mar 152022
 

Há mais de um século, em 8 de março de 1917, as trabalhadoras em São Petersburgo (Rússia) entraram em greve e se manifestaram pelo pão e pela paz, lançando assim um movimento revolucionário histórico. Foi nessa época que o 8 de Março, como dia de luta pelos direitos e liberdades da mulher, começou a ser comemorado.

Assim, no ano de 2022, as mulheres e as dissidências ainda são uma das partes mais oprimidas da sociedade. Este é e tem sido o caso no trabalho, em casa, na crise sanitária ou em situações de guerra. É por isso que nossa revolta poderia derrubar estados, capitalismo, dominação patriarcal e racista.

Dupla exploração: salarial e doméstica

O duplo dia de trabalho é a realidade da grande maioria das mulheres no mundo. Ou seja, quando terminamos de trabalhar para nossos chefes, vamos para casa e muitas vezes temos que fazer todo o trabalho doméstico e de cuidado, ou a chamada “re-produção de força de trabalho” que é necessária para os capitalistas. É claro que, como qualquer trabalho invisível, ele não traz nenhuma compensação econômica. Esta é a única maneira que este sistema pode sobreviver, e é somente através de fortes mandatos ideológicos que ele pode ser sustentado.

Por outro lado, no campo do trabalho assalariado, os empregos que são ocupados principalmente por mulheres tendem a reproduzir um padrão semelhante. Não são reconhecidos nem visíveis. Pelo contrário, são desvalorizados e precários. Mas também são indispensáveis, como a crise sanitária revelou profundamente: com caixas de supermercado, cuidadores, limpadores. Todo o sistema entraria em colapso sem o trabalho remunerado e não remunerado das mulheres.

E ainda assim, durante muito tempo, o movimento trabalhista não conseguiu organizar setores femininos, argumentando a falta de combatividade no setor de serviços. Esse setor têm sido apresentado como não estratégicos na produção. Temos sido apontadas como sujeitos com pouca capacidade para assumir responsabilidades políticas ou sindicais, ou tem sido argumentado que nosso temperamento não é adequado a este papel. Muitos pretextos persistem até hoje por não questionar a cultura patriarcal sobre a qual o movimento trabalhista tem sido historicamente construído, o que tem relegado mulheres e dissidências à categoria de subordinados ou pior.

Entretanto, cavando um pouco mais fundo, a história é rica em numerosas greves vitoriosas e na combatividade feminina. Sempre nos levantamos contra a superexploração resultante da aliança do patriarcado e do capitalismo.

O aumento dos salários das mulheres, o reconhecimento de nossas qualificações, a melhoria de nossas condições de trabalho e a luta contra a violência de gênero e sexual no trabalho são questões que o sindicalismo revolucionário deve assumir o mais rápido possível. Da mesma forma que a revalorização e a socialização das tarefas de cuidado é fundamental. Isto é uma necessidade, não apenas para aqueles que estão na base, mas também para a perspectiva de mudança social radical que todas as trabalhadoras carregam em nossos corações e em nossas lutas.

A greve feminista é uma das ferramentas à nossa disposição para acelerar esta transformação indispensável e a queda final da aliança criminosa do patriarcado e do capitalismo. A greve feminista não é apenas uma chamada dentro do trabalho assalariado: ela também pode exigir uma greve sobre o consumo e o trabalho de cuidado, o que significa não fazer compras, não fazer tarefas domésticas, não cuidar de crianças, etc.

Os Estados e setores reacionários fazem guerra contra as mulheres

O patriarcado é a exploração material, simbólica e econômica das mulheres e dissidentes. Mas é também a apropriação de nossos corpos e nossa subjetividade (nossos desejos, anseios, projetos, ideias) através da violência em todas as suas formas, ou a limitação de nossos direitos.

Neste ano de 2022, a comemoração do 8 de março ocorre em um contexto internacional no qual estão acontecendo guerras em grande escala. Assim, setores ultra-reacionários e misóginos detêm o aparelho estatal e estão na ofensiva, como no Afeganistão, mas também na Polônia, ou em vários outros estados. A violência de gênero e sexual é ainda mais numerosa nessas situações específicas e as mulheres estão sempre na linha de frente da política de terror, de estupro sistemático e de manter as mulheres no covil dos opressores.

Além disso, em 2022, as mulheres ainda não têm plenos direitos sobre nossos próprios corpos em muitos países. Onde existe formalmente, o acesso ao aborto e outros contraceptivos é desafiado por movimentos de extrema-direita ou políticas de austeridade.

Por trás desses obstáculos e relutância está a ideia de que não somos realmente seres responsáveis.

É por isso que o acesso ao aborto é um direito indispensável e transformador. É o momento mais óbvio quando uma mulher escolhe livremente a si mesma antes de qualquer outra coisa. As mulheres estão fazendo uma escolha livre quando fazem um aborto. É por isso que a luta pelo aborto é fundamental para a emancipação da mulher: o aborto deve ser livre e acessível, em todos os lugares, o tempo todo!

Organizar-se e lutar contra o patriarcado, o capitalismo, o Estado e os reacionários

Hoje, em mais de 50 países, mulheres e dissidentes estão participando do movimento de greve internacional em 8 de março. O movimento feminista na Argentina contribuiu de forma decisiva para sua renovação em 2017. Elas nos disseram então: “As mulheres do mundo estão se organizando em um confronto e em um grito comum: a Greve Internacional da Mulher. Nós paramos. Nós atacamos. Colocamos em prática o mundo em que queremos viver”.

Nossas organizações abraçam a luta pela emancipação das mulheres e dissidências e incentivam cada uma de nossas companheiras a fortalecer a luta de classes, investindo e tomando seu lugar em todas as organizações sociais (sindicatos, estudantes, organizações comunitárias, etc.) e políticas populares.

A greve feminista de 8 de março é uma das ferramentas que propomos e defendemos nesta luta contra a opressão das mulheres e, com elas, de todos os oprimidos do mundo. Uma instância construída a partir das bases em cada uma de nossas organizações sindicais e sociais, destacando o protagonismo, a força e o compromisso daqueles de nós que lutam todos os dias pela revolução social. Superar as tentativas de institucionalização de governos que procuram moderar, compensar e, assim, dar um caráter reformista à nossa luta.

Contra a cultura do estupro e do feminicídio.
Contra a dupla exploração das mulheres trabalhadoras.
Contra o patriarcado, os Estados e o ca
pitalismo.

