França, Bélgica & Suíça

out 032021
 

Nesta semana que marcou o Dia de Luta pela Descriminalização e Legalização do Aborto na América Latina e Caribe, no 28 de setembro, quando também se completam 150 anos da Lei do Ventre Livre, não esqueçamos que a luta para que mulheres e meninas tenham acesso a seus direitos reprodutivos é também uma luta de classe e raça! A proibição do aborto não impede que abortos aconteçam, ela o criminaliza, marginaliza e mata as mulheres que abortam, e a grande maioria dessas mulheres são negras, pobres e periféricas.

Como anarquistas especifistas, entendemos que a luta pelo aborto legal, seguro e gratuito deve ser abordada por um viés de saúde publica, e a luta pelos direitos reprodutivos deve ser pensada de forma conjunta à luta pelo direito ao aborto. Se deixarmos de pautar a liberdade reprodutiva, o direito ao aborto legal, seguro e gratuito, direito sobre nossos corpos, arriscamos perder ou renunciar a outros direitos. É isso o que temos visto acontecer nos últimos passos do Estado e do governo de Bolsonaro, com o avanço das agendas que violentam mulheres e meninas, e ameaçam seus direitos reprodutivos já conquistados. Os projetos de lei do “Dia do Nascituro” e da “Semana da Vida” já estão sendo desenvolvidos e votados nas câmaras. Além de sua inconstitucionalidade, eles marcam mais um passo da política criminosa e conservadora do Estado.

Direitos reprodutivos implicam o direito ao aborto, mas também estão relacionados a direitos mais amplos como: direito ao pré-natal, planejamento familiar com acompanhamento profissional, medicina preventiva, acompanhamento psicológico, creches públicas, ensino de educação sexual e reprodutiva acessível nas escolas e universidades, campanhas sobre o uso de preservativos e de outros métodos contraceptivos e o combate à desigualdade de gênero.

O aborto acontece diariamente no Brasil, a criminalização do aborto não impede que as mulheres abortem, ela sustenta uma realidade em que ele acontece em situações precárias e de risco à vida dessas mulheres. O fim da criminalização do aborto significa dar um basta nas mortes de mulheres negras e pobres. Mulheres brancas e de classe média, alta ou da elite, quando precisam fazer um aborto, procuram clínicas particulares que façam o procedimento ou viajam para um país que tenha o acesso legal ao aborto, seja ele gratuito ou não. Enquanto isso, mulheres negras, pobres e periféricas morrem de complicações causadas por abortos clandestinos, feitos em péssimas condições de salubridade, muitas vezes até sem a presença de um médico, com o uso errado de medicamentos e instrumentos. O aborto existe na sociedade vivendo de forma marginalizada e com o conhecimento do Estado, a sua descriminalização é uma forma de evitar o alto índice de mortes maternas decorrentes de abortos inseguros principalmente em populações mais pobres. Entre as mulheres que abortam no país, 90% têm no máximo o ensino médio completo e 33% não possuem nenhum nível de instrução. A falta de acesso a condições de atendimento em uma saúde digna, a uma equipe qualificada para o acompanhamento e a um procedimento seguro constitui uma política de extermínio das mulheres pobres, periféricas e negras, do campo e da cidade, uma política de feminicídio orquestrada e executada pelo Estado.

No começo de setembro, o prefeito de Fortaleza sancionou a Lei 11.159/2021 que cria a “Semana pela Vida”, com o objetivo de promover palestras, seminários e campanhas contra o uso de anticoncepcionais e aborto, e a aplicação de outros dispositivos que atuam contra os direitos reprodutivos e sexuais das mulheres. Esse projeto de poder também ataca a Lei de Planejamento Familiar, prejudicando o já difícil acesso das mulheres a métodos contraceptivos e educação sexual e reprodutiva, e obriga as mulheres a gestar.

Na câmara de vereadores de Maceió, tem sido discutido o PL do “Dia do Nascituro” e da “Semana da Vida”, um projeto de lei que propõe a realização de campanhas contra o aborto, inclusive contra situações que já são previstas em lei, como em casos de mulheres e meninas vítimas de estupro, gestantes sob risco de morte e em casos de fetos anencefálicos. Além disso, esse PL pretende que sejam executadas campanhas em escolas, postos de saúde e outros espaços públicos, articulando ações de campanha do município de Maceió com Igrejas, promovendo pregação religiosa dentro de escolas e outros espaços públicos, desfazendo, assim, a separação entre Estado e Religião, atacando o Estado Laico, atacando o princípio de prioridade na proteção de crianças e adolescentes contra violência, abuso e exploração sexual.

Não é de hoje que enfrentamos o discurso religioso que contamina as políticas públicas. A articulação entre o ministério de Damares Alves, as bancadas da bíblia espalhadas pelo país e os movimentos conservadores pró-vida estão sempre dispostos a promover novos ataques aos direitos reprodutivos de mulheres e meninas, e pouco interessados com suas vidas e com sua segurança. Além disso, as mulheres são forçadas a enfrentar situações de pobreza e miséria, a dificuldade de acesso a serviços que garantam vidas dignas, educação de qualidade, atendimento médico, moradia digna, comida e trabalho, e a verem os futuros de seus filhos arrancados pela mão do Estado racista e patriarcal a serviço do capital.

É irônico que o mesmo Estado que criminaliza o aborto, colocando a vida de milhares de mulheres em risco, é aquele que destrói famílias negras e pobres nesse país. Não só destrói pela miséria como lança suas tropas de controle para retirar crianças de suas famílias e jogá-las em abrigos por causa de todas as mazelas da pobreza. Nunca as famílias da elite, sempre a responsabilização de mães solo na periferia condenadas a viver sem saneamento, sem transporte público, sem condições para manutenção das crianças na escola! Cria a pobreza e criminaliza a pobreza, rompendo vínculos familiares e comunitários. Chamadas de loucas, putas e negligentes, são as mulheres, mais uma vez, que pagam perdendo seus filhos em um processo de privatização de problemas que são públicos.

Lutamos pelo direito ao aborto legal e seguro, pela nossa liberdade, pelos nossos corpos, e por nossas vidas! Lutamos pelo fortalecimento de políticas públicas de saúde e por educação sexual e reprodutiva! Lutamos por educação sexual para prevenir, contracepção para não engravidar, aborto legal, seguro e gratuito para não morrer! Lutamos contra o avanço do conservadorismo e pelo direito à vida plena de todos os corpos! Lutamos por uma educação emancipadora de gênero e sexualidade para combater a violência de gênero e a violência LGBTfóbica! Lutamos por autonomia e autogestão dos nossos corpos! Lutamos contra o estado racista, o capitalismo e patriarcado!

Nós, anarquistas especifistas, acreditamos que a construção do poder popular faz parte da nossa luta contra a opressão dos nossos corpos!

Nenhuma a menos!

Nem mãe sem desejar, nem presa por abortar, nem morta por tentar!

Coordenação Anarquista Brasileira

jul 112021
 

Publicado na revista Socialismo Libertário nº 4, set. 2020

A desigualdade de gênero é um fato construído historicamente, presente nas sociedades humanas em menor ou maior grau. Se estabelece por mecanismos como o exagero de características físicas e a transformação de diferenças culturais em diferenças naturais (‘‘Homens são mais fortes e racionais’’, ‘‘Mulheres são mais fracas e emocionais’’), criando, assim, ordens opostas e verticais de comportamentos masculinos e femininos. Esse jogo binário legitima os padrões de masculinidades tóxicas e feminilidades submissas que criam as mais diversas formas de violência contra as mulheres, bem como em diferente medida contra homens que não correspondam a essas expectativas de masculinidades ou pessoas que almejam fugir de ambas ordens. A desigualdade de gênero é um dos elementos de dominação mais fortes e antigos que estruturam a ordem hierárquica de nossas sociedades. Ela divide e organiza nossos corpos para relações de mando/obediência que se associam a outros tipos de opressão.

As violências resultantes desse processo são mantidas por meio de estruturas materiais e simbólicas que buscam naturalizá-las e justificá-las. Os papéis que nos são impostos socialmente devem ser interpretados sob pena de punição; nessa lógica os homens exercem uma violência disciplinar sobre as mulheres. Assim, ao autor da violência nunca é atribuída a responsabilidade: “Ele bateu porque ela provocou”, “Estuprou para ela aprender a ser mulher”, ‘‘Matou porque ela o traiu’’ e etc. E essa imposição do sujeito (o homem) sobre o objeto (a mulher) atravessa os diversos âmbitos de poder que constituem nossa sociedade, como o campo familiar, religioso, científico e político-institucional. Em muitas partes do mundo, desde a antiguidade, mulheres são excluídas do status de pessoas e, assim, do direito à dignidade. Atualmente, nas sociedades capitalistas, patriarcais, racistas e classistas que se espalham pelo globo, essas formas de violências são mantidas e atualizadas pelo Estado através de suas leis e instituições.

O estupro é pensado e utilizado como arma de guerra há séculos e atualmente continua sendo estratégia corretiva e coercitiva. A América Latina é, assim como outras sociedades colonizadas e estruturadas pela escravidão, marcada pelo estupro de mulheres nativas e trazidas pela diáspora, pelo sexismo e racismo que sustentam o capitalismo. Nós, mulheres e LGBTQ+, sobretudo racializadas/os e pobres, enfrentamos uma verdadeira guerra para sobreviver no cotidiano de ataques que é existir como negras/os, indígenas, periféricas/os e em tantos outros lugares de vulnerabilidade e marginalização.

Essas violências mantêm a exploração de nossas forças produtivas e reprodutivas, através do controle de nossa natalidade e sexualidade, trabalho doméstico não remunerado e/ou em condições precárias, privação do acesso à educação e ao patrimônio, assédios morais/sexuais no espaço doméstico, de trabalho e/ou estudo, além de torturas psicológicas e/ou física. Ou seja, tudo aquilo que nos impede de sermos compreendidas e respeitadas como seres humanos.

A violência do Estado

O Estado é um sistema hegemônico de poder dentro da sociedade e busca ordená-la para assegurar sua própria existência através de aparelhos ideológicos (religioso, escolar, familiar, da informação, cultural etc.) e repressivos (governo, administração, exército, polícia, tribunais, prisão etc.). A fim de fazer valer a vontade da classe dominante que usufrui do seu poder, de forma direta ou indireta, mantém as desigualdades de gênero como mais um mecanismo útil de dominação. Principalmente, levando em conta que os corpos que ocupam os locais de poder dentro do aparelho estatal são em sua maioria esmagadora masculinos e brancos.

Essa desigualdade de gênero é expressada pelo Estado principalmente por meio da violência institucional. Somos atingidas na prestação de serviços públicos essenciais para nossa sobrevivência, como saúde e segurança. Nos hospitais, delegacias e outros órgãos de assistência social, essas violências são perpetuadas por agentes que em teoria deveriam proteger mulheres e a população LGBTQ+, garantindo-lhes uma atenção humanizada, preventiva e também reparadora de danos. Contudo, nossas existências e reivindicações de direito são criminalizadas e violentadas pelo Estado e suas instituições de diversas maneiras.

