maio 172010
 

MANIFESTO DE CRIAÇÃO

ORGANIZAÇÃO RESISTÊNCIA LIBERTÁRIA [ORL]

“Carregamos um mundo novo em nossos corações, que cresce a cada momento. Ele está crescendo neste instante […].”

Buenaventura Durruti

 

Camaradas de espírito libertário,

Companheiras e companheiros de caminhada nesta luta por igualdade e liberdade,

Estamos a partir deste momento manifestando publicamente nossa presença e exprimindo a esperança que alimentamos da construção de uma sociedade fundada em outras bases que não as atuais. Acreditamos profundamente num mundo fundado na justiça social, na igualdade entre todos os indivíduos, mulheres e homens, e acima de tudo na liberdade, para que floresça a vida e a paz entre todos.

Trazemos com grande força e convicção a bandeira do anarquismo organizado, entendido por nós como ferramenta para a transformação social. Reafirmamos o anarquismo como uma alternativa de luta contra essa sociedade desigual e em ruínas, que vislumbramos destruir e, sobre suas próprias ruínas, construir o mundo de felicidade que tanto desejamos.

Negamos as hierarquias, o centralismo e as relações autoritárias que vigoram nesta sociedade, com a certeza de que somente numa sociedade onde tenhamos autonomia para dispor sobre o rumo de nossas vidas, que seja pautada pela horizontalização das relações, onde as pessoas vivam em condições de igualdade nos mais diversos sentidos, é que estaremos na plenitude e no esplendor da liberdade e valorizando efetivamente a vida, que sabemos ser o mais importante.

Entendemos como fundamental a transformação da sociedade, na certeza de que neste mundo não é possível viver senão sob o domínio e a exploração. Sabemos que é possível e queremos que esse estado de coisas mude. Movemo-nos fundamentalmente por esse desejo, rumo à outra realidade, onde não mais nos deparemos com a desigualdade, onde não tenhamos que engolir diariamente a dor de ver seres humanos passando fome, não tendo onde morar, não tendo como satisfazer suas necessidades mais básicas; onde não mais sejamos vítimas cotidianamente da exploração política e econômica, tendo que viver a mercê do interesse de poderosos. Diante do que está posto, frente ao capitalismo: que seja feita a utopia!

Almejamos sonhos simples, mas de uma grandiosidade inquestionável. Queremos não mais ter que tolerar a opressão, sob as mais diversas formas. Desejamos não mais ver a vida sendo relegada a último plano, pela vil importância dada ao dinheiro e ao poder.

Somos impulsionados para esta luta com a força acumulada de todos aqueles que lutaram antes de nós, que acreditaram antes como acreditamos hoje que a vida pode ser diferente, que não precisa ser como é.

Carregamos em nossas mãos a bandeira negra que foi empunhada por companheiros e companheiras de outras épocas, e que tanto contribuíram para a manutenção e o vigor daquilo que defendemos. As lutas passadas são o grande motor que sustenta a crença de que estamos no caminho certo. Dizemos sem titubear: a anarquia é possível! O socialismo libertário é necessário! E vamos lutar com todas as energias para ver florescer aquilo que se expressa em nossos desejos manifestos, em nossos sonhos vislumbrados.

Aquilo que brilha em nossas mentes e que vibra em nossas bocas é trazido pelas malhas do tempo, por camaradas que foram construindo pouco a pouco as bases de nosso ideal. Mikhail Bakunin, Errico Malatesta, Emma Goldmann, Luce Fabri, Nestor Mahkno, Peter kropotkin, Buenaventura Durruti, Louise Michel, e tantas outras e outros anônimos que fizeram do anarquismo uma opção possível e desejável. Mais perto de nós Moacir Caminha, Ideal Peres, Domingos passos, José Oiticica, Edgar Leuenroth, Jaime Cubero… Poderíamos evocar muitas e muitos mais que maravilham a galáxia em que brilham as estrelas libertárias. Continuamos do lugar onde vocês pararam camaradas; seguiremos para onde vocês queriam chegar.