Viva a luta das que vêm de baixo. 8 de março: Dia de resistência e luta

☆ Alternativa Libertária (AL/FdCA) – Itália
☆ Αναρχική Ομοσπονδία (Federação Anarquista) – Grécia
☆ Movimento de Solidariedade do Trabalhadores de Aotearoa (AWSM) – Aotearoa/Nova Zelândia
☆ Coordenação Anarquista Latinoamericana (Coordenação Anarquista Brasileira – CAB, Federação Anarquista de Rosário – FAR, Federação Anarquista do Uruguai – FAU) – América Latina
☆ Embat, Organização Libertária de Catalunya – Catalunha
☆ Federação Anarquista de Santiago (FAS) – Chile
☆ Grupo Libertário Vía Libre – Colômbia
☆ Libertäre Aktion (LA) – Suíça
☆ Grupo Anarquista Comunista de Melbourne (MACG) – Austrália
☆ Organização Anaquista de Córdoba (OAC) – Argentina
☆ Organização Anarquista de Santa Cruz (OASC) – Argentina
☆ Organização Anarquista de Tucuman (OAT) – Argentina
☆ Organização Socialista Libertária (OSL) – Suíça
☆ Roja y Negra – Organização Política Anarquista – Argentina
☆ União Comunista Libertária (UCL) – França, Bélgica & Suíça

fev 022022
 

Manifestamos nosso pesar e solidariedade à comunidade congolesa e à família de Moïse Mugenyi Kabagambe, que foi brutalmente assassinado em um quiosque na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, há cerca de uma semana. O jovem congolês de 24 anos foi espancado até a morte por pelo menos três pessoas. De acordo com a família, ele teria ido ao local para cobrar 200 reais, que o quiosque devia a ele por dois dias trabalhados.

O episódio escancara como o racismo e a xenofobia matam, e são utilizados pelos de cima para manterem o sistema de dominação. Moïse era um negro africano e trabalhador precarizado, e foi ao local somente para receber o que o patrão lhe devia. Como resposta recebeu a brutalidade, e mesmo depois da morte foi violentado pelo Estado, sendo declarado como indigente pelo IML.

O jovem morava há dez anos no Brasil, e veio com a família em busca de uma vida digna, fugindo dos conflitos armados na República Democrática do Congo, que em 20 anos deixaram mais de 6 milhões de mortos e desaparecidos. No Brasil, como milhares de imigrantes negros africanos, foi obrigado a se submeter a trabalhos precários, ao racismo e à xenofobia. As palavras da mãe de Moïse, Ivana Lay, dolorosamente resumem o que a família enfrentou: “Eu fugi do Congo para que eles não nos matassem. No entanto, eles mataram o meu filho aqui como matam em meu país.”

A morte de Moïse é também um reflexo de nossa abolição incompleta, que lançou à própria sorte o povo negro, liberto mas sem terra nem trabalho. Passado mais de um século, os negros somam 77% das vítimas de assassinatos no país, seguno o Atlas da Violência. O Estado e o Capital perpetuam o genocídio, e pouco fazem para transformar de fato essa realidade, além de algumas medidas superficiais.

Neste sábado, dia 05, entidades de imigrantes e do movimento negro farão manifestações em algumas cidades do país para denunciar o assassinato racista e xenofóbico. Um primeiro passo do movimento popular para que esse crime brutal não seja ignorado. Em nossos espaços de militância, defendemos e atuamos na autoorganização das e dos de baixo para fazer frente à violência racista das classes dominantes. Para isso é necessário o trabalho cotidiano nos diversos movimentos, na construção de uma Frente de Classes Oprimidas que possa destruir o sistema de dominação e construir o Socialismo Libertário, sem fronteiras!

LUTO E LUTA POR MOÏSE!
PELO PODER POPULAR!

Coordenação Anarquista Brasileira
Fevereiro de 2022

jan 202022
 

Publicado na revista Socialismo Libertário nº 4, set. 2020. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

O capitalismo mundial globalizado tal-qual se desenvolve hoje, e no qual nos localizamos em sua ‘periferia’, a América, é um produto da colonização. Entre as ciências humanas fundamenta-se a crítica, via estudos pós-coloniais e decoloniais, acerca da colonialidade do poder. Um dos pilares da colonização foi estabelecer a classificação social das pessoas através da lógica racial. [Quijano, “Colonialidade do Poder, Eurocentrismo e América Latina”] A dominação colonial inaugura o racismo e dele se serve para justificar sua dominação, ou seja, a exploração e extinção de determinados povos em detrimento de outro. Porém este eixo perpetuou-se ao longo dos anos e segue presente no padrão de dominação mundial contemporâneo. Portanto, a ideia de raça nasceu de um contexto específico (brancos classificando os “negros” e “índios” como tais), e a partir dos desdobramentos históricos se configurou como um dos eixos centrais do capitalismo, um elemento estrutural da sociedade.

O racismo é um termo amplo que abarca inúmeras violências de ocorrências distintas que se combinam em diversos contextos. A diferença racial, como mencionamos, tornou-se desigualdade em um longo processo histórico. O racismo ao desenvolver-se abertamente só pode resultar em genocídio. O genocídio é um processo histórico violento, portanto é um termo que carrega enorme peso. Quando se fala em genocídio, fala-se do processo sistemático de extermínio de um grupo específico.

O embranquecimento como estratégia do genocídio ocorre por dentro e por fora. O mito construído em torno da “democracia racial” brasileira que elogiava a miscigenação, mascara as reais intenções da política instituída até o governo Vargas: fazer com que a população de negros diminuísse à medida que aumentasse a porcentagem de mestiços, facilitando a imigração europeia com o objetivo de embranquecer a população. [Abdias, “O Genocídio do Negro Brasileiro”]

A violência cotidiana é a expressão máxima de um racismo instituído, mas além de sua manifestação física, fúnebre e sangrenta ela está também manifesta na cultura. Abdias Nascimento levanta também como uma das estratégias do genocídio o embranquecimento cultural dos negros, historicamente presente desde a catequização forçada até a proibição das expressões religiosas e culturais que traziam de suas regiões africanas, até a demonização de suas entidades cultuadas.

A antropologia traz um termo de distinção dessas redes que compõem o racismo, a ideia do etnocídio. Enquanto o genocídio visa eliminar as diferenças o etnocentrismo busca convertê-las. Logo, se o termo genocídio remete a questão racial, e a vontade exterminar por completo um grupo étnico-racial, o termo etnocídio não faz a referência para a destruição física dos homens, como o genocídio, e sim para a destruição de sua cultura. O etnocídio caracteriza a destruição sistemática de modos de vida e de pensamento de pessoas diferentes daquelas que conduzem a empresa da destruição. A construção do Outro passa a representar uma diferença negativa, uma diferença a ser convertida para o seu bem. Esse argumento está presente mesmo hoje nos discursos que pretendem justificar a retirada de terras indígenas, por exemplo. O genocídio assassina os povos em seus corpos e o etnocídio os mata em seu espírito. Porém, o que diferencia a dominação étnico-racial promovida pela Europa dos demais conflitos históricos? É que estas questões se combinam ao modelo econômico de produção que se fortaleceu e desenvolveu ao redor do mundo.