Continuamos morrendo ou sendo presas por abortos clandestinos e inseguros! Ao longo da história, vimos o controle de nossa natalidade e sexualidade tomado de nós através da esterilização compulsória ou a negação da mesma, a falta de acesso a métodos contraceptivos seguros, as violências obstétricas, a inexistência de métodos e informações sobre saúde sexual para relações lésbicas, a falta de preparo de agentes de saúde que também atinge transexuais e travestis; bem como a desvalorização, o descrédito e a proibição de outros métodos tradicionais de cuidado praticados por rezadeiras, curandeiras, parteiras, Ialorixás (mães de santo), mulheres indígenas e camponesas. Práticas essas que, em vez de serem valorizadas, são criminalizadas pelo Estado ou roubadas por grandes empresas, como é o caso da utilização de ervas e remédios naturais. Substituídas pela frieza, rispidez, falta de atenção e todo tipo de negligências motivadas por discriminações, que abrangem as questões de raça, gênero, sexualidade, classe, idade, regionalismo, capacitismo etc.

Com as instituições jurídicas / de segurança não é muito diferente. É comum que as vítimas de agressões físicas e violência sexual sejam submetidas a um processo duplamente violento na procura de atendimento, não sendo ouvidas ou tendo de passar pelo constrangimento de contarem seu relato diversas vezes e terem sua narrativa desacreditada. A falta de mais instituições especializadas para atendimento de mulheres e de LGBTQ+ e a falta de cuidado dos agentes que trabalham nelas resultam na não procura de assistência por parte das vítimas, que já temem a possibilidade de humilhações, maus tratos e ineficiência dos órgãos estatais.

No caso das violências sexuais, lidamos com critérios absurdos e exames invasivos, ficando sujeitas ao julgamento de serem “vítimas ideais” (brancas, mães, recatadas, heterossexuais) ou “vítimas duvidosas” (mulheres racializadas, com a ‘‘roupa errada’’, prostitutas, LGBTQ+ , população em situação de rua). Nos casos de violência doméstica, agressões e ameaças físicas e/ou psicológicas, há uma série de negligências policiais, a demora no atendimento dos chamados, a “visão” de que são problemas familiares que se resolvem por si só, entre outras coisas que fazem com que o socorro só chegue tarde demais, nos tornando, assim, vítimas de feminicídios e crimes de ódio – que, na maioria das vezes, nem são reconhecidos como tais.

Outro mecanismo de violência estatal é o encarceramento das mulheres negras, pobres e periféricas. Para além das semelhanças com o encarceramento masculino (excesso de prisões provisórias, superlotação, ausência de vagas em regimes mais benéficos e julgamentos injustos, deficiência na assistência à saúde, alimentação e necessidades básicas), traz questões distintas como o controle e/ou bloqueio de visitas íntimas, retirada da(o) filha(o) logo após seu nascimento, risco maior de assédio e abusos sexuais, privação de produtos básicos de higiene como absorventes etc. Além disso, mulheres encarceradas de maneira geral recebem menos visitas e assistência de cônjuges e familiares, lidando com o peso do estigma da criminalidade somado aos estigmas de gênero. A instituição prisional, entre outras coisas, também torna as visitas um processo humilhante para mulheres, fazendo-as passar por revistas vexatórias e se constituindo como um ambiente hostil a sexualidades dissidentes.

Enfrentamos também a violência da miséria que nos desumaniza e mata de fome quando o Estado toma nossos territórios, casas, pertences, e destrói nossos recursos naturais. Nossos direitos, conquistados por tantos anos de suor e sangue, não são respeitados e nós acompanhamos cada vez mais suas retiradas. Em muitos locais, ainda não temos acesso à educação, à saúde, à moradia digna, à água e luz. E se tratando da pobreza e restrição a recursos, as mulheres são a parte da população mais atingida. Trabalhamos mais e recebemos menos, as travestis e transexuais têm péssimas ou nenhuma possibilidade de emprego formal, nos tornamos mães cada vez mais cedo e quase sempre assumimos sozinhas as crianças. Não conseguimos creches e outras assistências necessárias, sofremos a violência e o assassinato dos nossos filhos e filhas nas periferias, somos chefes de família e perdemos o sono para plantar, colher e colocar comida na mesa. No caso de mulheres indígenas, quilombolas e camponesas, os conflitos referentes ao território e aos recursos naturais são ainda mais críticos. No Brasil, historicamente, o Estado recusa-se à reforma agrária e à demarcação de terras, beneficiando em larga escala o agronegócio e a exploração praticada por megaempresas, desrespeitando terras de povos tradicionais e comprometendo suas existências materiais e simbólicas.

Anarquismo e resistência às violências de gêneros

O anarquismo se constrói, historicamente, em oposição a toda hierarquia, dominações e poderes autoritários. Reconhecemos a urgência do combate de todas as opressões. As desigualdades de gênero e raciais não são apenas pontuais ou meros apêndices de exploração de classe/econômica, elas são estruturais e retroalimentam a ordem capitalista de maneiras próprias; o Estado violenta especificamente corpos sexualizados e racializados. E a revolução social que almejamos a longo prazo, construção do poder popular e de outra sociedade, só será possível se a destruição das desigualdades de gênero também for nossa bandeira de luta.

As mulheres e a população LGBTQ+ lidam diariamente com violência e assédio por parte de conhecidos, desconhecidos e do Estado em seus variados desdobramentos, sendo negligenciadas, desrespeitadas e assassinadas por conta de seus lugares sociais. As desigualdades existem no espaço doméstico, no trabalho, na rua, na escola, em tantas outras situações, inclusive nos ambientes de militância. É fundamental que as organizações e movimentos libertários repensem seus espaços e a perpetuação dessas desigualdades, desde a organização e divisão de tarefas à importância dada a determinadas temáticas, estratégias para lidar com os casos internos de violência e etc. É fundamental que os militantes estudem e reconheçam seus privilégios a fim de desconstruir as atitudes machistas, racistas e lgbtqfóbicas que fazem parte de nossas socializações.

Nossos corpos sempre foram territórios de disputas. Muitos são os exemplos de como a violência ceifa a vida das nossas. Não esquecemos do corpo de Claudia Silva Ferreira, mulher preta, periférica e mãe, arrastada pela polícia no asfalto por 350 metros. Não esquecemos de Luana Barbosa Santos, mulher preta, periférica, lésbica e mãe, espancada e morta pela polícia principalmente por não performar feminilidade. Não esquecemos Marielle Franco, mulher preta, lésbica, liderança, vítima de um assassinato escancaradamente político. Não esquecemos da travesti morta a facadas por quatro homens que gritavam por “Bolsonaro” que, assim como tantas outras travestis e transsexuais, não têm nem nome nas reportagens. Não esquecemos de tantas mulheres indígenas, expulsas de suas terras e mortas por violências que são físicas, psicológicas e espirituais.

A luta contra a desigualdade de gênero e violências cometidas pelo Estado contra os corpos marcados por ela é uma bandeira nossa. Um movimento anarquista que busca emancipação e poder popular tem de ser muito além de um movimento pelo fim das classes sociais; ele tem que ser também um movimento antirracista e antissexista.

Pela queda do Estado, do Patriarcado, do Capitalismo e da Supremacia Branca!

Construir um povo forte, construir mulheres fortes!

Pelas de baixo, com as de baixo!

mar 082021
 

É chegado mais um 8 de março. Embora o ano de 2020 tenha sido marcado por esforços desesperados para sobrevivermos, no qual muitas de nós tiveram suas vidas ceifadas –seja pela COVID-19, seja pelos feminicídios e violências do Estado, seja pelas guerras declaradas pelos de cima, seja pela fome –, nos encontramos novamente com os punhos cerrados, em alto e alertas. Aproveitamos a data, memória das lutas das mulheres, para, internacionalmente, reafirmarmos: vivas estamos, na resistência e na luta nos manteremos! Ao Estado, ao Capitalismo, ao Patriarcado e Racismo, gritamos que nenhum segundo de paz lhes será dado. Nós, mulheres anarquistas organizadas na CAB, inseridas nas fileiras das lutas sociais Brasil afora, ocupamos o espaço deste Opinião Anarquista de março para apontarmos alguns elementos de leitura da realidade social que temos vivenciado.

Antes de tudo, é preciso dizer que, para as mulheres de baixo, a conjuntura brasileira tem significado um conjunto de adversidades e ofensivas que atentam diretamente contra nossas vidas. Se a realidade nunca nos foi favorável, assim como não é para todo o povo preto, pobre e periférico, o contexto da pandemia veio como um catalisador de ataques e genocídios. As políticas neoliberais do governo de Bolsonaro e Paulo Guedes, a farra dos milionários e bilionários às custas de trabalhadoras e trabalhadores que amargam as consequências da pandemia, o descaso pela vida vindo de todo o Estado e do Capitalismo – escancarado, mais uma vez, na crise sanitária –, a ofensiva do conservadorismo da extrema direita, recaem intensamente sobre nossos corpos e nossas vidas. Por outro lado, essa mesma conjuntura também é composta das muitas experiências auto-organizadas e populares que tiveram papel essencial para nossa sobrevivência; e delas, não podemos nos esquecer.

Estado, capital e governos são aliados na construção e manutenção da miséria!
A cada ano que passa, as mulheres têm precisado enfrentar cada vez mais dificuldades. Os direitos já conquistados por aquelas que por aqui estiveram antes de nós, e lembrados neste 8 de março, Dia Internacional de Luta das Mulheres, estão sendo retirados pelo Estado machista, racista e opressor. Direitos mínimos como moradia e saúde não estão sendo garantidos durante a pandemia, momento que fragiliza ainda mais a nós mulheres; somam-se as demissões, abandonos pelo distanciamento social, jornadas duplas e triplas de trabalho, violência contra a mulher e o aumento de feminicídios.

Não esqueceremos das lutas de nossas companheiras e daremos continuidade para garantir vida digna a todas nós, mulheres da classe trabalhadora, pobres, periféricas, as de baixo.

O cenário brasileiro está marcado por um longo caminho de ofensivas neoliberais que atravessaram os governos no decorrer da história do país. O governo Bolsonaro/Mourão/Guedes – extrema direta/militarismo/neoliberalismo – aprofundou esse projeto, colocando em prática políticas que beneficiam o mercado, exploram ainda mais trabalhadoras/es e desmontam os serviços públicos. Em 2021, ao avaliarmos a dura realidade em meio à iminência de uma 3ª onda da COVID-19, não podemos deixar de considerar todo um pacote de reformas defendidas e implementadas por esse governo. Elas se relacionam diretamente com o contexto de miséria enfrentado pelo povo, juntamente com as demais políticas de manutenção do capital.

