Desde o dia 02 de janeiro Fortaleza, Cidades da Região Metropolitana e no interior do estado, sofreram uma série de ataques a veículos e órgãos públicos (incêndios e explosões) organizadas por facções em retaliação à fala do novo Secretário de Administração Penitenciária, Luiz Mauro Albuquerque. Em sua fala, o Secretário, vestindo farda, afirmou não reconhecer facções e como medida prática acabar com porte de celulares, com pernoites e com a separação por facção nos centros penitenciários.
Acabar com a separação por facções nos presídios pode ocasionar um massacre nos moldes dos ocorridos no Rio Grande do Norte em 2017 ou uma união e fortalecimento do crime organizado como nunca antes visto. Aliás, Mauro Albuquerque foi Secretário de Justiça e Cidadania do Rio Grande do Norte e é conhecido por sua “doutrina”: restringir qualquer contato entre agentes penitenciários e internos. Olhar, levantar-se, falar sem autorização, tudo é proibido nos presídios onde o Secretário opera. Trancas, algemas, armas, desnudamento e humilhação são a tônica. Esta lógica cria um ambiente de extrema insegurança. Qualquer conflito tende a ser respondido com violência e nada se torna previsível ou evitável. O próprio secretário foi acusado de tortura, mas a acusação foi arquivada pelo Ministério Público do Rio Grande do Norte. Nos presídios potiguares, o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e outros órgãos federais têm registrado uma tortura similar à feita pelos EUA em Abu Ghraib, Iraque.
Enquanto as mortes acontecem sem cessar nessa guerra armada, os militares e políticos nada falam sobre aumentar o trabalho para internos, direito assegurado na Lei de Execução Penal (LEP), que no CE é de apenas 5% e RN 1%, ou de oferecer oportunidades de trabalho digno. Também não se fala em educação para internos, direito também assegurado na LEP, que no CE é de apenas 7% e RN 2%, ou oferecer oportunidades de formação e profissionalização.
Com mais de 90 ataques, incluindo a tentativa de explodir um viaduto, a ação do crime organizado trouxe à cena a força que estas facções têm no Ceará. Do outro lado, 371 novos policiais militares foram empossados e 2080 agentes das forças nacionais chegam ao estado (1.500 militares das Forças Armadas Brasileiras (FAB), 500 policiais da Força Nacional de Segurança e 80 agentes penitenciários da Força de Intervenção Penitenciária). Essa ação monta uma guerra ostensiva que tem caráter imediato, mas que não resolve o problema. Não é a primeira vez que a cidade é paralisada por conflitos entre Estado do Ceará e crime organizado, instalando-se pelos dois lados o medo e o terror ovacionado pela mídia e capaz de legitimar no inconsciente coletivo as piores chacinas de vidas “não vivíveis” ou “menos vivíveis” para a ordem capitalista racista. Nessa guerra, quem sofre é o povo pobre e não apenas no cenário atual, mas há longo tempo.
Fortaleza é a capital com mais homicídios de adolescentes do Brasil, com Índice de Homicídios na Adolescência (IHA) de 10,94%, segundo o estudo Trajetórias Interrompidas, divulgado pelo UNICEF, resultado do trabalho do Comitê Cearense pela Prevenção de Homicídios na Adolescência. Muitas desses assassinatos são anunciados, pois mais de 50% dos adolescentes vítimas de homicídio haviam sido ameaçados antes de ser mortos. Em quase metade (46%) dos 146 casos analisados na Capital, esses adolescentes haviam cumprido alguma medida socioeducativa. Nas demais cidades pesquisadas, esse percentual é de pouco mais de um terço (35%). Ainda segundo o estudo Trajetórias Interrompidas, a grande maioria das vítimas de homicídios são meninos (97,95%) e negros ou pardos (65,75%). O estudo mostra que 67,1% viviam em lares com renda familiar entre um e dois salários-mínimos, enquanto 68,7% eram beneficiados pelo programa Bolsa Família. Além disso, Fortaleza é considerada a segunda cidade mais violenta do Brasil e a sétima do mundo, segundo estudo divulgado em março de 2018 pela ONG do México “Seguridad, Justicia y Paz”.