O que contém a civilização ocidental, que a torna infinitamente mais etnocida que qualquer outra forma de sociedade? É o seu regime de produção econômica, o capitalismo enquanto sistema socioeconômico para o qual tudo é recurso a ser utilizado, tudo é mercadoria, quer seja ele liberal ou privado, como na Europa do Oeste, ou dominado pelo Estado, como na Europa do Leste. A sociedade industrial é a mais formidável máquina de produção, e é também a mais assustadora máquina de destruição. Raças, sociedades, espaços, indivíduos, natureza, subsolo: tudo deve ser útil, tudo deve ser utilizado, tudo deve ser produtivo, de uma produtividade levada ao máximo de intensidade. O que não é produtivo deve ser exterminado, não tem nenhum valor. [Clastres, “A Arqueologia da Violência”]

Assim, a Europa tornou-se o patamar a ser atingido, ela elevou sua própria moral ao máximo e tornou-se o padrão ao que se compara todas as sociedades, se autodenominou como civilização. Toda a contribuição acadêmica, das ciências sociais e humanas, para questionar o eurocentrismo, que constitui parte importante da organização social mundial, é forjada a partir dos próprios reflexos dessa estrutura e os respectivos processos de luta contra o colonialismo e neocolonialismo. E mesmo as grandiosas histórias de resistência dos povos foram ocultadas. Em qual livro escolar é possível ler sobre a bravura da nação zulu contra os ingleses? Sobre a resistência de séculos dos mapuche ou a vitória do Haiti sobre os franceses? Ou mesmo de seu papel central nas revoltas brasileiras? Tudo que lemos, mesmo quando o assunto é rebelar-se, centra a Europa. Os povos não ocidentais vivenciaram o apagamento de suas raízes, foram retirados de sua história e rebaixados à selvagens, tamanha é a violência filosófica sofrida pelos povos da América e África.

"Um Jantar Brasileiro" - Jean-Baptiste Debret
“Um Jantar Brasileiro” – Jean-Baptiste Debret

Pensando no Brasil hoje, ao analisar as estatísticas em relação ao povo negro nas diversas áreas de estudo, sejam econômicas, sociais, saúde, moradia etc., percebe-se nitidamente que a parcela negra da população (considerada pelo Censo como a soma das pessoas autodeclaradas negras e pardas) sofre com as mazelas em números assustadoramente desproporcionais em relação à composição racial do país. O genocídio fica ainda mais escancarado quando se analisa as políticas públicas que foram e são implementadas voltadas à população negra. São aquelas que inexistem ou em sua maioria são ineficientes em reparar os séculos de prejuízo causados pela escravização. O pós abolição lançou a própria sorte a população negra, que não encontrava trabalho e nem podia praticar sua cultura.

Considerando que a população brasileira é formada por 55% de pessoas negras segundo números de 2016, é importante ressaltar que quando se fala em pobreza ou miséria no Brasil, fala-se do povo negro, já que 76% das pessoas empobrecidas, segundo dados do IBGE de 2014, são negras. Se não se entende que a cor das pessoas marginalizadas está diretamente ligada ao fato delas serem marginalizadas, o foco das análises e ações se perde e seus resultados podem não ser os esperados. O genocídio do povo negro foi construído sobre as políticas públicas de exclusão, barrando o acesso das pessoas negras à terra e ao mercado de trabalho, por exemplo.

Se a pobreza e a miséria brasileiras têm cor, quando se fala de projetos como a Reforma Trabalhista e a Lei da Terceirização, por exemplo, apesar de afetar a população como um todo, o principal alvo são as pessoas negras que ocupam em maior parte os empregos precários. Também é o caso da reforma da previdência. Segundo dados de 2010, a expectativa de vida média no Brasil é de 72 anos, mas se fizermos um corte racial, os números ficam: homem branco 69 anos, mulheres brancas 71 anos, homens negros 62 anos e mulheres negras 66 anos. Se considerarmos a idade mínima de 65 anos para se aposentar do projeto de reforma, o povo negro vai morrer trabalhando.

Segundo dados do Atlas da Violência de 2017 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a cada 100 pessoas assassinadas no país, 71 são negras. Segundo o relatório, as pessoas negras possuem 23,5 mais chances de serem assassinadas do que não-negras, já descontando efeitos como idade, moradia, escolaridade e sexo. A CPI do Senado sobre o Assassinato de Jovens de 2016 revelou que um jovem negro é assassinado a cada 23 minutos no Brasil.

O Atlas da Violência de 2018 retrata ainda que nos últimos dez anos, os números de assassinato caíram 8% entre as mulheres brancas e aumentaram 15,4% entre as negras. Mulheres negras encontram uma série de dificuldades em sua participação no movimento feminista por conta de suas especificidades e demandas acabarem historicamente invisibilizadas ou em segundo plano. Por isso é necessário alinhar, não somente classe e gênero, como também raça para uma militância responsável por parte de todas(os) as(os) revolucionárias(os). Porém, é preciso fazer aqui uma distinção. Enquanto grande parte daquelas que reivindicam o feminismo interseccional recaem em discursos típicos da socialdemocracia, não acreditamos no debate de opressões enquanto luta contra “privilégios”, nem cremos no “empoderamento” individual, e sim que estes eixos fazem parte da forma como se estrutura a sociedade. O único empoderamento possível é construir o poder negro real, coletivo, no seio do movimento social em conjunto dos setores oprimidos: negros e negras, povos da floresta, camponeses, mulheres e trabalhadores em geral.

Todos os dados citados são evidências numéricas da dor real do povo negro. Dor institucionalizada e executada pelo Estado. No Rio de Janeiro, onde hoje ocorre a guerra declarada a partir da intervenção militar, encontramos dados ainda mais absurdos e que evidenciam o papel ativo da polícia militar no extermínio da população negra. É o relativo aos autos de resistência, que hoje são chamados nos relatórios policiais de “homicídios decorrentes de oposição à intervenção policial”. Dados de 2017 indicaram que 9 em cada 10 pessoas mortas pela polícia no estado foram identificadas como negras. Somente em junho de 2018, houve 155 mortes decorrentes de operações policiais, um aumento de 59,8% em relação a junho do ano passado. Como se não fosse o bastante, um estudo de 2005 indicou que 99,2% dos casos de autos de resistência foram arquivados ou nunca chegaram à fase de denúncia.

A lista de casos de mortes envolvendo violência policial em favelas no Rio de Janeiro que chocaram o país é imensa. Como os jovens do Morro da Providência que foram entregues ao tráfico por policiais em 2008, Jonathan de 19 anos de Manguinhos em 2014, DG de 26 anos do Pavão- -Pavãozinho em 2014, Amarildo da Rocinha em 2013, Cláudia de 38 anos arrastada pelas ruas de Madureira por uma viatura da PM em 2014, Eduardo de 10 anos do Alemão em 2015, Matheus de 19 anos morto na Rocinha, os 5 jovens de Costa Barros mortos com 111 tiros em 2015, Andreu do Cantagalo espancado até a morte numa unidade do Degase em 2008, Eduarda de 13 anos morta dentro de uma escola em Acari em 2017, a lista é interminável…

Também vemos o aval do Estado em relação às mortes que correm entre os indígenas, que até hoje estão em luta pelo seu território contra aqueles que hoje dominam a máquina estatal, os latifundiários e sua corja assassina da bancada ruralista. As mortes pelas mãos da milícia não acontecem apenas no contexto urbano, elas estão presentes também no campo e na floresta. O medo crescente pelo fortalecimento da extrema-direita brasileira nas eleições de 2018 trouxe a ilusão de que reafirmar candidaturas dos que financiam milícias fora de contexto urbano, por exemplo, pudesse expressar em uma visão dita “pragmática”, uma forma de frear as forças fascistoides. Ilusões vendidas que não acumulam em nada para real derrota do reacionarismo em voga. Assim o genocídio segue sua marcha fúnebre e tende a se aprofundar numa conjuntura em que o discurso de ódio ganha terreno. Igual é a ilusão dos candidatos, com base social e muitas vezes até ditos revolucionários, de que podem amenizar o genocídio fazendo parte da empresa que o comanda.