A Lei do Teto de Gastos – ainda vigente – congelou os investimentos em saúde e educação; serviços básicos que atendem o povo e são urgentes na realidade de vida das mulheres pobres e periféricas. A reforma trabalhista entregou os direitos trabalhistas nas mãos dos patrões, atingindo milhares de trabalhadoras, principalmente, daqueles serviços mais precarizados e compostos majoritariamente por mulheres – como as terceirizadas da limpeza etc.; a carteira verde-amarela é emblema do governo de Bolsonaro, pois também é marca da precarização dos direitos trabalhistas e do trabalho que explora e empobrece ainda mais as pessoas – representa, portanto, um governo que quer ver o povo trabalhador entregue à miséria e à submissão. A Reforma da Previdência atentou contra o direito de uma aposentadoria digna e demonstra que ao povo nada é garantido; também ela deve ser emblemática desse governo, uma vez que atingiu diretamente o tempo de contribuição e idade para as mulheres se aposentarem, as mais atingidas – a misoginia da extrema direita servindo aos interesses do Estado e do capitalismo. Ainda nessa lista, a Reforma administrativa representa o desmonte dos serviços públicos mais básicos para as mulheres – saúde e educação –, atingindo, também, milhares de trabalhadoras desses serviços; é preciso lembrar que a reforma atingirá, principalmente, servidoras/es públicas/os que estão na ponta da saúde e da educação e, por isso, possuem os trabalhos mais precarizados e os salários mais baixos – frentes compostas por uma maioria de mulheres, que terão seus salários reduzidos e seus direitos retirados. A PEC Emergencial (186), em curso neste momento, além de não propor um auxílio emergencial digno para o povo, ainda previa o fim dos pisos para investimento em saúde e educação, desobrigando estados e municípios de investirem um valor mínimo. Apesar das mudanças em relação ao fim do piso, na versão em votação, a PEC ainda prevê gatilhos para limitar os investimentos nesses setores tão essenciais às/aos de baixo.

Pois bem, nesse cenário de desgaste de direitos, salários, saúde e vida das trabalhadoras e trabalhadores, a pandemia acrescenta as dificuldades financeiras trazidas pela crise sanitária, a tensão psicológica provocada por uma atmosfera de medo e morte, as necessidades de se virar para dar conta de um cotidiano carregado de mais tarefas, o luto… em meio a tudo isso, a política do mercado, implementada pelo governo de Bolsonaro, continuou seu caminho de massacre. O contexto da pandemia foi aproveitado para acelerar os processos de implementação das reformas, tanto na esfera federal quanto nas esferas estaduais e municipais. Os governos, alinhados ao projeto neoliberal e às brechas abertas por Bolsonaro/Paulo Guedes, aproveitaram o isolamento para passar, em Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais, diversos projetos de reformas e Emendas Constitucionais de retiradas de direitos ou, ainda, projetos que beneficiam os setores mais ricos do país.

Além da Covid-19, a carestia de vida tem adoecido as mulheres trabalhadoras deste Brasil. O alto custo de vida resulta de todo um sistema capitalista que se acomoda com a crise paga pelos mais pobres; no Brasil, produzida pelas políticas implementadas pelo governo de Bolsonaro/Paulo Guedes, tão genocida quanto o próprio capitalismo. O encarecimento de alimentos básicos, energia, água, gás, combustíveis, resultante daí, atinge o povo em um momento extremamente difícil de pandemia, gerando miséria, fome e mais adoecimentos; enquanto isso, os de cima continuam a saborear do bom e do melhor, pois seus lucros sempre vêm, maiores ou menores. O desemprego e a passagem de trabalhadores para o setor do trabalho informal e/ou mais precarizado atingiu um grande número de mulheres; é o que se registrou em Pernambuco, por exemplo, onde 99% das vagas demitidas eram ocupadas por mulheres (dados do CAGED – Cadastro Geral de Empregados e Desempregados; apontados em reportagem do Brasil de Fato de 25 de fevereiro de 2021). Com trabalhos e salários precarizados ou com o desemprego, as mulheres mais pobres, muitas delas, as únicas mantenedoras de suas casas, encontram-se abandonadas e desassistidas, sem qualquer proteção social. Não há possibilidade de colocar comida à mesa apenas com o Bolsa Família ou, ainda, aquelas que conseguem uma renda mínima não podem garantir uma vida digna de fato, vivendo apenas com o básico para sobreviver. Neste momento, o capitalismo retira o emprego e o salário; e o Estado retira a proteção social, já que as reformas congelaram verbas e serviços públicos, além de cortarem partes ou reduzirem auxílios.

Não podemos aceitar que explorem nossos corpos e nossa mão de obra por salários baixos, desgastados e más condições de trabalho, questões evidenciadas durante a pandemia. Exigimos deste governo genocida o pagamento do Auxílio Emergencial, para que nossas famílias possam ter condições de sobrevivência. Mas, para além das políticas emergenciais, nos juntamos com nossas companheiras na luta pelo fim do capitalismo, principal responsável por nossa pobreza, nossas dificuldades e nossas mortes. Por isso, o fim do governo de Bolsonaro/Mourão/Guedes deve ser acompanhado pelo fim desse modo de dominação que beneficia os de cima e produz a miséria das/dos debaixo.

Exigimos vida digna, pão e liberdade. Pelo fim da cultura machista, racista e LGBTQIAfóbica, que nos mata e explora nossos corpos e suga nossas forças, nossa vida.

Pela saúde das mulheres!
Exigimos a aceleração nas aplicações das vacinas. Se mantermos o ritmo atual, muitas de nós ainda morrerão enquanto esperam que o Estado garanta nosso direito. As mulheres trabalhadoras estão em exposição constante ao vírus quando saem de suas casas, pegam o transporte público e cumprem suas jornadas de trabalho. O governo genocida de Jair Bolsonaro foi um desserviço durante toda a pandemia, sem levar a sério as mais de 250.000 mortes causadas pela Covid. Bolsonaro, políticos, militares e empresários são responsáveis pela morte de milhares de pessoas, que não tiveram direito nem sequer a um velório. Nós exigimos respeito aos nossos, as trabalhadoras e trabalhadores, que morreram se expondo ao vírus por disseminação de informações falsas por parte do governo, que incentivou o uso de medicamentos sem eficácia comprovada contra a Covid e que desmotivou a utilização das máscaras e distanciamento social, que podem salvar vidas.

Os povos indígenas e quilombolas sentiram na pele toda a omissão deliberada do Estado nesta pandemia. Com um projeto claro de extinção desses povos, construído e apoiado pelos setores ruralistas/agronegócio, faltou verbas e projetos que facilitassem o atendimento médico e condições de sobrevivência aos contaminados pela COVID-19. O número de indígenas mortos em decorrência do Coronavírus foi bastante alto e representa o descaso e o genocídio deliberados. Hoje, também tem sido negado o direito à vacinação nas primeiras fases. Além do abandono, muitas comunidades quilombolas foram ameaçadas de invasão e retomada de terras – como a comunidade de Mata Cavalo em Mato Grosso; em outras, ocorreram retiradas das pessoas, que se viram na rua. As mulheres indígenas foram afetadas em todo esse processo, assim como as mulheres das comunidades quilombolas. A falta de assistência sanitária, de recursos, de atendimento, matou e adoeceu indígenas e quilombolas durante a pandemia!

Bolsonaro e seus comparsas matam nosso povo. São também responsáveis pela precarização de nossas vidas e nossa segurança quando não organizaram a compra de vacinas, permitiram o atraso na imunização e, agora, por não estarem garantindo a quantidade de doses necessárias e a vacinação imediata de todas, todos e todes.

Retorno às aulas coloca em risco a vida das mulheres e dos de baixo
Neste contexto de pandemia, lutamos também pelas vidas das/dos trabalhadoras/es da educação, que, em sua maioria, são mulheres, diretoras de escolas, professoras, zeladoras, cozinheiras, agentes da limpeza do chão da escola, e pelas crianças e as famílias que fazem parte da comunidade escolar. Com a volta às aulas, estamos todos em risco.

Em muitos estados e municípios, as aulas ou atividades presencias estão sendo retomadas sem protocolos mínimos de segurança. Governos e prefeituras têm cedido à pressão do setor empresarial das escolas particulares para o retorno, sem levar em consideração as grandes diferenças estruturais entre as escolas da rede privada e da rede pública. Lembramos que mais de 80% dos estudantes da rede básica estão matriculados na rede pública, exemplificando o tamanho da rede e sua demanda em comparação com a privada/particular. Segundo o censo escolar de 2020, escolas da rede privada correspondem apenas a 22% do total de escolas no país; dos 47.295.294 de matrículas no ensino básico, 38.504.108 são da rede pública e 8.791.186 da rede privada.

Isso significa que um retorno às aulas presenciais sem vacina vai impactar a população mais pobre, público que praticamente constitui quase toda a rede básica. O setor privado se vale de um discurso de preocupação com a necessidade do ensino, mesclado ao tom de negacionismo do governo federal, mas, no fim, os interesses são bem outros. Não deixemos de mencionar que, em muitos casos, são as próprias professoras da rede privada que têm pagado as contas da pandemia, pois muitas foram demitidas durante o “ensino remoto” ou tiveram seus salários reduzidos. Não defendemos o retorno presencial de nenhuma das duas redes – nem privada, nem pública – neste momento de extremo perigo, mas não podemos deixar de avaliar que isso seria desastroso, principalmente, na rede pública, por se tratar de um corpo de estudantes que enfrentam condições mais vulneráveis. Do mesmo modo, também não podemos deixar de denunciar que a lógica dos empresários da Educação não condiz com a realidade da rede pública e com o contexto de alta contaminação e mortes no país.

Escolas públicas da Rede Básica, que já não possuem estruturas adequadas, visto que o sucateamento ocorre há vários anos, agora, estão na condição de receber estudantes e trabalhadoras da Educação sem qualquer reorganização estrutural e investimentos necessários. Em muitos locais, a ida de trabalhadoras e estudantes para a escola têm resultado em vários casos de contaminação, expondo o risco de um retorno sem vacina e sem segurança alguma. Para qualquer ensaio de retorno às aulas ou qualquer atividade presencial, é preciso que se faça modificações estruturais dos espaços das escolas, o que exige investimento orçamentário, planejamento de políticas públicas e construção conjunta escola-comunidades conforme as demandas de cada realidade; é preciso que haja vacinação, pois estudantes e trabalhadoras/es da Educação circularão no espaço da escola e em suas casas, expondo também seus lares e familiares. Mais uma vez, os mais afetados serão os lares do povo pobre.

Exigimos a testagem frequente dos profissionais enquanto não ocorrer vacinação; condições estruturais e de biossegurança contra a COVID-19; vacinação em massa! Precisamos conter o número de infectados e as mortes. Mortes essas que atingem principalmente quem tem a maior falta de recursos, as e os trabalhadores, que estão diariamente expostos ao coronavírus e a outras doenças que podem agravar seu estado de saúde. Estamos na luta pelas nossas companheiras, por testagem e vacinação na comunidade escolar.

Auto-organização e apoio mútuo são base da resistência e sobrevivência das/dos de baixo!
Apesar de todo um confluente político e sistêmico que produz nossa miséria e atenta contra nossas vidas, devemos manter vivas as experiências responsáveis pela nossa sobrevivência. A pandemia reafirmou o papel do Estado, que serve aos interesses dos ricos e não ao povo, que trabalha para a manutenção da ordem de exploração e opressão e não da vida. Em meio à omissão, despreparo e descaso do Estado, construímos redes de solidariedade, redes de distribuição de alimentos, remédios e atendimento médico nas favelas, nas periferias, nas comunidades indígenas e quilombolas. Essas experiências foram marcadas por auto-organização e apoio mútuo, construídas com as nossas próprias mãos.

