out 272017
 

NOTA EM SOLIDARIEDADE À FEDERAÇÃO ANARQUISTA GAÚCHA

A atual conjuntura política tem sido dramaticamente sentida pela população brasileira. Isso tem se dado primeiramente pela retomada da cartilha do liberalismo (arrocho fiscal e cortes nos direitos sociais) e, principalmente, pela podridão parlamentar, que legitima os atos do governo golpista de Temer e seus criminosos. Tudo isso, com o silêncio profundo do judiciário, o mais acentuado corrupto dos poderes.

Independente de todo esse estado de coisas e contra tudo isso, as ruas se movimentam. Malgrado a letargia da população que muitos apontam ante os escândalos diários da política nacional, são muitos os movimentos sociais que teimam em se manter de pé de norte a sul desse país. Movimentos sociais e organizações políticas de esquerda resistem e lutam diariamente, ombro a ombro com a população nos campos e nas cidades. Nesse embate feroz com os “de cima”, a criminalização das lutadoras e dos lutadores é uma regra. Muitos de nós somos presos(as) e mortos(as), como signos que somos das injustiças sociais desse país e do mundo.

A Organização Resistência Libertária, integrante da Coordenação Anarquista Brasileira, vem a público se solidarizar com os nossos irmãos e irmãs da Federação Anarquista Gaúcha, assim como com a Ocupação Pandorga da Azenha e do Movimento Parrhesia, que no último dia 25 de outubro tiveram seus espaços invadidos pela Polícia Civil e tiveram suas publicações e equipamentos de trabalho sequestrados pela operação repressiva do governo gaúcho.

Chamamos atenção ainda, uma vez mais, para a grave perseguição ideológica que o Anarquismo tem sofrido, sobretudo nos últimos anos. É preciso denunciar em voz alta a ação criminosa da polícia gaúcha, via forja de provas e a perseguição política e ideológica. Agora a criminalização se abate sobre nós, anarquistas, amanhã será também contra todos e todas que sonham e criam todos os dias a necessária transformação social dessa sociedade. E por esse motivo é preciso afirmar sempre.

LUTAR NÃO É CRIME!!!

CONTRA A CRIMINALIZAÇÃO DO ANARQUISMO E DA ESQUERDA!!!

RODEAR DE SOLIDARIEDADE OS(AS) QUE LUTAM!!!

Organização Resistência Libertária (ORL/CAB)

26 de outubro de 2017

 

out 222017
 

AS MULHERES NA REVOLUÇÃO RUSSA: MEMÓRIA E RESISTÊNCIA NO CENTENÁRIO

Cem anos nos separaram da convulsão social que deu origem à Revolução Russa. Seus efeitos foram sentidos em todo o globo e influenciaram diversos outros processos revolucionários com suas ideias. No Brasil, a Greve Geral de 1917 teve profunda influência da Revolução Russa, com a atuação predominante de anarquistas. A influência também se deu em relação ao método, a partir do que alguns chamaram de “Soviete do Rio”, que foi uma tentativa de insurreição anarquista no Rio de Janeiro, reproduzindo aqui o que fora a “tomada do palácio de inverno”.

Com o passar dos anos, ficou claro que a Revolução estaria hegemonizada pelos bolchevistas, mas sabemos que o desenvolvimento do processo revolucionário, bem como o início da construção de uma nova sociedade naquele momento histórico, teve a participação de anarquistas: nos sovietes, nos exércitos e na imprensa revolucionária. O desenvolvimento da Revolução não estava dado a priori e vários projetos revolucionários foram envolvidos e disputados na luta contra o capitalismo e o czarismo.

A maior força anarquista se concentrou na organização dos sovietes, que eram órgãos de união e coordenação das lutas operárias em escala local, inicialmente autônomos, e na Maknovitchina, na Ucrânia, com organizações populares, assentamentos de camponesas e camponeses e um exército organizado por Makno.

Sem dúvidas, quando pesquisamos sobre anarquistas se organizando na Revolução Russa, as fontes nos levam a uma história protagonizada por homens, fruto da supremacia masculina. Não se trata de negar a importância dos companheiros para o processo revolucionário, mas urge tirar do silenciamento a história e o papel das mulheres-militantes na Revolução.

Lançando um olhar mais atento e feminista para a Revolução Russa, enxergamos a presença e o envolvimento das mulheres em várias pautas: patriarcado, equiparação de salários, violências machistas, relações afetivas, matrimônio, maternidade, saúde da mulher, descriminalização do aborto etc.