O perfil dos jovens mortos atendem ao critério de raça e classe: são jovens pretos e pobres. As facções são o espantalho que respondem por cadáveres que nunca viram. Os jovens que morrem na periferia podem nunca ter passado por uma facção, mas a justificativa sempre será a mesma, para legitimar os “autos de resistência” que fazem vítimas dezenas de jovens por dia no Ceará.
O problema da violência, que para o Estado vem na figura do “inimigo”, esconde por trás da lógica de guerra, uma crise complexa. A política de drogas aliadas ao direito penal brasileiro aprisionam mais de 29 mil pessoas no Ceará. Métodos como a velha crença na punição e no encarceramento nunca deram certo e sabemos; vejam só a superlotação dos presídios, nós temos a 3ª maior população carcerária do mundo e 67% desses presos e presas são Negros e Negras, segundo o próprio Ministério da Justiça. Com superlotação em todos os presídios, cerca de 53% dos presos são de regime provisório, que em teoria deveriam esperar julgamento em liberdade, mas que enquanto isso, o Estado prefere gastar em média R$ 2.400, por preso, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Em relação à escolarização, os dados indicam que oito em cada 10 presos estudaram, no máximo, até o ensino fundamental. Com isso percebemos que é o povo pobre, preto e marginalizados que lotam os presídios, e que historicamente teve serviços sociais negados.
Já está mais do que óbvio que estes métodos não foram criados para solucionar nada, eles fazem parte de um sistema caótico de criminalização da pobreza e com ela, um controle do povo Pobre e Preto para o desfrute dos burgueses ricos, em sua maioria homens brancos. Mais do que um jogo entre bem e o mal, justificando a repressão de cima pra baixo, os donos do mercado mais lucrativo do mundo, o tráfico de drogas, que pode chegar a 2 Trilhões de dólares por ano, não têm nenhum interesse pela sua saúde. Não há um tipo de poder paralelo do crime, quando está se falando entre os de cima, o estado é mais do que cúmplice nessa história, o que não pode nos espantar em um mundo capitalista onde ganhar dinheiro é a única regra.
E ao contrário das forças policiais e dos programas policialescos, devemos diferenciar os grandes traficantes dos pequenos (os varejistas). No presídio feminino do Ceará, Auri Moura Costa, aproximadamente 60% dos casos são por conta de tráfico de drogas. As mulheres acabam ocupando postos secundários na estrutura do tráfico e passam também pela rotina de lotação. Em sua maioria, são analfabetas funcionais e “segundo dados da Pastoral Carcerária, cerca de 85% dos homens presos recebem visitas femininas, de suas companheiras, de suas namoradas, suas esposas, enquanto apenas 8% das mulheres continuam recebendo visitas”. (Informativo Fábrica de Imagens, Edição nº 9, 2012)
A polícia matou mais na guerra às drogas, do que todas as substâncias psicoativas juntas. A causa de morte aqui é ser pobre e negro, podendo ser criminalizado/a por estar com algum “bagullho” no meio da noite nas periferias ou então ser “agraciado” com um kit flagrante pela PM – kit composto por alguns materiais que tem o objetivo de incriminar os/as periféricos/as, como foi o caso do Rafael Braga, jovem negro e pobre que, em janeiro de 2016, foi preso com flagrante forjado.
A postura do governo do estado do Ceará em enfrentar o crime através da militarização das ruas, encontra guarita na nova política do Governo Bolsonaro, mesmo sendo de campos políticos que se confrontam diariamente. Camilo Santana (PT) pretende dialogar com Bolsonaro (PSL) e para isso acaba de criar um cargo específico de interlocução entre o Governo do Estado e o Governo Federal. Por isso, nós anarquistas insistimos que a política eleitoral é uma farsa. Sabemos que o resultado é sempre o massacre e o extermínio da juventude pobre e preta seja nas favelas ou nos presídios, sejam de facção ou não.
O crime e o Estado Policial têm lugar certo para atuar e pessoas certas para matar. Em nenhum deles encontraremos soluções para a vida. Há de se lutar nas comunidades, periferias e favelas de forma autogestionária, horizontal e por ações diretas. A cada ação, buscar fortalecer o povo oprimido e consolidar nossa força, construindo o poder popular. Deste modo, se hoje estamos acuados, é preciso nos mantermos firmes na resistência, sempre a caminho da revolução que trará um mundo novo, mais justo, livre e igual para todos e todas.
Organização Resistência Libertária
07 de Janeiro de 2019