Exigimos nossos direitos! O Estado serve aos capitalistas, aos exploradores, machistas, racistas e LGBTQIAfóbicos. Estamos diariamente na luta, construindo poder popular, pela emancipação do povo pobre, das mulheres, das pretas, das lésbicas, das bi, das trans, de todas nós. Enquanto isso, não podemos morrer de fome, de Covid, de más condições de trabalho, em abortos clandestinos, de violências contra as mulheres, de feminicídio. Por isso, lutamos também pela garantia de direitos neste sistema miserável e omisso. A nossa luta transpassa o 8 de março, é todo dia, porque só a luta diária pode mudar nossas vidas.

Desemprego e panela vazia é revolta na periferia!
Somos resistência na luta por vida digna!
Mulheres são revolução na LUTA CONTRA AS POLÍTICAS DE MORTE!

COORDENAÇÃO ANARQUISTA BRASILEIRA
8 de Março de 2021

mar 082018
 

Carta de Mulheres Anarquista para 8 de Março no Ceará

“[…] Tomem cuidado com as mulheres quando se cansem de tudo o que as rodeia e se levantem contra o velho mundo. Nesse dia um novo mundo começará.”

Louise Michel

Nós, mulheres da Organização Resistência Libertária, saudamos a todas as companheiras por mais um ano de luta e resistência. O ano de 2018, assim como os anteriores, será mais um ano de duro combate. A onda conservadora que se espraia pela América Latina chegou ao Brasil fortemente e nós, as mulheres de baixo, sentiremos cada vez mais nossos direitos sendo arrancados.

1. Contra a precarização dos nossos trabalhos

No Brasil, três em cada dez trabalhadoras estão na condição de informalidade, o que significa total exclusão de direitos trabalhista e previdenciários. A divisão sexual do trabalho intensifica a exploração da força de trabalho feminina, pois expulsa as mulheres para os postos de trabalho mais precários, com menores salários e menos direitos, mesmo dentro do mercado formal. Por isso, a terceirização e a reforma trabalhista, ambas aprovadas pelo Governo de Michel Temer, atingem nossas vidas de forma mais destruidora. A terceirização atinge os serviços mais precarizados – geralmente associados à manutenção e limpeza de estabelecimentos – e ocupados em sua maioria por mulheres negras. A reforma trabalhista permite que mulheres grávidas trabalhem em locais insalubres e o prolongamento da jornada de trabalho em até 220 horas mensais. Os efeitos do prolongamento da jornada para as mulheres significa uma completa precarização da vida, visto que já temos uma jornada tripla de trabalho, pois nosso trabalho no mercado formal ou informal se estende para o trabalho doméstico que não é remunerado, tampouco reconhecido pela sociedade e pela família patriarcal.

2. Contra a reforma da previdência

O deficit na previdência é um argumento ideológico mentiroso. Sua única finalidade é arrochar cada vez mais os investimentos em políticas públicas de seguridade social. O governo, através de seus meios de comunicação, busca enfiar goela abaixo a ideia de que a reforma da previdência é “um mal necessário”, pois se algo não for feito, o nosso país pode entrar em colapso econômico em um futuro próximo. Ao contrário do que afirma esse discurso falacioso, uma análise feita pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip) confirma que os cálculos apresentados pelo governo são falsos e manipuladores e que não existe deficit na previdência (https://www.anfip.org.br/reformadaprevidencia.php).
A Reforma da Previdência ignora a tripla jornada de trabalho das mulheres e busca, na sua proposta inicial e nas mudanças posteriores, aumentar a idade para a mulher se aposentar. Além disso, se for aprovada a reforma da previdência será destruidora para as mulheres camponesas, pescadoras, marisqueiras, seringueiras e indígenas, pois não será mais possível comprovar trabalho rural, tendo essas mulheres que provar a contribuição mensal, mesmo quando moram e trabalham no campo, onde os postos da previdência não chegam.

3. Contra o feminicídio

O feminicidio é o desfecho fatal de um ciclo de violência que nós mulheres sofremos diariamente. Segundo a pesquisa “Feminicídio no Brasil, uma proposta de análise com dados do setor de saúde” apresentada em outubro na Universidade de Campinas, o feminicídio tem três categorias: doméstica, reprodutiva e sexual. Os dados dessa pesquisa confirmam outros já anteriormente publicados e reiteram que as mulheres negras e pobres estão no topo de todas essas categorias. No Ceará, a taxa de homicídio de mulheres cresceu 330%. Segundo levantamento realizado pelo Jornal O Povo, em 2016 foram registradas 186 vítimas, durante o ano de 2017 houve 365 casos e até janeiro de 2018, foram registradas 43 mulheres mortas no Ceará.

4. Contra o racismo e o encarceramento do povo pobre

O racismo e o machismo – estruturais em nossa sociedade – aliados à guerra às drogas escolhem os principais alvos do Estado Penal. Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), o total de mulheres no sistema prisional brasileiro em 2017 era de 44.721. Em 16 anos aumentou em 698% o total de mulheres privadas de liberdade. Esses dados
mostram que o Brasil tem a quinta maior população carcerária feminina do Mundo. No Acre 100% de todas as mulheres presas são negras, o estado do Ceará tem 94%, e a Bahia tem 92% de mulheres presas negras. Entretanto, 43% das mulheres que estão detidas ainda não tiveram seus casos julgados em definitivo. Um estudo realizado pela Fiocruz com 241 mães que vivem com seus filhos em unidades prisionais foi divulgado em junho de 2017. Dados desse estudo nos mostram que: 36% delas não tiveram acesso adequado à assistência pré-natal; 15% afirmaram ter sofrido algum tipo de violência; 32% das grávidas presas não fizeram teste de sífilis e 4,6% das crianças nasceram com a forma congênita da doença. O Depen também informa que “A maior parte das mulheres submetidas a penas no sistema carcerário não possuem vinculação com grandes redes de organizações criminosas, tampouco ocupam posições de gerencia ou alto nível e costumam ocupar posições coadjuvantes nestes tipos de crime”.

5. Contra a intervenção federal militarizada

A intervenção federal militarizada orquestrada pelo Governo Temer e que serve às elites do Rio de Janeiro coloca nosso povo pobre em condições de recrudescimento de opressão, além da cruel conjuntura de corte de direitos sociais que enfrentamos no Brasil. Em tempos de guerra às drogas
e de intervenção militarizada no país, as mulheres das periferias
urbanas, que já são violentadas cotidianamente por sua condição social, de raça e de gênero, enfrentam o capitalismo militarizado de forma mais violenta. São essas mulheres que choram a prisão e a morte de seus filhos violentados e mortos pela polícia e pelo tráfico, pois as famílias das periferias são marcadamente matrilineares, quer porque o pai morreu também vítima da violência urbana, quer porque abandonou a família ou a mãe grávida. São essas mulheres, que mesmo com tantas dificuldades, descem o morro para trabalhar e sustentar a família e que agora estão perdendo os empregos pelo atraso em revista feita pelas forças armadas do Estado.

6. Contra a transfobia

O Brasil lidera o ranking de País que mais mata travestis e
transexuais no mundo. Segundo dados publicados, em novembro de 2016, pela ONG Transgender Europe (TGEu), nos últimos oito anos foram registradas 868 mortes de Travestis e Transexuais no Brasil. Em julho de 2017 a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) divulgou o mapa de assassinato de pessoas Transexuais no Brasil entre o período de janeiro a julho de 2017, contabilizando 91 mortes. O Ceará
vergonhosamente lidera o ranking com o registro de 11 mortes, entre as quais está o caso de Dandara dos Santos, assassinada brutalmente no dia 15 de fevereiro de 2017.

Todos esses dados são consequência da Transfobia, que é o preconceito, o ódio e a violência praticada contra pessoas travestis e transexuais. Inúmeras são as práticas de transfobia, dentre elas destacam-se a violência psicológica, a discriminação, a violência física, o assassinato e o feminicídio que fizeram vítima no Ceará também a travesti Hérica Izidório, agredida, espancada e jogada no viaduto quando andava na rua. A expectativa de vida da população Transexual é de 35 anos, ou seja, metade da expectativa do resto da população. Quando a transfobia encontra com o patriarcado e a supremacia branca, a violência ganha seus contornos mais cruéis. Além de sofrerem com a transfobia, mulheres trans e negras sofrem com o machismo e racismo estruturais em nossa sociedade.

A resistência é a vida!

Diante da atual conjuntura de corte de direitos e recrudescimento da opressão militarizada, é preciso ter punhos fortes contra o Estado, o capitalismo, o patriarcado, a supremacia branca e heteronormatividade. Nós, mulheres anarquistas, precisamos estar organizadas e em luta com o
nosso povo pobre e oprimido, desde baixo e à esquerda, construindo a luta por fora das instituições e em nossos locais de moradia, estudo e trabalho. Apenas a luta cotidiana e organizada nos levará à liberdade.

Construir mulheres fortes!
Construir um povo forte!

Organização Resistência Libertária
Coordenação Anarquista Brasileira

Fontes consultadas:

https://www.nexojornal.com.br/…/Que-pontos-da-reforma-traba…

https://www.anfip.org.br/reformadaprevidencia.php

http://reporterpopular.com.br/o-governo-mente-nao-existe-d…/

http://justificando.cartacapital.com.br/…/sistema-prisiona…/

https://resistencialibertaria.org/…/maos-dadas-e-punhos-cer…/

http://ultimosegundo.ig.com.br/…/201…/sistema-prisional.html

https://www.geledes.org.br/voce-sabe-o-que-e-feminicidio/

https://www.opovo.com.br/…/taxa-de-homicidios-de-mulheres-c…

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mar 062018
 

Dia 06/03 as 18h 30min na sala 20 da Faculdade de Direito UFC daremos inicio a nossa III Jornada de Mulheres Anarquistas.

A atividade será em Fortaleza onde faremos uma análise de conjuntura dos avanços do Governo Temer sobre nossos direitos através das Reformas Trabalhista e da Previdência, bem como com a PEC do fim do mundo.

Conversaremos sobre como esses avanços atingem a vida das mulheres da cidade, no trabalho formal e informal ou desempregadas. Além disso, faremos a discussão de como a dupla jornada de trabalho enfrentada por nós mulheres e tripla por nós mulheres militantes contribui para precarizar nossas vidas através da concentração do trabalho doméstico, estrutura fundamental de uma sociedade capitalista e
patriarcal.

Essa atividade será mista

 

mar 022018
 

Este ano, a III Jornada de Mulheres Anarquistas, organizada pela Organização Resistência Libertária, denuncia a precarização dos nossos trabalhos orquestrada historicamente pelo Estado, o Capital e o Patriarcado e que avança de forma destruidora na atual conjuntura de corte de direitos e recrudescimento da opressão através de intervenção federal militarizada no Rio de Janeiro.