Além disso, as mulheres da Revolução Russa desafiam concepções constantes nas organizações políticas da esquerda: que mulheres militam, pesquisam e produzem apenas sobre questões de gênero. Aqui, vemos mulheres anarquistas discutindo, planejando e marcando posições políticas em diversas questões: sobre o triunfo da Revolução; a necessidade e a problematização das alianças; a organização dos sovietes; o enfrentamento ao bolchevismo; a luta armada na Maknovitchina; a necessidade de organização de anarquistas; a posição que anarquistas deveriam ter na Primeira Guerra Mundial etc.

Para essas mulheres, não existia um etapismo que secundarizava a luta pela emancipação da mulher. Não há também, para nós, a escolha entre a nossa emancipação e um projeto revolucionário “maior”. Nossa luta faz parte deste projeto revolucionário e para nós só há sentido em lutar pelo socialismo libertário se estivermos lutando pelo feminismo. E sabemos que devemos construir essa luta a partir do dualismo organizacional trazido a nós pelo especifismo: na organização política e nos movimentos sociais.

Queremos, com esse pequeno texto biográfico,saudar a memória e a resistência de nossas ancestrais: mulheres feministas e anarquistas que lutaram contra o capitalismo, o Estado e o patriarcado. Para isso, escolhemos cinco mulheres: Maria, Marie, Fania, Ida e Emma.

Saudações Feministas!

Saudações Anarquistas!

Construir Mulheres Fortes!

Construir um Povo Forte!

 

 

Maria Grigovena Nikiforova

Comandante Anarquista na Ucrânia

Maria GrigovenaNikiforova, ou Mariucha, como era conhecida, nasceu em Alexandrovsk, atual Zaporizhia, na Ucrânia, em 1885. Começou a trabalhar fora de casa aos 16 anos, passando por diversos e breves empregos, até encontrar trabalho em uma fábrica de bebidas, localizada em uma área da cidade que vivia as contradições sociais de um processo de industrialização recente.

A partir de seu trabalho e organização na fábrica, encontrou um grupo anarco-comunista com o qual passou a militar e onde esteve envolvida com saques para financiá-lo. Durante uma dessas atividades, foi presa pela polícia e acusada de assassinar um policial e participar de uma série de expropriações. Em 1908, foi condenada a morte, mas sua pena foi substituída por 20 anos de trabalho forçado, inicialmente cumpridos em São Petersburgo e depois na Sibéria, após ser banida. Na Sibéria, organizou rebeliões na prisão e conseguiu fugir para Japão e EUA, ajudada financeiramente por companheiros anarquistas.

Nos EUA, encontrou um grupo de anarquistas russos exilados e escreveu através de vários pseudônimos na imprensa libertária. Em 1913, instalou-se em Paris, onde teve contato com artistas, demonstrando interesse por pinturas e escrituras. Nesse período, uniu-se com o anarquista polonês WitoldBzhostek. Além disso, participou, em Londres, de uma conferência de anarco-comunistas russos exilados, sendo representante de uma das 26 delegações.

Em 1917, chegou em Paris a notícia do início da Revolução Russa e Mariucha seguiu para Petrogrado. Na Rússia, participou de reuniões em Kronstadt, instando os marinheiros a se rebelarem contra o governo provisório. Em julho de 1917, voltou à Ucrânia, onde, em Alexandrovsk, juntou-se a Nestor Makhno, para participar de uma manifestação em 29 de agosto de 1917.

Em setembro de 1917, Mariucha liderou soldados que cercaram o quartel-general do exército. Após o saque, ela determinou que os comandantes fossem executados e que as armas capturadas fossem enviadas ao exército Makhnovista, ocasião em que foi presa. No dia seguinte, foi convocada uma grande manifestação para sua liberdade, à qual Mariucha se referiu instando os trabalhadores a lutar por uma sociedade livre de toda autoridade.

Após a revolução de outubro, Mariucha se uniu ao Exército Negro, assumindo as unidades cossacas. Sua aliança com o exército Makhnovista lhe rendeu dois processos montados por pelos bolcheviques: um por insubordinação e outro por saques em 1918 e 1919.

Em ambos os julgamentos, contou com ajuda da amiga e feminista bolchevique Kollontai e do amigo bolchevique Antonov-Ovseenko, que havia conhecido em Paris. Mesmo assim, foi proibida de exercer qualquer cargo político ou comando por um ano. Voltando para Makhnovicthina, foi mantida como membro importante do exército, mas como Makhno não queria violar sua aliança com o Exército Vermelho, ele se recusou a lhe conceder qualquer posição de comando.