Enquanto anarquistas da Coordenação Anarquista Brasileira, devemos fundamentar uma crítica racial ao Estado e ao capital. O anarquismo não tem outra chance a não ser descolonizar-se para enfrentar as lutas e construir uma alternativa real junto ao povo preto. O Estado-Nação e o capitalismo não se dissociam, e através deles não é possível a verdadeira transformação social, devemos destruí-los em todos seus eixos de dominação.

As condições dos descendentes de africanos escravizados e daqueles que sofreram sob o sistema colonial europeu é algo que tem sido ignorado pelos movimentos anarquistas majoritariamente brancos. Isto é um erro, tanto estratégico quanto político, que condenou o movimento anarquista a ser, muitas vezes, um projeto das classes médias brancas. Felizmente, os povos não-brancos autônomos que são simpáticos ao anarquismo têm falado e exigem serem ouvidos. África, Ásia e América Latina têm visto as pessoas não-brancas oprimidas saírem de seus “lugares” e exigirem autonomia: autonomia negra. [Kom’boa Ervin, “Nota à edição brasileira de ‘Anarquismo e Revolução Negra’”]

Nesse sentido não nos serve o etapismo economicista e eurocêntrico de Marx, uma vez que este traz noções distorcidas para a realidade dos países colonizados e acaba por colocar a questão racial como secundária em relação à questão de classe. Nem os pós-modernos, em moda na Europa, que reduzem a política ao nível individual e apagam a luta de classes. Tampouco devemos nos deixar seduzir pelas teorias latinas que recaiam na socialdemocracia. As diferenças socioculturais não podem mais ser secundarizadas como nos ensinaram os zapatistas. Para construir o mundo onde cabem muitos mundos, é preciso desde já se comprometer a uma teoria e uma prática, desde a base, verdadeiramente antirracista!

nov 172021
 

Ilustração: Rusha

Este 20 de Novembro marca 326 anos do assassinato de Zumbi dos Palmares por bandeirantes a mando do poder colonial capitalista. De lá para cá, o povo negro brasileiro segue sendo violentado de diversas formas pelos de cima, mas também resiste desde baixo e luta corajosamente todos os dias.

A pandemia da covid-19 e a piora do cenário econômico com as políticas neoliberais prejudicaram ainda mais o povo negro, que sofre com a precarização da saúde pública, com o desemprego e a miséria, os despejos, a brutalidade policial e todo tipo de violência racista do Estado e Capital. Não foi à toa que o movimento negro esteve na linha de frente das principais manifestações das classes oprimidas durante a pandemia, como na repercussão do assassinato de George Floyd, nos EUA, no assassinato de Beto Freitas por seguranças do Carrefour, em Porto Alegre, na Chacina do Jacarezinho, no Rio de Janeiro.

Ilustração: Cumbe – Marcelo D’Salete

Em 2020, 3 em cada 4 pessoas assassinadas no país eram negras, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Quase 80% das pessoas mortas pela polícia eram negras. Entre as vítimas de feminicídio, mais de 60% eram mulheres negras. Números que mostram a perpetuação da violência racista inaugurada com o genocídio indígena e o tráfico de africanos escravizados, e continuada com o governo militar, miliciano e neoliberal de Jair Bolsonaro, com a conivência das classes dominantes.

Como revolucionárias e revolucionários, não acreditamos que a disputa dentro das instituições racistas de Estado ou do capitalismo vão mudar essa realidade. É a partir da construção de um povo negro forte combativo, na luta cotidiana nos diversos setores, como estudantil, sindical, do campo, das quebradas e quilombos, que podemos construir e oferecer uma real alternativa de transformação social que destrua o racismo e também combata a dominação estatal e capitalista!

Alimentados pelos exemplos de Zumbi e Dandara de Palmares e pela resistência negra nestes cinco séculos no continente latino-americano, nós anarquistas da CAB seguimos fortalecendo a luta pela base na construção de um povo negro forte, na construção do Poder Popular e do Socialismo Libertário!

VIVA DANDARA E ZUMBI!
FORTALECER A LUTA PELA BASE DO POVO NEGRO!
PELO PODER POPULAR!

nov 032021
 

Entre os dias 30 de outubro e 02 de novembro, as organizações que integram a Coordenação Anarquista Brasileira se reuniram em seu II Congresso, em São Paulo, nove anos após o primeiro congresso, que fundou a CAB. Delegadas e delegados das organizações especifistas de todas as regiões do país deliberaram sobre os passos da CAB no próximo período.

Um dos principais assuntos discutidos foi a nova etapa orgânica da CAB, que definiu uma nova estrutura federativa do anarquismo especifista no território brasileiro, apontando um avanço organizativo para os próximos anos, para articular melhor as lutas nos territórios e fazer avançar o Poder Popular.

Na mesma semana em que a Federação Anarquista Uruguaia completa 65 anos, a CAB sai de seu II Congresso mais fortalecida para fazer avançar as lutas das classes oprimidas no continente, rumo ao socialismo libertário!

VIVA O ANARQUISMO ESPECIFISTA!
PELO PODER POPULAR!

out 032021
 

Nesta semana que marcou o Dia de Luta pela Descriminalização e Legalização do Aborto na América Latina e Caribe, no 28 de setembro, quando também se completam 150 anos da Lei do Ventre Livre, não esqueçamos que a luta para que mulheres e meninas tenham acesso a seus direitos reprodutivos é também uma luta de classe e raça! A proibição do aborto não impede que abortos aconteçam, ela o criminaliza, marginaliza e mata as mulheres que abortam, e a grande maioria dessas mulheres são negras, pobres e periféricas.

Como anarquistas especifistas, entendemos que a luta pelo aborto legal, seguro e gratuito deve ser abordada por um viés de saúde publica, e a luta pelos direitos reprodutivos deve ser pensada de forma conjunta à luta pelo direito ao aborto. Se deixarmos de pautar a liberdade reprodutiva, o direito ao aborto legal, seguro e gratuito, direito sobre nossos corpos, arriscamos perder ou renunciar a outros direitos. É isso o que temos visto acontecer nos últimos passos do Estado e do governo de Bolsonaro, com o avanço das agendas que violentam mulheres e meninas, e ameaçam seus direitos reprodutivos já conquistados. Os projetos de lei do “Dia do Nascituro” e da “Semana da Vida” já estão sendo desenvolvidos e votados nas câmaras. Além de sua inconstitucionalidade, eles marcam mais um passo da política criminosa e conservadora do Estado.