Serão três eventos:

Dia 06/03, em Fortaleza, faremos uma análise de conjuntura dos ataques do Governo Temer sobre nossos direitos através das Reformas Trabalhista e da Previdência, bem como com a PEC do fim do mundo, aprovada em dezembro de 2016, e que suspende por 20 anos o investimento em políticas públicas. Conversaremos sobre como esses avanços atingem a vida das mulheres da cidade, no trabalho formal e informal ou desempregadas. Além disso, faremos a discussão de como a dupla jornada de trabalho enfrentada por nós mulheres e tripla por nós mulheres militantes contribui para precarizar nossas vidas através da concentração do trabalho doméstico, estrutura fundamental de uma sociedade capitalista e patriarcal.
[Evento Misto]

Dia 24/03, em Sobral, faremos um cine exibindo o filme “Estrelas além do Tempo” discutindo as violências impostas pela supremacia branca que as mulheres negras enfrentam no mundo do trabalho, além de todas as violências de classe e de gênero históricas e conjunturais.
[Evento auto-organizado: apenas para mulheres]

Dia 31/03, em território de Reforma Agrária em Amontada, discutiremos como o trabalho das mulheres no campo pode ser autogerido para produção de renda própria e comunitária, semeando a autonomia dessas mulheres.
[Evento auto-organizado: apenas para mulheres]

jan 292018
 

Dia 29 de Janeiro

Dia Nacional da Visibilidade Travesti e Transexuais

Mãos dadas e punhos cerrados contra a transfobia!

Uma pessoa transexual é aquela que se identifica com o gênero diferente daquele atribuído de acordo com as cisnorma social e biológica. É nos ensinado que nosso gênero está diretamente ligado ao nosso sexo biológico, mas isso não é verdade. Vivemos um processo de socialização heteronormativo e cisgênero que nos direciona a uma única possibilidade de identidade de gênero e orientação sexual. Quando rompemos esses direcionamentos normativos, somos marginalizados/as e patologizados/as.

O Brasil lidera o ranking de País que mais mata travestis e transexuais no mundo. Segundo dados publicados, em novembro de 2016, pela ONG Transgender Europe (TGEu), nos últimos oito anos foram registradas 868 mortes de Travestis e Transexuais no Brasil. Em julho de 2017 a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) divulgou o mapa de assassinato de pessoas Transexuais no Brasil entre o período de janeiro a julho de 2017, contabilizando 91 mortes, dentre estas está a da travesti Lili assassinada a tiros em Cachoeira (Bahia) e de Carla que foi espancada e esfaqueada em Maceió (Alagoas). O Ceará, vergonhosamente, lidera o ranking com o registro de 11 mortes, entre as quais está o caso de Dandara dos Santos, assassinada brutalmente no dia 15 de fevereiro de 2017.

Todos esses dados são consequência da Transfobia, que é o preconceito, o ódio e a violência praticada contra pessoas travestis e transexuais. Inúmeras são as práticas de transfobia, dentre elas destacam-se a violência psicológica, a discriminação, a violência física, o assassinato e o feminicídio que fizeram vítima no Ceará também a travesti Hérica Izidório, agredida, espancada e jogada no viaduto quando andava na rua. A expectativa de vida da população Transexual é de 35 anos, ou seja, metade da expectativa do resto da população. Quando a transfobia encontra com o patriarcado e a supremacia branca, a violência ganha seus contornos mais cruéis. Além de sofrerem com a transfobia, mulheres trans e negras sofrem com o machismo e racismo estruturais em nossa sociedade.

Inúmeras são as pessoas travestis e transexuais que são expulsas de seus lares, da escola, da Universidade, do mercado de trabalho e inclusive de espaços feministas cisgeneros por causa da transfobia. Nós, as Organizações que assinamos esta nota, consideramos as mulheres Transexuais como companheiras feministas na luta contra todas as formas de opressões de gênero. Diante desse quadro, não é surpresa verificar que, de acordo com a ONG National Gay and Lesbian Task Force, 41% das pessoas trans já tentaram suicídio. Outra pesquisa da Universidade de Columbia nos Estados informa que o índice de suicídio entre LGBT é 5 vezes mais frequente do que a média populacional. A travesti cearense Kyara Barbosa não conseguiu escapar desse destino, cometendo suicídio por causa da transfobia e da depressão.

Infelizmente, também podemos citar diversos casos de transfobia no âmbito educacional, devido ao caráter socialmente proibido que a discussão de identidade de gênero e orientação sexual tem para família e professores, agora impedidos em alguns municípios de tratar sobre o assunto por causa dos projetos de lei genericamente chamados de “Escola Sem Partido”.

Vários fatores colaboram para essa lacuna educacional, dentre eles destacamos a ignorância no assunto, falta de investimento na formação de professores (que não sabem como inserir essa discussão em sala de aula), o fato de muitas pessoas relacionarem esse tema com ideologização política, o moralismo religioso e a antiga tradição psiquiátrica que patologizava a diversidade de gêneros e diversosexualidade. Esses e muitos outros elementos sociais contribuem para o preconceito e a redução da pedagogia sexual na escola ao mero discurso da proteção e prevenção.

Avanços e retrocessos se revezam com o passar dos anos. Em 2016, no âmbito federal, o Decreto nº 8.727 normatizou o uso do nome social por órgãos e entidades da administração pública federal. Nome social é o nome pelo qual pessoas transexuais e travestis preferem ser chamadas em seu dia-a-dia, em contraste com o nome oficialmente registrado que não reflete sua identidade de gênero. Em muitas escolas, campanhas pela adoção do nome social também já obtiveram sucesso e professores usam esse recurso em chamadas e documentos escolares. Porém, ainda casos de transfobia ocorrem, como o da menina Lara de 13 anos que sofreu discriminação pela Escola SESC, no Ceará, quando adotou o nome social.

O Processo Transexualizador, que inclui a medicação e a cirurgia de resignação sexual é realizado pelo SUS desde 2008 (portaria GM/MS nº 1.707, de 18 de agosto de 2008) para a população transexual. O SUS também oferta procedimentos como: histerectomia (retirada de útero e ovários), mastectomia (retirada das mamas), tireoplastia (cirurgia que permite a mudança no timbre da voz), plástica mamária e inclusão da prótese de silicone e outras cirurgias complementares. O único espaço do Sistema Único de Saúde a oferecer esse serviço nas Regiões Norte e Nordeste do país é o Espaço de Cuidado e Acolhimento de Pessoas Trans, localizado no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), no Recife. O ambulatório tem uma demanda muito superior à capacidade. Atualmente, a fila de espera para fazer a cirurgia é de 13 anos.

As violências que atingem nossa classe existem e se relacionam de forma intersseccional. O avanço do fascismo atinge de diferentes formas diferentes corpos e identidades. A socialização na masculinidade viril, a supremacia branca e a heteronormatividade são valores cultivados pelo fascismo no Brasil e a solidariedade de classe é elemento fundamental para nossas fileiras na luta contra a transfobia.

Fortalecer a luta contra a transfobia diariamente!

Construir um povo forte!

Lutar, criar, poder popular!

 

29 de janeiro de 2018

Organização Resistência Libertária (ORL) – CE

Federação Anarquista dos Palmares (FARPA) – AL

Federação Anarquista Cabana (FACA) – PA

Coletivo Multirão Anarquista (COMUNA) – PB

Coletivo Anarquista Maria Iêda – PE

Fórum Anarquista Especifista (FAE) – BA

nov 102017
 

Direto do site da FEDERAÇÃO ANARQUISTA GAÚCHA – FAG· SEXTA, 10 DE NOVEMBRO DE 2017

Uma comissão especial da câmara dos deputados, aprovou nesta quarta, dia 8, um forte endurecimento contra a lei de aborto no país. A lei de aborto que até agora, entendia os casos de riscos a vida da mulher, estupros e anencéfalos como prática não criminosa, porque busca preservar a vida da mulher e evitar piores traumas futuros, pode ser mudada. A comissão especial da câmara, que é composta por uma maioria da bancada evangélica, todos homens, resolveram aprovar uma emenda que altera a constituição e que proíbe a prática de aborto até em casos de estupros. Consagrando assim, um legado, cada vez mais crescente, de criminalização dos corpos, de suas sexualidades, em especial agora, o corpo da mulher.

Esta ‘inquisitora’ comissão especial, foi instalada em uma briga, como retaliação ao Supremo Tribunal Federal, que considerou aborto ate os 3 meses de gestação não crime. Seguindo o exemplo de vários países no mundo que avançaram nos direitos sobre a vida e os corpos das mulheres.

No entanto, os evangélicos não medem esforços para mostrar toda a força que tem dentro do parlamento burguês brasileiro. E, o discurso charlatão conservador ganhou pérolas na votação de quarta feira, com destaque para o deputado pastor Eurico (PHS/PE) que em meio a sessão gritava segurando uma replica de um feto de 12 semanas nas mãos, as seguintes palavras “ Onde esta o amor as mulheres? Onde esta o amor as crianças? Isso não tem nada a ver com religião, isso é uma posição! Nós somos contra o assassinato em massas de inocentes.”

Não é de hoje que assistimos os discursos mais conservadores do país ganhando cena e poder político. Estes grupos não são apenas aceitas dogmáticas, manipuladores da fé das pessoas, ultra disciplinador de corpos, mas, são também uma prática autoritária, completamente intolerante. Terreiros de Umbanda foram diversas vezes atacados, os seguidores das religiões africanas sofrem perseguições e agressões de toda sorte por parte dos “seguidores de deus”. Eles destroem outras igrejas. Também construíram o “exercito de deus”, onde centenas de jovens se alistam para combater na porrada em nome sua fé e somente sua fé. Porém, não nos enganamos que sejam apenas alguns fanáticos manipuladores dos anseios e sofrimentos das pessoas, são um grupo com grandes interesses políticos no país, são donos de grandes fortunas, são donos de canais televisivos, de rádios e jornais. São a maior bancada do congresso nacional, são grandes sonegadores e ladrões do povo mais oprimido, em nome do “sagrado dizimo”. São eles que, pelo seus meios de comunicação de grande alcance, principalmente entre a população mais pobre, detonam discurso contra a liberdade das mulheres cotidianamente, discursos onde submissão é um valor e a dominação do homem é incentivada. O discurso patriarcal, homofóbico e intolerante são os valores que esta instituição político religiosa propaga todos os dias e é claro que vão fazer com que estas ideias se tornem fatos consumados. Mas, não antes de enfrentar a nossa Resistência!

A narrativa conservadora em voga no país, de norte a sul, tem feitos mais vitimas mulheres de abusos que circulam como propaganda a toda conduta machista. São casos de estupros coletivos, feminicídios que assombram nossas vidas, homens que ejaculam em mulheres em transportes públicos, entre outras crueldades de assédios cotidianos. A ideologia destes setores conservadores tem se tornado mais influente, começam a disputar, para destruir, qualquer avanço nas liberdades sociais, individuais e sexuais. Não a toa, esta campanha contra as “ideologias de gênero”, de “escola sem partido”, entre outras sandices que acumulam liberais e conservadores na mesma medida.

Os grupos de extrema direita estão atuando para combater não só ideologicamente, mas como também, fisicamente seus adversários e opositores. Cumprem as mais diferentes ameaças em espaços públicos, palestras, atos e universidades, só esperam o melhor cenário para atuar. Praticam a intolerância e conseguem, através do escracho, impedir a mostra “Queer museu” em Porto Alegre. Mesmo sendo eles um dos grupos mais denunciados, por praticarem pedofilia e estupro contra crianças (meninas e meninos). São os mesmos, que queimam bonecos de bruxas na palestra de Judith Butler, acabam com aulas sobre feminismo, de temas socialistas, etc. São herdeiros dos antigos senhores da Casa Grande, que estupravam suas escravas e as obrigavam a ter os filhos bastardos, herdeiros e reprodutores da colonização do corpo da mulher.