Com o ataque à Makhnovicthina pelos Exércitos Branco e Vermelho, a situação ficou insustentável. Diante de uma guerra em duas frentes, Maria e seu companheiro WitoldBzhostek organizaram um grupo de lutadores para combater o Exército Branco em Sebastopol, onde foram presos em 11 de agosto de 1919 e fuzilados.

Fontes: 

http://www.blackcatpress.ca/atamansha.html

http://www.katesharpleylibrary.net/t76jvf

Emma Goldman

A anarco-sindicalista mais perigosa dos EUA

Emma é certamente, no Brasil, a mais conhecida mulher anarquista que militou na Revolução Russa. Muito provavelmente devido à grande temporada que viveu nos EUA e à profunda influência no anarco-sindicalismo latino-americano, há muito material sobre Emma em espanhol e em português, o que facilita a pesquisa e a produção sobre essa grande mulher. Emma nasceu em Kaunas, na Lituânia, em 1869, e faleceu em Toronto, no Canadá, em 1940.

Embora Emma tenha nascido no Império Russo, ainda muito nova emigrou para os EUA, em 1885. Em Nova York, trabalhou em fábricas de costura, onde conheceu e começou a fazer parte de movimentos anarco-sindicalistas. Ficou conhecida por suas conferências que reuniam milhares de pessoas e por seus incontáveis ensaios publicados na imprensa anarquista local, mesmo com as inúmeras barreiras impostas pelo patriarcado e enfrentadas pelas mulheres-militantes para que pudessem se organizar e ter voz ativa nos sindicatos. Em 1906, fundou o jornal anarquista Mother Earth.

Seus textos tratavam sobre o anarquismo, os problemas sociais, o anarco-sindicalismo, a necessidade de organização e também sobre a luta, a vida e a emancipação das mulheres na militância e nos espaços domésticos. Emma tem o mérito de ter invadido os espaços privados dos relacionamentos sem pedir licença, sem acatar a tese de que o que ali acontecia deveria ser secundarizado em prol de um projeto revolucionário “maior”. Emma se preocupou em escrever e problematizar as mais sutis relações de violências machistas em espaços domésticos, de trabalho e de militância, atribuindo a libertação da mulher como elemento necessário para a libertação da humanidade.

Emma conheceu, nos EUA, Berkman, que também era anarquista e se veio a se tornar seu amante e companheiro pelo resto da vida. Em 1982, Berkman e Emma planejaram o assassinato do industrial Henry Clay Frick. Como resultado, Berkman foi condenado a 22 anos de cadeia.

Emma seguiu na construção da luta sindical por anos, sendo condenada por incentivar motins nos sindicatos, distribuir ilegalmente informações sobre métodos anticonceptivos e incentivar a não-filiação militar, o que ocasionou sua prisão por dois anos. Em 1918, o Governo dos EUA editou o segundo Ato de Exclusão Anarquista, deportando Emma junto com centenas de outros militantes para a Rússia.

Inicialmente simpatizante da Revolução Bolchevique, como havia publicado na imprensa anarquista estadunidense, Emma não demorou a expressar publicamente sua oposição à violência contra os sovietes e as organizações populares independentes. Há relatos de uma conversa entre Emma e Kollontai, feminista dirigente do partido bolchevique e comissária do povo para a Assistência Pública no primeiro Governo Revolucionário. Nessa conversa, Emma pediu à Kollontai para que interviesse contra a repressão e o governo bolchevique autoritário que estava esmagando a organização dos sovietes e silenciando anarquistas. Kollontai respondeu à Emma que “esquecesse” esses pequenos problemas e assumisse um cargo no Ministério da Saúde para trabalhar com as mulheres, o qual a anarquista recusou. Emma também conversou com Lênin, que considerou o autoritarismo do governo bolchevique uma medida necessária ao triunfo da revolução.

Em 1921, Emma e Berkman se retiraram da Rússia por não conseguirem desenvolver militância, pois eram constantemente vigiados pelo partido bolchevique. Saíram da Rússia e permaneceram no exílio, no qual Emma publicou suas experiências durante a Revolução, que se tornaram os livros Minha Desilusão com a Rússia (1923) e Minha Nova Desilusão com a Rússia (1924). Fora da Rússia, Emma se instalou inicialmente na Alemanha, passando também pela França. Mais tarde, instalou-se ainda em Londres. Em 1928, começou a escrever sua autobiografia, publicada posteriormente com o título Vivendo Minha Vida.