Trazemos em nossa memória as lutas dos trabalhadores e trabalhadoras do início do século XX no Brasil. As lutas dos sindicalistas revolucionários, dos operários das mais diversas categorias, daqueles que eram os maiores explorados da sociedade. Mantemo-nos ligados à esse passado por uma linha contínua de lutas que trouxeram até nós as sementes do anarquismo, no bico de pássaros libertários que as semearam entre nós, mantendo o espírito das idéias e práticas que nos sustentam de pé e em luta. Hoje prestamos homenagem a todos e todas que lutaram antes de nós, que foram passando a bandeira de mão em mão até que chegasse às nossas, e que nos dão força e coragem para estarmos criando nossa organização hoje.

Somos herdeiros de uma tradição de luta baseada na ação direta, no ataque radical à propriedade privada, na negação do Estado como alternativa viável para a emancipação social. Neste sentido, trazemos conosco o exemplo da história construída por tantos e tantos lutadores e lutadoras que saíram da imobilidade e passaram para o terreno da luta de classes, abrindo os olhos para o que estava bem a sua frente. Aqueles que amedrontaram os dominadores da sociedade nas lutas sociais no Brasil das décadas de 1910, 20 e 30, que realizaram a greve geral de 1917, as lutas contra a carestia, a insurreição anarquista de 1918, a lutas pelas oito horas, os congressos operários, e tantas outras lutas, expressões inegáveis da capacidade de auto-organização da classe dos explorados e do seu poder de destruir esta e construir outra sociedade, já que são os próprios explorados que constroem tudo o que existe ao nosso redor.

Nós da Organização Resistência Libertária temos raízes em todas essas lutas sociais e libertárias do Brasil e do mundo. Embora a região onde estejamos não tenha sido visitada por imigrantes anarquistas em grande quantidade como foi o sudeste do Brasil, temos a ventura do anarquismo ter chegado por aqui mesmo assim, com a circulação das idéias e práticas, através do próprio movimento dos trabalhadores do início do século XX, que partilharam aquilo que acharam interessante e importante para as lutas, difundindo e experimentando os princípios e práticas libertárias no Ceará, construindo escolas modernas, publicando jornais, mantendo ateneus e centros de cultura inspirados fundamentalmente no ideal anárquico. Foi assim que o anarquismo chegou aqui. Nós somos, inegavelmente, herdeiros disso também.

Reconhecemos ainda as tentativas de organização do movimento libertário no Ceará ao longo das décadas de 1980 até hoje, levadas a cabo por diversos grupos e experiências. Nominamos o Coletivo Anarquista de Fortaleza (CAF), o Núcleo Coletivo de Consciência Libertária (NCCL), o Núcleo de Estudos e Atividades Libertárias (NEAL), a experiência do Espaço Contra-Cultural Trincheira Libertária, a Cooperativa Atos de Revolta, o Grupo de Estudos Sobre o Anarquismo (GESA), a experiência anarquista-feminista do Coletivo Lua, o Coletivo Comuna Libertária e o Espaço Comuna Libertária e o Coletivo Ruptura. Consideramo-nos como uma continuidade diferenciada das atividades e lutas desenvolvidas por aqueles e aquelas que construíram essas experiências libertárias. Somos possíveis e existimos também pelo acúmulo gerado pelos anarquistas que experimentaram na prática o ideal anárquico no Ceará. Reconhecemos essas experiências como pertencentes ao campo de pluralidade do anarquismo, que sabemos ser vasto e bastante diversificado, embora tenhamos um posicionamento particular dentro do universo anárquico, pois temos o anarquismo social como principal referencia política, ou seja, concebemos o anarquismo como ferramenta para uma atuação eminentemente social, nos movimentos sociais e lutas populares.

Diante do cinismo de autoritários e da direita que negaram a existência do anarquismo no Brasil após a década de 30, dizemos com firmeza que o anarquismo passou pela repressão dos governos, pela mentira e desonestidade dos falsos representantes dos explorados, foi reprimido e massacrado nas ruas e em prisões para “criminosos políticos”; foi deportado, em parte, junto com os imigrantes expulsos do Brasil; resistiu a ofensiva de pretensos guias da emancipação social; manteve-se firme no pós-30 nas páginas do jornal Ação Direta e no Centro de Estudos Professor José Oiticica (CEPJO); passou pela ditadura militar resistindo de diversas formas, destacando-se o MEL (Movimento Estudantil Libertário), que teve muitos militantes torturados durante a ditadura militar; permaneceu presente na figura e nas ações de camaradas como Ideal Peres e Esther Redes; ressurgiu em público na década de 1980 com o levantamento daqueles que são explorados, nas lutas dos trabalhadores e trabalhadoras da região sudeste brasileira, na luta dos companheiros e companheiras petroleiros; se fez presente nos coletivos anarquistas e anarcopunks, nos grupos de estudo e de ativismo social e com as tentativas de recuperação da memória das lutas por alguns tantos que se dedicaram a isso. Saber disso nos faz mais fortes, e essas lembranças nos dão alegria e inspiração para seguirmos em nossa caminhada de luta.