Direitos reprodutivos implicam o direito ao aborto, mas também estão relacionados a direitos mais amplos como: direito ao pré-natal, planejamento familiar com acompanhamento profissional, medicina preventiva, acompanhamento psicológico, creches públicas, ensino de educação sexual e reprodutiva acessível nas escolas e universidades, campanhas sobre o uso de preservativos e de outros métodos contraceptivos e o combate à desigualdade de gênero.

O aborto acontece diariamente no Brasil, a criminalização do aborto não impede que as mulheres abortem, ela sustenta uma realidade em que ele acontece em situações precárias e de risco à vida dessas mulheres. O fim da criminalização do aborto significa dar um basta nas mortes de mulheres negras e pobres. Mulheres brancas e de classe média, alta ou da elite, quando precisam fazer um aborto, procuram clínicas particulares que façam o procedimento ou viajam para um país que tenha o acesso legal ao aborto, seja ele gratuito ou não. Enquanto isso, mulheres negras, pobres e periféricas morrem de complicações causadas por abortos clandestinos, feitos em péssimas condições de salubridade, muitas vezes até sem a presença de um médico, com o uso errado de medicamentos e instrumentos. O aborto existe na sociedade vivendo de forma marginalizada e com o conhecimento do Estado, a sua descriminalização é uma forma de evitar o alto índice de mortes maternas decorrentes de abortos inseguros principalmente em populações mais pobres. Entre as mulheres que abortam no país, 90% têm no máximo o ensino médio completo e 33% não possuem nenhum nível de instrução. A falta de acesso a condições de atendimento em uma saúde digna, a uma equipe qualificada para o acompanhamento e a um procedimento seguro constitui uma política de extermínio das mulheres pobres, periféricas e negras, do campo e da cidade, uma política de feminicídio orquestrada e executada pelo Estado.

No começo de setembro, o prefeito de Fortaleza sancionou a Lei 11.159/2021 que cria a “Semana pela Vida”, com o objetivo de promover palestras, seminários e campanhas contra o uso de anticoncepcionais e aborto, e a aplicação de outros dispositivos que atuam contra os direitos reprodutivos e sexuais das mulheres. Esse projeto de poder também ataca a Lei de Planejamento Familiar, prejudicando o já difícil acesso das mulheres a métodos contraceptivos e educação sexual e reprodutiva, e obriga as mulheres a gestar.

Na câmara de vereadores de Maceió, tem sido discutido o PL do “Dia do Nascituro” e da “Semana da Vida”, um projeto de lei que propõe a realização de campanhas contra o aborto, inclusive contra situações que já são previstas em lei, como em casos de mulheres e meninas vítimas de estupro, gestantes sob risco de morte e em casos de fetos anencefálicos. Além disso, esse PL pretende que sejam executadas campanhas em escolas, postos de saúde e outros espaços públicos, articulando ações de campanha do município de Maceió com Igrejas, promovendo pregação religiosa dentro de escolas e outros espaços públicos, desfazendo, assim, a separação entre Estado e Religião, atacando o Estado Laico, atacando o princípio de prioridade na proteção de crianças e adolescentes contra violência, abuso e exploração sexual.

Não é de hoje que enfrentamos o discurso religioso que contamina as políticas públicas. A articulação entre o ministério de Damares Alves, as bancadas da bíblia espalhadas pelo país e os movimentos conservadores pró-vida estão sempre dispostos a promover novos ataques aos direitos reprodutivos de mulheres e meninas, e pouco interessados com suas vidas e com sua segurança. Além disso, as mulheres são forçadas a enfrentar situações de pobreza e miséria, a dificuldade de acesso a serviços que garantam vidas dignas, educação de qualidade, atendimento médico, moradia digna, comida e trabalho, e a verem os futuros de seus filhos arrancados pela mão do Estado racista e patriarcal a serviço do capital.

É irônico que o mesmo Estado que criminaliza o aborto, colocando a vida de milhares de mulheres em risco, é aquele que destrói famílias negras e pobres nesse país. Não só destrói pela miséria como lança suas tropas de controle para retirar crianças de suas famílias e jogá-las em abrigos por causa de todas as mazelas da pobreza. Nunca as famílias da elite, sempre a responsabilização de mães solo na periferia condenadas a viver sem saneamento, sem transporte público, sem condições para manutenção das crianças na escola! Cria a pobreza e criminaliza a pobreza, rompendo vínculos familiares e comunitários. Chamadas de loucas, putas e negligentes, são as mulheres, mais uma vez, que pagam perdendo seus filhos em um processo de privatização de problemas que são públicos.

Lutamos pelo direito ao aborto legal e seguro, pela nossa liberdade, pelos nossos corpos, e por nossas vidas! Lutamos pelo fortalecimento de políticas públicas de saúde e por educação sexual e reprodutiva! Lutamos por educação sexual para prevenir, contracepção para não engravidar, aborto legal, seguro e gratuito para não morrer! Lutamos contra o avanço do conservadorismo e pelo direito à vida plena de todos os corpos! Lutamos por uma educação emancipadora de gênero e sexualidade para combater a violência de gênero e a violência LGBTfóbica! Lutamos por autonomia e autogestão dos nossos corpos! Lutamos contra o estado racista, o capitalismo e patriarcado!

Nós, anarquistas especifistas, acreditamos que a construção do poder popular faz parte da nossa luta contra a opressão dos nossos corpos!

Nenhuma a menos!

Nem mãe sem desejar, nem presa por abortar, nem morta por tentar!

Coordenação Anarquista Brasileira

ago 092021
 

Enquanto a imprensa e as redes sociais se voltam para a gritaria de Bolsonaro, o Congresso vai passando a boiada, empurrando a pauta dos de cima, de destruição dos direitos do nosso povo. Na última quinta, dia 05, a Câmara aprovou o projeto de lei que privatiza os Correios, em uma votação às pressas.

O projeto de lei libera a entrega dos Correios pra uma empresa privada, o que o governo pretende fazer no primeiro semestre do ano que vem. A proposta também prevê estabilidade das trabalhadoras e trabalhadores da empresa por 18 meses. Ou seja, depois de um ano e meio pode haver demissões em massa. Com os Correios nas mãos da iniciativa privada, os lucros vão estar acima da qualidade do serviço e das condições de trabalho dos e das trabalhadoras, favorecendo apenas os acionistas da empresa.