Eles, que jogam nas redes sociais os discursos de ódios mais absurdos como se fossem dizer apenas “bom dia”. Propagandeiam condutas fascistas sem nenhum problema e enquanto isso os governos e suas policias seguem exterminando os pobres, perseguindo os movimentos populares, libertários e agora criminalizam as mulheres.

Somente nos organismos de base, longe da política de gabinete, com as mulheres do povo oprimido que vamos poder cultivar a resistência contra o sistema machista e opressor!

Nós, como anarquistas não temos confiança nenhuma nas instituições parlamentares, nem nas estruturas do Estado. Sabemos que todos os governos são comprometidos com projetos que não estão dispostos a direitos e liberdades das pessoas. A não ser, seus direitos e liberdades enquanto elite de dominação. Nem os governos ditos de esquerda avançaram sobre as demandas do movimentos feminista, nem de todas as demais demandas do povo oprimido, não seria agora que se avançaria. Ainda mais dentro de uma conjuntura de ajustes e extremamente repressiva como esta.

É preciso ligar o alerta e demonstrar força de mobilização contra a PEC 181, construir ampla campanha contra ajuste, as amarras que querem impor as mulheres brasileiras.

Mais de 50 mil mulheres morrem por ano no Brasil, a cada 9 minutos uma, todas vitimas de abortos clandestinos.

Precisamos, mais do que nada, difundir a realidade sobre o tema aborto, pois o “massacre em massa” que existe hoje é o das milhares de brasileiras pobres e negras das periferias. Não precisamos ir longe para desmascarar o discurso conservador, seguramente os mesmos são capazes de reconhecer, entre eles, que para as mulheres com melhores condições econômicas, as mulheres e filhas das elites, estas são as primeiras a fazerem o procedimento do aborto sem grandes riscos, nem o penal. Ou será que nenhuma filha, parente, conhecida dos pastores em questão, nunca tiveram que passar por isso? Será mesmo que nenhum destes pastores já não pagou caro pra que suas familiares não “sujarem” sua honra, engravidando de genros indesejados? Ou mais do que isso, já não obrigou estas mulheres a ter o filho, mesmo contra vontade arranjando casamentos forçados?

As pobres sim são as vítimas diretas desse massacre, da ausência de políticas publicas, de políticas de saúde para as mulheres. São as mulheres das periferias que acumulam seus corpos sem vida diante da opressão machista que tenta nos ajustar como objeto de controle. Violam toda a liberdade, a autonomia e a vontade da sujeita/o ser autora primeira sobre seu corpo, de ter direitos garantidos sobre sua vida. Mais uma vez a liberdade das mulheres passa a ser decidida por um grupo de meia dúzia e mais alguns engravatados, que falam em nosso nome.

A luta das mulheres precisa ganhar as ruas mais uma vez, fazer o que historicamente nos tocou fazer, lutar. Lutar porque são nossas filhas, netas, irmãs, mães, primas, sobrinhas, tias, vizinhas, amigas, nós mulheres que vamos pagar com vidas pelo discurso criminalizador do nosso corpo. Nenhum Estado ou governo, pode decidir em nosso nome, somos nós que sofremos a dor da perta de nossas familiares, somos nós que carregamos os traumas de uma gravidez indesejada, somos nós mulheres que cultivamos um luto sozinhas, arriscando a vida porque nosso corpo e somente ele, tem funções que ganham as mais severas punições, o dos homens não.

Nenhuma gravata vai decidir por nós! Ampliar a luta contra a PEC 181 e toda a onda machista, homofóbica e conservadora sobre o país.

Nós mulheres anarquistas nos colocamos do lado de todo movimento feminista classista que vai sair as ruas para lutar contra este terrível retrocesso sobre nossas vidas e, nossas demandas históricas de direitos e liberdade.

Acreditamos que é importante comprometer todos os movimentos populares, nossas frentes de luta a estarem em solidariedade as nós mulheres. É hora de lutar contra o ajuste político-econômico, assim como contra o ajuste do corpo da mulher. Que o protagonismo seja das mulheres de baixo, porque são elas, nós, que pagamos o preço de uma cultura ódio contra a pobreza e o direito de decidir sobre nossas vidas.

Não se ajusta a mulher que peleia! Nenhuma a menos! Nós decidimos!

 

out 222017
 

AS MULHERES NA REVOLUÇÃO RUSSA: MEMÓRIA E RESISTÊNCIA NO CENTENÁRIO

Cem anos nos separaram da convulsão social que deu origem à Revolução Russa. Seus efeitos foram sentidos em todo o globo e influenciaram diversos outros processos revolucionários com suas ideias. No Brasil, a Greve Geral de 1917 teve profunda influência da Revolução Russa, com a atuação predominante de anarquistas. A influência também se deu em relação ao método, a partir do que alguns chamaram de “Soviete do Rio”, que foi uma tentativa de insurreição anarquista no Rio de Janeiro, reproduzindo aqui o que fora a “tomada do palácio de inverno”.

Com o passar dos anos, ficou claro que a Revolução estaria hegemonizada pelos bolchevistas, mas sabemos que o desenvolvimento do processo revolucionário, bem como o início da construção de uma nova sociedade naquele momento histórico, teve a participação de anarquistas: nos sovietes, nos exércitos e na imprensa revolucionária. O desenvolvimento da Revolução não estava dado a priori e vários projetos revolucionários foram envolvidos e disputados na luta contra o capitalismo e o czarismo.

A maior força anarquista se concentrou na organização dos sovietes, que eram órgãos de união e coordenação das lutas operárias em escala local, inicialmente autônomos, e na Maknovitchina, na Ucrânia, com organizações populares, assentamentos de camponesas e camponeses e um exército organizado por Makno.

Sem dúvidas, quando pesquisamos sobre anarquistas se organizando na Revolução Russa, as fontes nos levam a uma história protagonizada por homens, fruto da supremacia masculina. Não se trata de negar a importância dos companheiros para o processo revolucionário, mas urge tirar do silenciamento a história e o papel das mulheres-militantes na Revolução.

Lançando um olhar mais atento e feminista para a Revolução Russa, enxergamos a presença e o envolvimento das mulheres em várias pautas: patriarcado, equiparação de salários, violências machistas, relações afetivas, matrimônio, maternidade, saúde da mulher, descriminalização do aborto etc.

Além disso, as mulheres da Revolução Russa desafiam concepções constantes nas organizações políticas da esquerda: que mulheres militam, pesquisam e produzem apenas sobre questões de gênero. Aqui, vemos mulheres anarquistas discutindo, planejando e marcando posições políticas em diversas questões: sobre o triunfo da Revolução; a necessidade e a problematização das alianças; a organização dos sovietes; o enfrentamento ao bolchevismo; a luta armada na Maknovitchina; a necessidade de organização de anarquistas; a posição que anarquistas deveriam ter na Primeira Guerra Mundial etc.

Para essas mulheres, não existia um etapismo que secundarizava a luta pela emancipação da mulher. Não há também, para nós, a escolha entre a nossa emancipação e um projeto revolucionário “maior”. Nossa luta faz parte deste projeto revolucionário e para nós só há sentido em lutar pelo socialismo libertário se estivermos lutando pelo feminismo. E sabemos que devemos construir essa luta a partir do dualismo organizacional trazido a nós pelo especifismo: na organização política e nos movimentos sociais.

Queremos, com esse pequeno texto biográfico,saudar a memória e a resistência de nossas ancestrais: mulheres feministas e anarquistas que lutaram contra o capitalismo, o Estado e o patriarcado. Para isso, escolhemos cinco mulheres: Maria, Marie, Fania, Ida e Emma.

Saudações Feministas!

Saudações Anarquistas!

Construir Mulheres Fortes!

Construir um Povo Forte!

 

 

Maria Grigovena Nikiforova

Comandante Anarquista na Ucrânia

Maria GrigovenaNikiforova, ou Mariucha, como era conhecida, nasceu em Alexandrovsk, atual Zaporizhia, na Ucrânia, em 1885. Começou a trabalhar fora de casa aos 16 anos, passando por diversos e breves empregos, até encontrar trabalho em uma fábrica de bebidas, localizada em uma área da cidade que vivia as contradições sociais de um processo de industrialização recente.

A partir de seu trabalho e organização na fábrica, encontrou um grupo anarco-comunista com o qual passou a militar e onde esteve envolvida com saques para financiá-lo. Durante uma dessas atividades, foi presa pela polícia e acusada de assassinar um policial e participar de uma série de expropriações. Em 1908, foi condenada a morte, mas sua pena foi substituída por 20 anos de trabalho forçado, inicialmente cumpridos em São Petersburgo e depois na Sibéria, após ser banida. Na Sibéria, organizou rebeliões na prisão e conseguiu fugir para Japão e EUA, ajudada financeiramente por companheiros anarquistas.

Nos EUA, encontrou um grupo de anarquistas russos exilados e escreveu através de vários pseudônimos na imprensa libertária. Em 1913, instalou-se em Paris, onde teve contato com artistas, demonstrando interesse por pinturas e escrituras. Nesse período, uniu-se com o anarquista polonês WitoldBzhostek. Além disso, participou, em Londres, de uma conferência de anarco-comunistas russos exilados, sendo representante de uma das 26 delegações.

Em 1917, chegou em Paris a notícia do início da Revolução Russa e Mariucha seguiu para Petrogrado. Na Rússia, participou de reuniões em Kronstadt, instando os marinheiros a se rebelarem contra o governo provisório. Em julho de 1917, voltou à Ucrânia, onde, em Alexandrovsk, juntou-se a Nestor Makhno, para participar de uma manifestação em 29 de agosto de 1917.

Em setembro de 1917, Mariucha liderou soldados que cercaram o quartel-general do exército. Após o saque, ela determinou que os comandantes fossem executados e que as armas capturadas fossem enviadas ao exército Makhnovista, ocasião em que foi presa. No dia seguinte, foi convocada uma grande manifestação para sua liberdade, à qual Mariucha se referiu instando os trabalhadores a lutar por uma sociedade livre de toda autoridade.

Após a revolução de outubro, Mariucha se uniu ao Exército Negro, assumindo as unidades cossacas. Sua aliança com o exército Makhnovista lhe rendeu dois processos montados por pelos bolcheviques: um por insubordinação e outro por saques em 1918 e 1919.

Em ambos os julgamentos, contou com ajuda da amiga e feminista bolchevique Kollontai e do amigo bolchevique Antonov-Ovseenko, que havia conhecido em Paris. Mesmo assim, foi proibida de exercer qualquer cargo político ou comando por um ano. Voltando para Makhnovicthina, foi mantida como membro importante do exército, mas como Makhno não queria violar sua aliança com o Exército Vermelho, ele se recusou a lhe conceder qualquer posição de comando.

Com o ataque à Makhnovicthina pelos Exércitos Branco e Vermelho, a situação ficou insustentável. Diante de uma guerra em duas frentes, Maria e seu companheiro WitoldBzhostek organizaram um grupo de lutadores para combater o Exército Branco em Sebastopol, onde foram presos em 11 de agosto de 1919 e fuzilados.

