out 022012
 

INGOVERNÁVEIS

BOLETIM DA ORGANIZAÇÃO RESISTÊNCIA LIBERTÁRIA [ORL-CAB] Nº III OUTUBRO DE 2012

Site: resistencialibertaria.org e-mail: resistencialibertaria@riseup.net

A LUTA POPULAR E A UNIDADE NA ESQUERDA

O sistema capitalista de dominação e perpetuação da desigualdade em que vivemos, gerenciado pelo Estado, renova sempre suas formas de opressão, de exploração e de avanço do Capital. O Estado, através de ações governamentais, tem implantado medidas paliativas e pretensamente “populares”, que contrariando o seu discurso de melhoria de vida e desenvolvimento econômico, traz inúmeras perdas às camadas mais pobres. Estas perdas vão de arrochos salariais vários, expropriações de territórios (quilombolas, indígenas e demais comunidades originárias[1]), até a negação e impossibilidade de realização das condições mais simples de sobrevivência e de direitos humanos mais essenciais (moradia, saúde, educação, alimentação, acesso à água e energia, mobilidade).

Recentemente, no Brasil, algumas das maiores investidas para o avanço do Capital são os chamados megaprojetos (como megaeventos e megaempreendimentos)[2] de desenvolvimento que, recheados de propagandas ideológicas sedutoras, vem amparados por governos (federal, estaduais e municipais) neoliberais, “empreendedores” e ditos de Esquerda. Nesse mesmo contexto, aparece no bojo das lutas, uma série de oposições criadas pelas próprias contradições da luta cotidiana. Inversamente à forte unidade mantida pelos empresários e gestores do Estado, a esquerda mantém sua divisão fratricida, com vistas a disputar os “frutos” da luta do nosso povo.

Atualmente, diante das intempéries da luta contra as remoções de populações por conta da Copa 2014, mais exemplos se avolumam. Muito se fala sobre a necessidade de “unidade no campo da esquerda”, dos movimentos sociais e de todas e todos que lutam contra o avanço do capital e por um mundo mais digno e menos desigual. Pois bem, somos os maiores defensores da unidade na luta para avançar nas conquistas das classes populares e oprimidas. Porém, como sempre defendemos, é preciso combater o oportunismo nos espaços de luta e articulação.

Como Organização Política que visa a construção do Poder Popular, não poderíamos discordar do fato de que o povo unido tem muito mais força. Acreditamos que as lutas das mais variadas categorias e movimentos sociais devem ser articuladas. Mas como se dá essa articulação, essa união na luta popular? É estarmos todos juntos fazendo o que nos parece mais conveniente, andando em caminhos contraditórios? Defendemos que não, pois mais segrega e mina a luta do que a potencializa.

Na verdade, este tema da unidade é antigo. Isso porque sempre houve divergências entre os mais variados campos da esquerda e sempre se falou na necessidade de unir-se. Unir porque nossos inimigos são os mesmos e extremamente fortes, porque separados somos alvo fácil. Até aí nossa compreensão é a mesma. Mas quando a prática da luta exige a coerência, os caminhos são distintos entre os setores envolvidos. Para nós, anarquistas, a unidade não é um princípio abstrato. Ela se constrói na luta cotidiana e solidária de nosso povo, ombro a ombro, lado a lado, o que é muito diferente das reuniões de cúpula de lideranças, que atuam descoladas da luta cotidiana, para articular propostas e ações exteriores aos movimentos, substituindo o protagonismo do povo na luta!

“Esquerda” hoje é um conceito que ilude, pois dá a entender que todos sob este título são grupos similares, com mesma prática. Sabemos que muitos dos que levantam esta bandeira são, na verdade, atrelados aos mecanismos do Estado de forma extremamente reformista e governista. Parlamentares, também ditos de esquerda, bienalmente reforçam a substituição das lutas concretas pela disputa eleitoral e se utilizam destas lutas para ascender politicamente, através das mais abrangentes propagandas, mesmo que não possuam base real nas lutas.