Na década de 1930, vários livros de Emma já estavam traduzidos para inúmeras línguas, tornando-se influência para diversos pensadores libertários e formando opiniões políticas anarquistas sobre a Rússia Soviética. Em 1934, o escritor chinês Ba Jin publicou seu livro The General, orConfessions – The OutcryofMy Soul, dedicando-o a Emma Goldman.

Em 1936, com quase 70 anos, Emma recebeu a notícia da Guerra Civil Espanhola e seguiu entusiasmada pra Espanha, onde foi recepcionada pela Confederação Nacional do Trabalho (CNT) e pela Federação Anarquista Ibérica (FAI), passando a colaborar na tradução do boletim informativo da CNT-FAI para o inglês e a escrever com frequência para o jornal A Espanha e o Mundo. Após deixar a Espanha, Emma passou a ser uma representante oficial da CNT-FAI em Londres. Emma faleceu em Toronto, no Canadá, em 1940.

Fontes:

http://www.nu-sol.org/artigos/ArtigosView.php?id=46

https://docviewer.yandex.com/?url=ya-disk-public:///X9QhTjLUmOuFgnFldQLbz+Wj/uyEc5o3QuOEJ7Vhns=&name=Mi%20mayor%20desilusión%20con%20Rusia.pdf&c=58d845decd71”c=58d-845decd71

http://www.anarquista.net/emma-goldman/

Ida Mett

Uma mulher na redação da Plataforma

Ida Gilman, mais conhecida pelo pseudônimo de Ida Mett, foi uma anarquista russa nascida em 20 de julho de 1901, em Smorgon (antigo Império Russo e atual Bielorússia). De família judia, seus pais eram comerciantes de tecido. Estudou medicina em Kharkov e em Moscou, cidade onde iniciou seu envolvimento com os círculos anarquistas e onde foi detida por realizar atividades subversivas e anti-soviéticas. Em 1924, viu-se obrigada a partir para o exílio, pouco antes de obter o diploma em medicina, a fim de evitar sua prisão. Sua fuga clandestina da Rússia bolchevique só foi possível graças à ajuda de contrabandistas judeus. Durante dois anos, viveu na Polônia na casa de parentes.

No outono de 1925, chegou a Paris via Berlim, onde manteve contatos com outros anarquistas russos emigrados como Volin, Archinof e Nicolas Lazarévitch, todos membros do grupo Vontade do Povo. Em Nicolás, Ida encontrou um companheiro nas ideias e na vida.

Em 1926, juntamente com Makhno, Archinov, Valevsky e Linsky, Ida participou da criação e redação da Plataforma Organizativa para uma União Geral de Anarquistas, documento assinado pelo Grupo DieloTruda (Causa Operária), título do órgão do Grupo de Anarquistas Russos no Estrangeiro, jornal no qual Ida Mett realizava tarefas editoriais. Ajudou também na correção das memórias de Nestor Makhno, em 1926 e 1927. Em 1928, Ida e Nicolas foram excluídos do Grupo DieloTruda, acusados de realizar ritos religiosos por terem ascendido um círio na cerimônia do funeral do pai de Ida, Meyer Gilman, como era de costume na comunidade judia.

Ida e Nicolás iniciaram, na França, Bélgica e Suíça, uma campanha de denúncia e informação sobre as condições de vida em que vivia a classe trabalhadora na Rússia. Até sua expulsão da França, em 25 de novembro de 1928, editaram o jornal La Libérationsyndicale.

Refugiados na Bélgica, Ida retomou seus estudos de medicina, obtendo licenciatura em 1930. Porém, nunca pôde exercer a profissão, nem na França nem na Bélgica. Nicolás, por sua vez, trabalhou dois anos como mineiro. Os dois frequentaram os círculos anarquistas, nos quais tornaram-se amigos de numerosos anarquistas espanhóis que estavam no exílio, entre eles Francisco Ascaso e Buenaventura Durruti, cujas teses da Plataforma e da experiência revolucionária ucraniana puderam ser conhecidas de primeira mão.