Fontes: 

http://www.blackcatpress.ca/atamansha.html

http://www.katesharpleylibrary.net/t76jvf

Emma Goldman

A anarco-sindicalista mais perigosa dos EUA

Emma é certamente, no Brasil, a mais conhecida mulher anarquista que militou na Revolução Russa. Muito provavelmente devido à grande temporada que viveu nos EUA e à profunda influência no anarco-sindicalismo latino-americano, há muito material sobre Emma em espanhol e em português, o que facilita a pesquisa e a produção sobre essa grande mulher. Emma nasceu em Kaunas, na Lituânia, em 1869, e faleceu em Toronto, no Canadá, em 1940.

Embora Emma tenha nascido no Império Russo, ainda muito nova emigrou para os EUA, em 1885. Em Nova York, trabalhou em fábricas de costura, onde conheceu e começou a fazer parte de movimentos anarco-sindicalistas. Ficou conhecida por suas conferências que reuniam milhares de pessoas e por seus incontáveis ensaios publicados na imprensa anarquista local, mesmo com as inúmeras barreiras impostas pelo patriarcado e enfrentadas pelas mulheres-militantes para que pudessem se organizar e ter voz ativa nos sindicatos. Em 1906, fundou o jornal anarquista Mother Earth.

Seus textos tratavam sobre o anarquismo, os problemas sociais, o anarco-sindicalismo, a necessidade de organização e também sobre a luta, a vida e a emancipação das mulheres na militância e nos espaços domésticos. Emma tem o mérito de ter invadido os espaços privados dos relacionamentos sem pedir licença, sem acatar a tese de que o que ali acontecia deveria ser secundarizado em prol de um projeto revolucionário “maior”. Emma se preocupou em escrever e problematizar as mais sutis relações de violências machistas em espaços domésticos, de trabalho e de militância, atribuindo a libertação da mulher como elemento necessário para a libertação da humanidade.

Emma conheceu, nos EUA, Berkman, que também era anarquista e se veio a se tornar seu amante e companheiro pelo resto da vida. Em 1982, Berkman e Emma planejaram o assassinato do industrial Henry Clay Frick. Como resultado, Berkman foi condenado a 22 anos de cadeia.

Emma seguiu na construção da luta sindical por anos, sendo condenada por incentivar motins nos sindicatos, distribuir ilegalmente informações sobre métodos anticonceptivos e incentivar a não-filiação militar, o que ocasionou sua prisão por dois anos. Em 1918, o Governo dos EUA editou o segundo Ato de Exclusão Anarquista, deportando Emma junto com centenas de outros militantes para a Rússia.

Inicialmente simpatizante da Revolução Bolchevique, como havia publicado na imprensa anarquista estadunidense, Emma não demorou a expressar publicamente sua oposição à violência contra os sovietes e as organizações populares independentes. Há relatos de uma conversa entre Emma e Kollontai, feminista dirigente do partido bolchevique e comissária do povo para a Assistência Pública no primeiro Governo Revolucionário. Nessa conversa, Emma pediu à Kollontai para que interviesse contra a repressão e o governo bolchevique autoritário que estava esmagando a organização dos sovietes e silenciando anarquistas. Kollontai respondeu à Emma que “esquecesse” esses pequenos problemas e assumisse um cargo no Ministério da Saúde para trabalhar com as mulheres, o qual a anarquista recusou. Emma também conversou com Lênin, que considerou o autoritarismo do governo bolchevique uma medida necessária ao triunfo da revolução.

Em 1921, Emma e Berkman se retiraram da Rússia por não conseguirem desenvolver militância, pois eram constantemente vigiados pelo partido bolchevique. Saíram da Rússia e permaneceram no exílio, no qual Emma publicou suas experiências durante a Revolução, que se tornaram os livros Minha Desilusão com a Rússia (1923) e Minha Nova Desilusão com a Rússia (1924). Fora da Rússia, Emma se instalou inicialmente na Alemanha, passando também pela França. Mais tarde, instalou-se ainda em Londres. Em 1928, começou a escrever sua autobiografia, publicada posteriormente com o título Vivendo Minha Vida.

Na década de 1930, vários livros de Emma já estavam traduzidos para inúmeras línguas, tornando-se influência para diversos pensadores libertários e formando opiniões políticas anarquistas sobre a Rússia Soviética. Em 1934, o escritor chinês Ba Jin publicou seu livro The General, orConfessions – The OutcryofMy Soul, dedicando-o a Emma Goldman.

Em 1936, com quase 70 anos, Emma recebeu a notícia da Guerra Civil Espanhola e seguiu entusiasmada pra Espanha, onde foi recepcionada pela Confederação Nacional do Trabalho (CNT) e pela Federação Anarquista Ibérica (FAI), passando a colaborar na tradução do boletim informativo da CNT-FAI para o inglês e a escrever com frequência para o jornal A Espanha e o Mundo. Após deixar a Espanha, Emma passou a ser uma representante oficial da CNT-FAI em Londres. Emma faleceu em Toronto, no Canadá, em 1940.

Fontes:

http://www.nu-sol.org/artigos/ArtigosView.php?id=46

https://docviewer.yandex.com/?url=ya-disk-public:///X9QhTjLUmOuFgnFldQLbz+Wj/uyEc5o3QuOEJ7Vhns=&name=Mi%20mayor%20desilusión%20con%20Rusia.pdf&c=58d845decd71”c=58d-845decd71

http://www.anarquista.net/emma-goldman/

Ida Mett

Uma mulher na redação da Plataforma

Ida Gilman, mais conhecida pelo pseudônimo de Ida Mett, foi uma anarquista russa nascida em 20 de julho de 1901, em Smorgon (antigo Império Russo e atual Bielorússia). De família judia, seus pais eram comerciantes de tecido. Estudou medicina em Kharkov e em Moscou, cidade onde iniciou seu envolvimento com os círculos anarquistas e onde foi detida por realizar atividades subversivas e anti-soviéticas. Em 1924, viu-se obrigada a partir para o exílio, pouco antes de obter o diploma em medicina, a fim de evitar sua prisão. Sua fuga clandestina da Rússia bolchevique só foi possível graças à ajuda de contrabandistas judeus. Durante dois anos, viveu na Polônia na casa de parentes.

No outono de 1925, chegou a Paris via Berlim, onde manteve contatos com outros anarquistas russos emigrados como Volin, Archinof e Nicolas Lazarévitch, todos membros do grupo Vontade do Povo. Em Nicolás, Ida encontrou um companheiro nas ideias e na vida.

Em 1926, juntamente com Makhno, Archinov, Valevsky e Linsky, Ida participou da criação e redação da Plataforma Organizativa para uma União Geral de Anarquistas, documento assinado pelo Grupo DieloTruda (Causa Operária), título do órgão do Grupo de Anarquistas Russos no Estrangeiro, jornal no qual Ida Mett realizava tarefas editoriais. Ajudou também na correção das memórias de Nestor Makhno, em 1926 e 1927. Em 1928, Ida e Nicolas foram excluídos do Grupo DieloTruda, acusados de realizar ritos religiosos por terem ascendido um círio na cerimônia do funeral do pai de Ida, Meyer Gilman, como era de costume na comunidade judia.

Ida e Nicolás iniciaram, na França, Bélgica e Suíça, uma campanha de denúncia e informação sobre as condições de vida em que vivia a classe trabalhadora na Rússia. Até sua expulsão da França, em 25 de novembro de 1928, editaram o jornal La Libérationsyndicale.

Refugiados na Bélgica, Ida retomou seus estudos de medicina, obtendo licenciatura em 1930. Porém, nunca pôde exercer a profissão, nem na França nem na Bélgica. Nicolás, por sua vez, trabalhou dois anos como mineiro. Os dois frequentaram os círculos anarquistas, nos quais tornaram-se amigos de numerosos anarquistas espanhóis que estavam no exílio, entre eles Francisco Ascaso e Buenaventura Durruti, cujas teses da Plataforma e da experiência revolucionária ucraniana puderam ser conhecidas de primeira mão.

Logo após a proclamação da República na Espanha, em 1931, Ida entrou clandestinamente no país, onde participou de numerosos atos convida por Ascaso e Durruti. No ato de Primeiro de Maio, em um comício organizado pela CNT de Barcelona, Ida e Volin, representaram o movimento anarquista russo. Após o comício, uma manifestação acabou resultando num tiroteio na Plaza de la República, momento em que Ida teria demonstrado suas aptidões médicas tratando de um ferimento a bala que Ascaso recebera no braço.

Em novembro de 1931, Ida e Nicolás retornam à Bélgica, e, em 1932, nasceu seu filho Marc. Em 1933, fundaram, com Jean De Boë, o jornal Le Réveilsyndicaliste. Ida Mett trabalhou como farmacêutica e retomou seu ativismo anarquista. Após uma manifestação antibelicista em Bruxelas, Ida e Nicolás foram perseguidos pela justiça. Ida foi condenada por um tribunal a 15 dias de prisão e lhe foi imposta uma multa. Por causa da condenação, Ida perdeu seu trabalho e se viu sujeita a sérias dificuldades, que, apesar de tudo, não lhe impediram de solidarizar-se na campanha de apoio a Francesco Ghezzi, Victor Serge e os anti-stalinistas presos na URSS.

Em 1936, novamente instalada de forma ilegal na França, retoma sua vida junto a Nicolás, que acabava de sair da prisão. Ida, muito ativa no campo sindical, foi nomeada secretaria do Sindicato de Trabalhadores do Gás. Colaborou na revista La Révolutionprolétarienne, da qual havia sido correspondente na Bélgica durante vários anos. Ida também colaborou em Le Libertaire, publicando habitualmente artigos sobre os processos de Moscou. Em 28 de agosto de 1936, publicou um artigo intitulado “Stalin extermina a geração de Outubro”, no qual denunciava o caráter totalitário da vida imposta na Rússia pelo stalinismo. Em 11 de setembro de 1936, insistiu na denúncia do stalinismo, constatando sua influência contrarrevolucionaria na Guerra da Espanha, defendendo que os revolucionários espanhóis deveriam considerar os stalinistas como inimigos tão perigosos como os fascistas para o triunfo da causa revolucionária.

Ainda em 1938, teve início uma grave discrepância entre Ida e a redação de La Révolutionprolétarienne, referente ao anti-semitismo, – o que a fez deixar de publicar nessa revista. Em 8 de maio de 1940, Ida e Nicolás foram detidos e separados. Nicolás foi internado no duríssimo campo de concentração de Vernet. Ida foi internada, junto com seu filho Marc, de 8 anos, no campo de Rieucros (Lozère), do qual saiu em abril de 1941, graças a intervenções de Boris Souvarine, obtendo a residência vigiada em La GardeFreinet (departamento de Var). Em 1942, ambos puderam se instalar em Draguignan até a primavera de 1946.

Entre 1948 e 1951, Ida trabalhou como médica em um sanatório para crianças judias tuberculosas em Brunoy. Dos anos quarenta até sua morte, trabalhou como tradutora técnica na indústria química.

Na década de 1950, Ida formou parte da redação da prestigiosa revista Est-Ouest, que, em 1957, publicou dois números especiais sobre a Rússia e o stalinismo, nos quais Ida interveio destacadamente. O número 168, de fevereiro, intitulava-se Le Communismeeuropéendepuislamort de Staline, e o número 180, de outubro, apareceu sob o título Histoire et Bilan de laRévolutionsoviétique. Os artigos de Ida eram publicados sem assinatura ou sob o nome de Ida Lazarévitch.