Além desse cenário atual da Esquerda, vemos muitos partidos, organizações e movimentos que tratam o povo como se fossem massas de manobra. O que isso significa? Acreditam que são seres não-pensantes e estão ali para serem guiados, como boiada, por uma vanguarda organizada em um partido verticalizado que pretende dirigir hierarquicamente os movimentos sociais. Para essa corrente autoritária do socialismo, o povo é a base que somente serve para legitimar suas ações políticas e que não consegue construir suas lutas autonomamente.

Acreditam que quem deve realmente decidir sobre os rumos da luta são aquelas direções que atuam como seres iluminados e como se fossem mais capacitados para dirigir os caminhos do povo, para onde eles acharem mais conveniente. Outros, de forma ainda mais oportunista, dispõem-se apenas a aparecer em momentos de propaganda, reforçando de maneira dissimulada sua própria visibilidade, utilizam o nome do povo que está todos os dias trabalhando em nome de suas pautas para aparecer publicamente, muitas vezes com interesses particulares e/ou puramente eleitoreiros .

Nós discordamos veementemente destas posições. Discordamos daqueles que querem levar os créditos do trabalho popular, como se eles fossem os responsáveis pelas conquistas da organização e da luta popular, construídas com o suor do povo.

Acreditamos que o povo deve lutar com suas próprias mãos, educando-se e fazendo sua própria estrada. Como nosso lema d’A Internacional: “Façamos nós por nossas mãos, tudo o que a nós nos diz respeito”. A posição de nossa Organização é a de que aqueles que se sensibilizam com a luta popular e querem ajudar, agir solidariamente e doar sua militância, devem aproximar-se na perspectiva de potencializar a luta, andando lado a lado e ombro a ombro com o povo, respeitando seus espaços de articulação e decisão. Nunca à frente, como diretor da luta, operando veladamente ações que ferem a autonomia dos movimentos.

A Unidade é construída no dia-a-dia da luta, no seio do povo, e não em reuniões de “cúpulas” ou em momentos de pura propaganda. Defendemos uma atuação pautada no respeito e na ética militante, com profunda honestidade e respeito com todos e todas que constroem a luta todos os dias, negando o utilitarismo e o oportunismo. É uma atuação que não recebe nada em troca, não visa ganhos parlamentares, financeiros, cargos ou publicidade. Pelo contrário, busca impreterivelmente a construção diária do Poder Popular, de forma sempre horizontal e combativa.

Nós, organizadas/os das classes oprimidas e exploradas, não queremos novas/os aproveitadoras/es. Disso, já estamos cheios há séculos. Precisamos sim da unidade de nossos setores, mas entre o povo e com respeito e consciência das tarefas que se avizinham. A unidade se faz na luta popular e entre quem realmente é sujeito nas lutas, e não entre organizações políticas que se articulam a revelia das/os verdadeiras/os lutadoras/es. Sabemos que os interesses das organizações políticas muitas vezes podem não coincidir com os interesses dos movimentos sociais. Já no âmbito da luta popular, onde nos encontramos todas/os, nossas atuações podem assemelhar-se e nossas propostas podem convergir. Mas precisamos estar sempre conscientes de quem são os verdadeiros sujeitos das lutas, sem oportunismos e desrespeito.

É aí onde queremos ver toda/os as/os companheiras/os: na luta social! De forma ética, coerente e respeitosa.


LUTAR, CRIAR PODER POPULAR!

 

Organização Resistência Libertária

resistencialibertaria.org

resistencialibertaria@riseup.net

 


[1] “Não confundir sociedades originárias com sociedades tradicionais. A expressão tradicional conclama ao seu par moderno e, assim, se inscreve numa hierarquização conduzida pelo eurocentrismo do tradicional ao moderno. Já a expressão originária recusa esse par e requer que seja vista por si e por seus próprios valores”. (Carlos Walter Porto-Gonçalves – A globalização da Natureza e a natureza da globalização. Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2006)

[2] Copa do Mundo da FIFA, Olimpíadas, IIRSA, PAC 1 (Transposição do Rio São Franscisco) e 2 (Belo Monte), etc.

 

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