Os argumentos liberais mais comuns para justificar a privatizacao dos correios não se sustentam. A empresa foi criada para prestar serviços à sociedade e não para lucrar. Ainda assim, a empresa dá lucro. Este lucro, que deveria ser dividido com seus funcionários, não é mais, pois este benefício foi retirado nos últimos acordos coletivos. A empresa é autossustentável, ou seja, não depende de investimento de dinheiro público para seguir funcionando. O rombo no fundo de pensão dos funcionários (Postalis), provocado por quadrilhas que gerem o fundo, vem sendo pago pelos servidores e ex-servidores, que além da contribuição regular passaram a pagar uma taxa extra que varia de 3% a 6%, de acordo com a faixa salarial, e aposentados/as e pensionistas, que arcam com taxa extra de 17,92%. Portanto, é mentirosa a fala do ministro das Comunicações, Fábio Faria, que em pronunciamento na TV no dia 02 disse que este prejuízo é pago pelo contribuinte. A companhia é eficiente, com índices de aprovação muito melhores que serviços de empresas privadas, como de telefonia, por exemplo. Também presta um serviço essencial, alcançando todos os municípios do país.

Além disso, os Correios são estratégicos, entregando medicamentos e vacinas para o SUS e livros didáticos para as escolas públicas, além de fortalecer pequenos comerciantes e prestadores de serviços, com entregas mais baratas que as empresas privadas.

O serviço postal público é tão importante que mesmo os EUA, que privatizaram quase tudo, têm uma empresa pública de correios, a USPS, uma das maiores empresas do país. A Argentina privatizou seus correios em 1997, e o serviço ficou mais caro e sucateado. A privatização foi revertida em 2003, mas até hoje o caso se arrasta na justiça, com denúncias de corrupção. Portugal privatizou seus correios entre 2013 e 2014, e os serviços pioraram rapidamente. Hoje o país discute retomar o modelo de empresa pública.

Poder Popular

A defesa dos Correios contra a privatização não se trata de defender o modelo estatal como nosso objetivo. Nós, anarquistas, acreditamos que sob o Estado, orgão de dominação de uma minoria, uma empresa não é verdadeiramente pública, e segue atendendo a interesses privados. Nossa defesa tática da manutenção dos Correios como estatal é um apoio à luta das trabalhadoras e trabalhadores da empresa, e ao povo em geral atendido pela companhia, que vai ser prejudicado com a privatização. Numa perspectiva revolucionária, de um verdadeiro Poder Popular, os Correios devem ser geridos pelas funcionárias e funcionários da empresa, e sob controle do povo trabalhador, e é esse nosso horizonte!

Paralisia das cúpulas sindicais

Denunciamos também a inércia das centrais sindicais na luta contra a pauta privatista que vai entregando o patrimônio do país. É necessário coordenar um forte processo de resistência às privatizações, que ameaçam outras empresas, como Eletrobrás, Telebrás, Dataprev, Serpro e EBC. Além disso há a Reforma Administrativa, que pretende aumentar a dominação privada sobre o serviço público. Tudo isso representa um desafio enorme para o movimento sindical, que precisa construir um movimento de greve geral no serviço público e fazer frente a esses ataques, mas esse processo está muito distante de se concretizar. Em boa parte por culpa das direções das grandes centrais, que desconfiam das capacidades da classe trabalhadora, e parecem aguardar as eleições de 2022 com a Frente Amplíssima.

Apoiamos as trabalhadoras e trabalhadores dos Correios contra a privatização da empresa, e cerramos punhos contra a pauta privatista do governo Bolsonaro, Congresso Nacional e capitalistas! É preciso construir uma greve geral do serviço público para resistir a esses ataques, como passo no caminho para um serviço público de fato, gerido e controlado diretamente pela classe trabalhadora!

Coordenação Anarquista Brasileira
Agosto de 2021

jul 252021
 

Data importantíssima, pois nos traz o dever político de, mais uma vez, nos somarmos nas colunas de resistências travadas por estas mulheres. Se sofrem duplamente a opressão sistêmica, pelo gênero e pela raça, também nos trazem exemplo e vigor de luta, como são os quilombos, as aldeias, como foi o facão da indígena Tuíra.

Na imagem Solitude, Carolina Maria de Jesus e Tereza de Benguela

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Olhando para o presente contexto brasileiro, com a pandemia de Covid-19 e as políticas de morte do governo genocida de Bolsonaro/Mourão/Guedes, sabemos que a herança colonial se reforça e mata mais os corpos racializados (pretos e indígenas) pobres, periféricos e de mulheres (cis ou trans). A violência dos de cima toma cara novamente com a PL 490, colocada pela bancada ruralista, decidindo sobre corpos e territórios que não obedecem às normatividades opressoras.

O PL 490, que tramita no congresso desde 2007, ganha vez com os acordos entre governo e Centrão. É importante dizer que as terras ancestrais correm risco mais iminente, sendo que nunca foram demarcadas (nem com a dita “Constituição “Cidadã de 1988) – pelo contrário, elas vêm sendo sistematicamente atacadas desde a invasão do colonizador. E isso fala muito sobre a negligência, ou melhor dizendo, sobre quais são os interesses dos governos de turno, de venda e negociação dos direitos básicos das e dos de baixo.

Este projeto de lei, dentre outras coisas, traz o “Marco Temporal” como régua para quais terras poderão ser reivindicadas, uma completa entrega dos poucos territórios que seguem vivos pela resistência dos povos originários. O Marco Temporal diz que só serão demarcadas terras que estavam ocupadas na data de assinatura da Constituição de 1988. Se questiona sobre quais seriam as provas possíveis para tal comprovação, porém o que fica explícito mais uma vez é que a lógica juruá (não-indígenas) dos de cima sobrepõe outras vivências que não a sua própria.

Outro ponto de grande preocupação é sobre as comunidades isoladas e o que diz o texto sobre acessá-las em caso de “utilidade pública”. No capitalismo se pensa em posse/propriedade sobre todos os povos, principalmente aqueles que rechaçam esse modo de vida. Como pode haver alguma “utilidade pública” sobre aquilo que não lhe pertence? Como os corpos da mulheres negras e indígenas, a violência capitalista, patriarcal, racista age para colonizar e corrigir as desviantes. Mas sendo francas, sabemos que missões religiosas, empresas de geração de energia e extrativistas enxergam mais que “utilidade pública” neste territórios. E são por estes meios que se fará valer a “utilidade pública” do capital, com a exploração de força de trabalho barata e o genocídio, a destruição da vida e da natureza, que, na lógica do lucro, é entendida como simples “matéria-prima”. Tudo isso para encher os bolsos dos ricos e dos políticos profissionais.

O Levante pela Terra em todo território brasileiro deixa explícito que nenhum centímetro de terra, nenhuma vida será entregue. Cada trancamento de via, cada canto, reza, grito de ordem travados pelos povos indígenas, quilombolas e apoiadores nos dão o tom de que não recuaremos até vencermos! E é sobre isso, sobre essa luta que queremos mais uma vez reafirmar neste 25 de julho. Pela força das mulheres negras, indígenas, latinoamericanas e caribenhas, vamos lutar nas datas especiais, mas no dia a dia também. Construindo e cultivando vínculos duradouros de resistência e rebeldia!

ARRIBA LAS QUE LUCHAN!