Ida Mett morreu em Paris em 27 de junho de 1973. Os arquivos documentais de Ida foram depositados no Instituto Internacional de História Social (IISG) de Amsterdam. Ida é autora de inúmeras obras: Ausecours de Francesco Ghezzi, unprisonnier Du Guépéou (1930), La Comuna de Cronstadt: crepúsculo sangriento de lossoviets (1948), La médecineen URSS (1953), L’écolesoviétique: enseignementsprimaireetsecondaire (1954), Le paysanrussedanslarévolution et la post-révolution (1968), Souvenir sur Nestor Makhno (escrito em 1948 e editado postumamente em 1983).

Maria Isidorovna Goldsmith

Solidariedade russa no exílio

Maria Isidorovna Goldsmith nasceu em 19 de julho de 1871 na Rússia. Seu pai, Isidor, publicou Znanie, uma revisão de orientação positivista. De acordo com o historiador Max Nettlau, Isidor foi exilado para o norte por suas opiniões, primeiro para Pinega e mais tarde para Arkhangsk. Nettlau acredita que Isidorovna nasceu em um desses lugares de exílio do seu pai. Sua mãe, Sofia Ivanova Goldsmith, era uma seguidora do escritor socialista-revolucionário Labrov. O pai de Goldsmith morreu quando ela ainda era jovem. Assim como sua mãe, Maria interessava-se por política e ciência natural, o que serviu de base para terem um relacionamento próximo e durante toda a vida. Em 1888, as duas deixaram a Rússia e se estabeleceram em Zurique, na Suíça.

Em 1890, chegam à Paris. Goldsmith ingressou na vida política pelos passos trilhados por sua mãe. Como a mãe, ela se tornou membro dos Estudantes Revolucionários Socialistas Internacionais (um ramo dos Socialistas Revolucionários russos no exílio) em junho de 1892, estando sempre ativa na edição de panfletos.

Sua presença era constante em círculos de exilados russos e, a partir desse contato, tornou-se anarquista. No entanto, mantinha relações com SocialistasRevolucionários, para quem continuou a editar panfletos por um tempo, apesar das divergências políticas. Aos poucos, Goldsmith diminuiu seus compromissos com Socialistas Revolucionários e se tornou cada vez mais ativa entre os anarquistas, sobretudo no círculo de anarquista exilado em Paris.

Em 1897, Goldsmith começou a se corresponder com Peter Kropotkin, uma troca de cartas que deveria continuar pelo menos até 1917. Há um problema para análise deste contato, pois apenas as cartas recebidas por Goldsmith foram preservadas. Em seu exílio na Inglaterra, Kropotkin estava em um estado, talvez justificável, de excesso de precaução. Por isso, ele queimou todas as suas correspondências. Assim, temos apenas suas cartas para Goldsmith para análise. Para agravar ainda mais a situação, a maior parte delas foram escritas em russo e apenas algumas são em francês. As letras russas ainda aguardam tradução. Goldsmith realmente se tornou a maior correspondente de Kropotkin com cerca de 400 peças preservadas na coleção Nicolaevsky em Paris. Como tal, ela foi uma das principais influências sobre o pensamento posterior de Kropotkin, ainda que ela tenha discordado dele em certos pontos. Ela era, na verdade, o principal correspondente político na vida de Kropotkin no exílio. O número de suas cartas para ela só é ultrapassado pelo número de correspondências de Kropotkin para seu irmão, como Martin A. Miller, um dos mais respeitáveis biógrafos de Kropotkin, diz em suas notas para sua biografia. A coleção de cartas entre Goldsmith e Kropotkin contém seis volumes.

Goldsmith tornou-se a figura principal entre os exilados russos em Paris, e as reuniões de grupo anarquista aconteciam em seu apartamento. Foi durante este período que ela adotou o pseudônimo ‘Maria Korn’. Goldsmith também começou uma produção prolífica para a imprensa libertária, escrevendo em russo, francês, inglês e italiano para publicações em toda a Europa e América do Norte. Ela também conheceu outra recém-chegada, Emma Goldman, quando esta estava na Europa entre 1895 e 1896, em uma turnê para a campanha para a libertação de Alexander Berkman da prisão. Goldman se encontrou com outros anarquistas parisienses na casa de Goldsmith.

Goldsmith também foi proeminente em círculos anarquistas não-russos, embora seu foco principal estivesse no movimento russo. Na conferência de Londres de 1906 com anarquistas russos no exílio, ela foi autora de nada menos do que três dos relatórios, “no assunto da política e da economia, na organização e na greve geral”. Em 1914, foi uma das oradoras em Paris no aniversário da morte de Bakunin. Também ajudou a organizar reuniões sobre as comemorações da Comuna de Paris e dos mártires de Haymarket. Entretanto, sua principal contribuição foi como um dos fundadores e um dos principais escritores do jornal de língua russa Khleb i Volia (Pão e Liberdade), publicado em Genebra de agosto de 1903 a novembro de 1905 e contrabandeado para a Rússia. Sob a influência da recentemente bem sucedida CGT francesa, ela promoveu as idéias de anarco-sindicalismo em seus escritos. Seus escritos sobre este assunto foram, maistarde, produzidos como o panfleto “Sindicalismo Revolucionário e Anarquismo” em Moscou/Petrogrado em 1920.

Publicou também na imprensa libertária, incluindo a La Libre Fédération (Lausanne, 1915-1919), LesTemps nouveaux (Paris, 1919- 1921) e Plus Loin (Paris, 1925-1939).

Goldsmith estudou biologia na Universidade de Paris em Sorbonne. Em 1894, obteve seu diploma de graduação e mais tarde seu mestrado. Ela trabalhou nesta instituição por muitos anos em associação com seu colega biólogo Yves Delage. Goldsmith teve uma carreira científica longa e distinta, tanto como associada de Delage, como por conta própria. Publicou pelo menos dez livros no campo da Biologia. Ela também foi editora de ‘L’annéebiologique’ de 1902 a 1924. No entanto, teve que lutar nos últimos anos de sua vida para encontrar emprego científico. Trabalhou sob a duplo fardo de ser mulher e de ser indubitavelmente conhecida por seus pontos de vista anarquista, apesar de seu uso de pseudônimos. Goldsmith suicidou-se 11 de janeiro de 1933.

Fontes:

https://libcom.org/history/goldsmith-marie-her-life-thought

Fania Kaplan

A anarquista russa que atirou em Lênin

“Meu nome é Fania Kaplan. Hoje atirei em Lenin. O fiz com meus próprios meios. Não direi quem me proporcionou a arma. Não darei nenhum detalhe. Tomei a decisão de matar Lênin há muito tempo. O considero um traidor da revolução.” Fania Kaplan Fania Efimovna Kaplan nasceu em 18 de fevereiro de 1890, em um povoado da região de VolynskayaGuvernia (hoje uma região próxima a Kovel, no oeste da Ucrânia), uma de oito irmãos de uma família religiosa judia. Nasceu em uma cultura que conseguiu se aproximar de uma vivência da liberdade a partir da morte de grandes tiranos, algo que veio a influenciar seus atos enquanto militante.

Durante a Revolução de 1905, aproximou-se do anarquismo e participou de grupos organizados em Kiev e Odessa. Neste lugar, encontrou pela primeira vez “as/os clandestinas/os”. Em 1905, incluiu-se no grupo “anarquista-comunista do sul” e participou em ações armadas. No grupo, assumiu o nome de “Dora”.

Dora Kaplan, em ações diretas contra o czarismo russo, perdeu parcialmente a visão em uma explosão. Foi condenada à morte pelo juizado militar de Kiev, mas, como ainda era menor de idade (e provavelmente por ser mulher), sua pena foi trocada para prisão perpétua em Katorga, na Sibéria. Em 1907, chega à Sibéria praticamente cega e com mãos e pés acorrentados por sua “tendência a fugir”. Além de quase cega e parcialmente surda, sofria fortes dores e entrou em depressão. Recebeu tratamento em um hospital e depois voltou a outro cárcere em Katorga.

Ali, em 1911, encontrou à celebre terrorista MaríaSpiridonovna e, segundo a versão soviética, sob sua influência, afastou-se do anarquismo em função das ideias dos SRs (socialistas revolucionários). Mas, na verdade, até a sua morte, Fania continuou sendo anarquista. Em 1917, Fania foi liberada depois da Revolução de Fevereiro. Em seguida, viveu um tempo em Chita e depois foi para Moscou com outra companheira “SR”.

Em Jarkov, finalmente operada da vista, começou a trabalhar organizando cursos para operárias/os, instruindo-as/os sobre como organizar assembleias autônomas locais. Com a Revolução de Outubro, o crescente poder Bolchevique esmagou as assembléias locais em sua fúria centralista. Nesse momento, Fania soube o que queria: a auto-organização anarquista.

Os bolcheviques, à época, em sua loucura pelo centralismo do poder, já haviam condenado qualquer opositor de suas ideias a “reacionários”, “pequeno-burgueses” e “inimigos”, criando mecanismos sanguinolentos de repressão como o ataque armado e os campos de concentração para inimigos políticos. Fania Kaplan passou para a história soviética como uma terrorista SR e não como uma anarquista.

Em 13 de agosto de 1918, em uma ocasião em que Lênin se apresentaria publicamente em meio a trabalhadoras/es, às 22:30, no pá- tio da fábrica, no momento em que ele se encaminhava para entrar em seu carro, Fania gritou seu nome. Quando Lênin virou, ela disparou três tiros contra ele. Errou um, os outros dois atingiram o ombro e o pulmão esquerdo. Fugiu rapidamente, mas foi capturada por operários na rua ao lado. Lênin nunca se recuperaria totalmente. Fania declarou, com orgulho, o seu intento e disse que o planejava desde fevereiro, quando, em sua opinião, as ideias socialistas recrudesceram décadas com ações bolcheviques. Considerava Lênin um traidor.

A maior surpresa para os seguidores de Lênin foi a declaração de Fania de que havia pensado e preparado tudo por conta própria, sem a cooperação de nenhum partido ou grupo. O assunto se converteu em algo muito incômodo para o poder bolchevique e, em 3 de setembro de 1918, depois de seu contínuo rechaço em colaborar com os investigadores, Fania foi fuzilada no pátio de Kremlin, sem nenhum julgamento.

Todas/os as/os SRs foram exterminadas/os, assim como toda oposição ao autoritarismo. Em 1921, quando Gastón Leval se encontrava na Rússia para entrevistar Lênin, este lhe disse que as/os anarquistas russas/os não eram como os do ocidente, pois eram traidores e contra-revolucionárias/os. Neste mesmo ano, multiplicaram-se os campos de concentração para inimigos políticos.

Fania não só foi um exemplo vivo da teoria e da prática convergidas em uma só fórmula, mas foi o rosto visível que se opôs com palavras e atos ao domínio, independentemente de que cor esse fosse. É importante resgatar a sua memória tanto para uma radicalização do discurso antiautoritário quanto para a negação de qualquer tipo de governo ou Estado. Fania Kaplan, a anarquista que baleou Lênin, é uma experiência inspiradora para pensarmos em nossa própria libertação enquanto mulheres.

Fonte:

ttps://contramadriz.espivblogs.net/files/2017/01/Fania-Kaplan.pdf