Hoje, o anarquismo está vivo e renovado, em ascensão nas diversas partes do mundo. As idéias defendidas historicamente pelos libertários podem ser percebidas no passado recente e hoje nas lutas antiglobalização, nas batalhas dos zapatistas do México, no levante dos povos indígenas de Oaxaca, nas lutas de imigrantes norte-americanos, na resistência ao terrorismo de Estado Russo, nos Estados Unidos, na Grécia, na França, na Espanha, e em diversas partes do planeta; bem como nas lutas de camponeses por toda América Latina, que tem como bandeira terra e liberdade e, apesar disso, correntes políticas equivocadas tentam a todo custo forçar ideologias autoritárias no seio destes movimentos. A perspectiva libertária refloresce no século XXI com iniciativas como a do Projeto Ciclovida, que propõe uma nova relação com a terra; ressurge também com os sem número de grupos e organizações que se espalham pelo Brasil e pelo mundo, bem como aqueles que permanecem já há tempos. Isso só demonstra o vigor e a permanência da prática e do pensamento libertário.

O anarquismo vem à tona neste fim de século XX, e começo do XXI no Brasil, com experiências como a da Federação Anarquista do Rio de Janeiro, com a Federação Anarquista Gaúcha e com a emergente Federação Anarquista de São Paulo, em vias de fundação. Isso com o intuito de retomar o vetor social perdido pelo anarquismo no início do século XX. É o anarquismo voltando aos movimentos sociais, como uma alternativa de luta, e com toda a força.

Afirmamos que o anarquismo está aqui e agora, pronto para a luta, buscando espaço em meio aos mais explorados, esforçando-se para que as lutas avancem e tomem um rumo revolucionário, de maneira ascendente, de baixo para cima, construindo barricadas e mais barricadas, com as quais iremos nos proteger e atacar nos momentos necessários.

Somos revolucionários, não porque é belo, mas porque é necessário. Queremos que as lutas sociais assumam cada vez mais um caráter radical e de enfretamento direto ao sistema atual de coisas, o capitalismo. Não porque isso seja emocionante, mas por sabermos que somente assim seremos livres para ver o sol nascer e realizar sob sua luz a exuberância da vida.

Queremos socialismo e liberdade! Somos socialistas e, acima de tudo, libertários, pois como dizia um companheiro anarquista russo: socialismo só é socialismo se for com liberdade. Portanto, somos socialistas libertários. Não lutamos somente para destruir a opressão econômica, atacamos também a opressão política, de gênero e outras formas de opressão.

Por defendermos o anarquismo organizado como ferramenta de luta para a transformação social, temos em nossas iniciais a palavra “Organização”. Somos resistentes a ordem social que está posta, nos colocando ativamente pela revolução social: e é por isso que escrevemos “Resistência” em nosso nome. Não fazemos qualquer resistência, nem queremos uma revolução qualquer, almejamos uma revolução libertária, e é justamente por isso que expressamos vigorosamente a palavra “Libertária” em nossa sigla.

Nossa bandeira carrega as cores tradicionais do socialismo libertário: o vermelho e o negro. Traz ao centro a estrela da autonomia, juntamente com a sigla que adotamos.

Então erguemos nossa bandeira e balançamos bem alto, na certeza de que nos veremos em breve ao lado de tantas outras, em meio às lutas sociais. Dizemos que estamos aqui para assumir uma barricada na luta social e só sairemos da trincheira quando a luz aparecer e pudermos enxergar com clareza o que vimos de maneira mais ou menos turva em nossos sonhos: um mundo novo, de justiça, de igualdade e de liberdade.

Pelo Socialismo Libertário!

Viva a Luta Social Anticapitalista!

Liberdade, Autonomia, Responsabilidade!

Rumo a Anarquia!

 

Fortaleza, 08 de Dezembro de 2008.

 

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