Coordenação Anarquista Brasileira

jul 112021
 

Publicado na revista Socialismo Libertário nº 4, set. 2020

A desigualdade de gênero é um fato construído historicamente, presente nas sociedades humanas em menor ou maior grau. Se estabelece por mecanismos como o exagero de características físicas e a transformação de diferenças culturais em diferenças naturais (‘‘Homens são mais fortes e racionais’’, ‘‘Mulheres são mais fracas e emocionais’’), criando, assim, ordens opostas e verticais de comportamentos masculinos e femininos. Esse jogo binário legitima os padrões de masculinidades tóxicas e feminilidades submissas que criam as mais diversas formas de violência contra as mulheres, bem como em diferente medida contra homens que não correspondam a essas expectativas de masculinidades ou pessoas que almejam fugir de ambas ordens. A desigualdade de gênero é um dos elementos de dominação mais fortes e antigos que estruturam a ordem hierárquica de nossas sociedades. Ela divide e organiza nossos corpos para relações de mando/obediência que se associam a outros tipos de opressão.

As violências resultantes desse processo são mantidas por meio de estruturas materiais e simbólicas que buscam naturalizá-las e justificá-las. Os papéis que nos são impostos socialmente devem ser interpretados sob pena de punição; nessa lógica os homens exercem uma violência disciplinar sobre as mulheres. Assim, ao autor da violência nunca é atribuída a responsabilidade: “Ele bateu porque ela provocou”, “Estuprou para ela aprender a ser mulher”, ‘‘Matou porque ela o traiu’’ e etc. E essa imposição do sujeito (o homem) sobre o objeto (a mulher) atravessa os diversos âmbitos de poder que constituem nossa sociedade, como o campo familiar, religioso, científico e político-institucional. Em muitas partes do mundo, desde a antiguidade, mulheres são excluídas do status de pessoas e, assim, do direito à dignidade. Atualmente, nas sociedades capitalistas, patriarcais, racistas e classistas que se espalham pelo globo, essas formas de violências são mantidas e atualizadas pelo Estado através de suas leis e instituições.

O estupro é pensado e utilizado como arma de guerra há séculos e atualmente continua sendo estratégia corretiva e coercitiva. A América Latina é, assim como outras sociedades colonizadas e estruturadas pela escravidão, marcada pelo estupro de mulheres nativas e trazidas pela diáspora, pelo sexismo e racismo que sustentam o capitalismo. Nós, mulheres e LGBTQ+, sobretudo racializadas/os e pobres, enfrentamos uma verdadeira guerra para sobreviver no cotidiano de ataques que é existir como negras/os, indígenas, periféricas/os e em tantos outros lugares de vulnerabilidade e marginalização.

Essas violências mantêm a exploração de nossas forças produtivas e reprodutivas, através do controle de nossa natalidade e sexualidade, trabalho doméstico não remunerado e/ou em condições precárias, privação do acesso à educação e ao patrimônio, assédios morais/sexuais no espaço doméstico, de trabalho e/ou estudo, além de torturas psicológicas e/ou física. Ou seja, tudo aquilo que nos impede de sermos compreendidas e respeitadas como seres humanos.

A violência do Estado

O Estado é um sistema hegemônico de poder dentro da sociedade e busca ordená-la para assegurar sua própria existência através de aparelhos ideológicos (religioso, escolar, familiar, da informação, cultural etc.) e repressivos (governo, administração, exército, polícia, tribunais, prisão etc.). A fim de fazer valer a vontade da classe dominante que usufrui do seu poder, de forma direta ou indireta, mantém as desigualdades de gênero como mais um mecanismo útil de dominação. Principalmente, levando em conta que os corpos que ocupam os locais de poder dentro do aparelho estatal são em sua maioria esmagadora masculinos e brancos.

Essa desigualdade de gênero é expressada pelo Estado principalmente por meio da violência institucional. Somos atingidas na prestação de serviços públicos essenciais para nossa sobrevivência, como saúde e segurança. Nos hospitais, delegacias e outros órgãos de assistência social, essas violências são perpetuadas por agentes que em teoria deveriam proteger mulheres e a população LGBTQ+, garantindo-lhes uma atenção humanizada, preventiva e também reparadora de danos. Contudo, nossas existências e reivindicações de direito são criminalizadas e violentadas pelo Estado e suas instituições de diversas maneiras.

Continuamos morrendo ou sendo presas por abortos clandestinos e inseguros! Ao longo da história, vimos o controle de nossa natalidade e sexualidade tomado de nós através da esterilização compulsória ou a negação da mesma, a falta de acesso a métodos contraceptivos seguros, as violências obstétricas, a inexistência de métodos e informações sobre saúde sexual para relações lésbicas, a falta de preparo de agentes de saúde que também atinge transexuais e travestis; bem como a desvalorização, o descrédito e a proibição de outros métodos tradicionais de cuidado praticados por rezadeiras, curandeiras, parteiras, Ialorixás (mães de santo), mulheres indígenas e camponesas. Práticas essas que, em vez de serem valorizadas, são criminalizadas pelo Estado ou roubadas por grandes empresas, como é o caso da utilização de ervas e remédios naturais. Substituídas pela frieza, rispidez, falta de atenção e todo tipo de negligências motivadas por discriminações, que abrangem as questões de raça, gênero, sexualidade, classe, idade, regionalismo, capacitismo etc.

Com as instituições jurídicas / de segurança não é muito diferente. É comum que as vítimas de agressões físicas e violência sexual sejam submetidas a um processo duplamente violento na procura de atendimento, não sendo ouvidas ou tendo de passar pelo constrangimento de contarem seu relato diversas vezes e terem sua narrativa desacreditada. A falta de mais instituições especializadas para atendimento de mulheres e de LGBTQ+ e a falta de cuidado dos agentes que trabalham nelas resultam na não procura de assistência por parte das vítimas, que já temem a possibilidade de humilhações, maus tratos e ineficiência dos órgãos estatais.

No caso das violências sexuais, lidamos com critérios absurdos e exames invasivos, ficando sujeitas ao julgamento de serem “vítimas ideais” (brancas, mães, recatadas, heterossexuais) ou “vítimas duvidosas” (mulheres racializadas, com a ‘‘roupa errada’’, prostitutas, LGBTQ+ , população em situação de rua). Nos casos de violência doméstica, agressões e ameaças físicas e/ou psicológicas, há uma série de negligências policiais, a demora no atendimento dos chamados, a “visão” de que são problemas familiares que se resolvem por si só, entre outras coisas que fazem com que o socorro só chegue tarde demais, nos tornando, assim, vítimas de feminicídios e crimes de ódio – que, na maioria das vezes, nem são reconhecidos como tais.

Outro mecanismo de violência estatal é o encarceramento das mulheres negras, pobres e periféricas. Para além das semelhanças com o encarceramento masculino (excesso de prisões provisórias, superlotação, ausência de vagas em regimes mais benéficos e julgamentos injustos, deficiência na assistência à saúde, alimentação e necessidades básicas), traz questões distintas como o controle e/ou bloqueio de visitas íntimas, retirada da(o) filha(o) logo após seu nascimento, risco maior de assédio e abusos sexuais, privação de produtos básicos de higiene como absorventes etc. Além disso, mulheres encarceradas de maneira geral recebem menos visitas e assistência de cônjuges e familiares, lidando com o peso do estigma da criminalidade somado aos estigmas de gênero. A instituição prisional, entre outras coisas, também torna as visitas um processo humilhante para mulheres, fazendo-as passar por revistas vexatórias e se constituindo como um ambiente hostil a sexualidades dissidentes.

Enfrentamos também a violência da miséria que nos desumaniza e mata de fome quando o Estado toma nossos territórios, casas, pertences, e destrói nossos recursos naturais. Nossos direitos, conquistados por tantos anos de suor e sangue, não são respeitados e nós acompanhamos cada vez mais suas retiradas. Em muitos locais, ainda não temos acesso à educação, à saúde, à moradia digna, à água e luz. E se tratando da pobreza e restrição a recursos, as mulheres são a parte da população mais atingida. Trabalhamos mais e recebemos menos, as travestis e transexuais têm péssimas ou nenhuma possibilidade de emprego formal, nos tornamos mães cada vez mais cedo e quase sempre assumimos sozinhas as crianças. Não conseguimos creches e outras assistências necessárias, sofremos a violência e o assassinato dos nossos filhos e filhas nas periferias, somos chefes de família e perdemos o sono para plantar, colher e colocar comida na mesa. No caso de mulheres indígenas, quilombolas e camponesas, os conflitos referentes ao território e aos recursos naturais são ainda mais críticos. No Brasil, historicamente, o Estado recusa-se à reforma agrária e à demarcação de terras, beneficiando em larga escala o agronegócio e a exploração praticada por megaempresas, desrespeitando terras de povos tradicionais e comprometendo suas existências materiais e simbólicas.

Anarquismo e resistência às violências de gêneros

O anarquismo se constrói, historicamente, em oposição a toda hierarquia, dominações e poderes autoritários. Reconhecemos a urgência do combate de todas as opressões. As desigualdades de gênero e raciais não são apenas pontuais ou meros apêndices de exploração de classe/econômica, elas são estruturais e retroalimentam a ordem capitalista de maneiras próprias; o Estado violenta especificamente corpos sexualizados e racializados. E a revolução social que almejamos a longo prazo, construção do poder popular e de outra sociedade, só será possível se a destruição das desigualdades de gênero também for nossa bandeira de luta.

As mulheres e a população LGBTQ+ lidam diariamente com violência e assédio por parte de conhecidos, desconhecidos e do Estado em seus variados desdobramentos, sendo negligenciadas, desrespeitadas e assassinadas por conta de seus lugares sociais. As desigualdades existem no espaço doméstico, no trabalho, na rua, na escola, em tantas outras situações, inclusive nos ambientes de militância. É fundamental que as organizações e movimentos libertários repensem seus espaços e a perpetuação dessas desigualdades, desde a organização e divisão de tarefas à importância dada a determinadas temáticas, estratégias para lidar com os casos internos de violência e etc. É fundamental que os militantes estudem e reconheçam seus privilégios a fim de desconstruir as atitudes machistas, racistas e lgbtqfóbicas que fazem parte de nossas socializações.

Nossos corpos sempre foram territórios de disputas. Muitos são os exemplos de como a violência ceifa a vida das nossas. Não esquecemos do corpo de Claudia Silva Ferreira, mulher preta, periférica e mãe, arrastada pela polícia no asfalto por 350 metros. Não esquecemos de Luana Barbosa Santos, mulher preta, periférica, lésbica e mãe, espancada e morta pela polícia principalmente por não performar feminilidade. Não esquecemos Marielle Franco, mulher preta, lésbica, liderança, vítima de um assassinato escancaradamente político. Não esquecemos da travesti morta a facadas por quatro homens que gritavam por “Bolsonaro” que, assim como tantas outras travestis e transsexuais, não têm nem nome nas reportagens. Não esquecemos de tantas mulheres indígenas, expulsas de suas terras e mortas por violências que são físicas, psicológicas e espirituais.

A luta contra a desigualdade de gênero e violências cometidas pelo Estado contra os corpos marcados por ela é uma bandeira nossa. Um movimento anarquista que busca emancipação e poder popular tem de ser muito além de um movimento pelo fim das classes sociais; ele tem que ser também um movimento antirracista e antissexista.

Pela queda do Estado, do Patriarcado, do Capitalismo e da Supremacia Branca!

Construir um povo forte, construir mulheres fortes!

Pelas de baixo, com as de baixo!

jun 242021
 

A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta, dia 23, o Projeto de Lei 490/2007, que permite que o governo tire de povos indígenas territórios demarcados há décadas, totalizando a possibilidade de rever 60% das terras indígenas já demarcadas, pós Constituição de 1988. O PL insere no Estatuto do Índio a tese do Marco Temporal, que reconhece o direito à terra somente de povos que ocupavam o território até a promulgação da Constituição, ignorando processos de deslocamento e expulsão contínuos que sofreram os povos indígenas ao longo desses 521 anos de colonização. Permite ainda a implantação de hidrelétricas, mineração, estradas e arrendamentos, entre outras ações em territórios ocupados por indígenas, eliminando a consulta livre prévia e informada às comunidades afetadas.

Em tese, possibilita a supressão de direitos dos indígenas garantidos na Constituição, como a posse permanente de suas terras e o direito exclusivo sobre seus recursos naturais, abrindo caminho para a exploração de terras indígenas pelo agronegócio e a mineração. Facilita que o governo tome TIs “Reservadas”, caso julgue que o território não esteja sendo ocupado e usado adequadamente para a subsistência de seus moradores. A “Reserva Indígena” é um tipo de TI estabelecida para assegurar a sobrevivência física e cultural de um povo indígena, mas onde não foi reconhecida, necessariamente, a ocupação tradicional, conforme os conhecimentos técnicos antropológicos atuais. Isso acontece porque grande parte dessas áreas foi oficializada com base no Estatuto do Índio, de 1973. Muitas áreas compradas ou doadas aos povos indígenas também poderiam ser tomadas: hoje, em 66 áreas vivem quase 70 mil indígenas, em uma área de cerca de 440 mil hectares de terra. Estamos falando de algo em torno de 3 vezes a cidade de São Paulo! Ainda abre brecha para o fim da política de “não contato” com os indígenas isolados, pois prevê contato por suposto “interesse público”, que poderia ser intermediado por “empresas públicas ou privadas” contratadas pelo Estado.

Esse projeto de lei representa um aprofundamento do processo do genocídio dos povos, do ecocídio, do etnocídio e do avanço do capitalismo sobre os últimos rincões de resistência a esse sistema econômico que mói gente!

PL 490 É GENOCÍDIO!
PELA SOBERANIA DOS POVOS ORIGINÁRIOS!

Coordenação Anarquista Brasileira