Logo após a proclamação da República na Espanha, em 1931, Ida entrou clandestinamente no país, onde participou de numerosos atos convida por Ascaso e Durruti. No ato de Primeiro de Maio, em um comício organizado pela CNT de Barcelona, Ida e Volin, representaram o movimento anarquista russo. Após o comício, uma manifestação acabou resultando num tiroteio na Plaza de la República, momento em que Ida teria demonstrado suas aptidões médicas tratando de um ferimento a bala que Ascaso recebera no braço.

Em novembro de 1931, Ida e Nicolás retornam à Bélgica, e, em 1932, nasceu seu filho Marc. Em 1933, fundaram, com Jean De Boë, o jornal Le Réveilsyndicaliste. Ida Mett trabalhou como farmacêutica e retomou seu ativismo anarquista. Após uma manifestação antibelicista em Bruxelas, Ida e Nicolás foram perseguidos pela justiça. Ida foi condenada por um tribunal a 15 dias de prisão e lhe foi imposta uma multa. Por causa da condenação, Ida perdeu seu trabalho e se viu sujeita a sérias dificuldades, que, apesar de tudo, não lhe impediram de solidarizar-se na campanha de apoio a Francesco Ghezzi, Victor Serge e os anti-stalinistas presos na URSS.

Em 1936, novamente instalada de forma ilegal na França, retoma sua vida junto a Nicolás, que acabava de sair da prisão. Ida, muito ativa no campo sindical, foi nomeada secretaria do Sindicato de Trabalhadores do Gás. Colaborou na revista La Révolutionprolétarienne, da qual havia sido correspondente na Bélgica durante vários anos. Ida também colaborou em Le Libertaire, publicando habitualmente artigos sobre os processos de Moscou. Em 28 de agosto de 1936, publicou um artigo intitulado “Stalin extermina a geração de Outubro”, no qual denunciava o caráter totalitário da vida imposta na Rússia pelo stalinismo. Em 11 de setembro de 1936, insistiu na denúncia do stalinismo, constatando sua influência contrarrevolucionaria na Guerra da Espanha, defendendo que os revolucionários espanhóis deveriam considerar os stalinistas como inimigos tão perigosos como os fascistas para o triunfo da causa revolucionária.

Ainda em 1938, teve início uma grave discrepância entre Ida e a redação de La Révolutionprolétarienne, referente ao anti-semitismo, – o que a fez deixar de publicar nessa revista. Em 8 de maio de 1940, Ida e Nicolás foram detidos e separados. Nicolás foi internado no duríssimo campo de concentração de Vernet. Ida foi internada, junto com seu filho Marc, de 8 anos, no campo de Rieucros (Lozère), do qual saiu em abril de 1941, graças a intervenções de Boris Souvarine, obtendo a residência vigiada em La GardeFreinet (departamento de Var). Em 1942, ambos puderam se instalar em Draguignan até a primavera de 1946.

Entre 1948 e 1951, Ida trabalhou como médica em um sanatório para crianças judias tuberculosas em Brunoy. Dos anos quarenta até sua morte, trabalhou como tradutora técnica na indústria química.

Na década de 1950, Ida formou parte da redação da prestigiosa revista Est-Ouest, que, em 1957, publicou dois números especiais sobre a Rússia e o stalinismo, nos quais Ida interveio destacadamente. O número 168, de fevereiro, intitulava-se Le Communismeeuropéendepuislamort de Staline, e o número 180, de outubro, apareceu sob o título Histoire et Bilan de laRévolutionsoviétique. Os artigos de Ida eram publicados sem assinatura ou sob o nome de Ida Lazarévitch.

Ida Mett morreu em Paris em 27 de junho de 1973. Os arquivos documentais de Ida foram depositados no Instituto Internacional de História Social (IISG) de Amsterdam. Ida é autora de inúmeras obras: Ausecours de Francesco Ghezzi, unprisonnier Du Guépéou (1930), La Comuna de Cronstadt: crepúsculo sangriento de lossoviets (1948), La médecineen URSS (1953), L’écolesoviétique: enseignementsprimaireetsecondaire (1954), Le paysanrussedanslarévolution et la post-révolution (1968), Souvenir sur Nestor Makhno (escrito em 1948 e editado postumamente em 1983).

Maria Isidorovna Goldsmith

Solidariedade russa no exílio

Maria Isidorovna Goldsmith nasceu em 19 de julho de 1871 na Rússia. Seu pai, Isidor, publicou Znanie, uma revisão de orientação positivista. De acordo com o historiador Max Nettlau, Isidor foi exilado para o norte por suas opiniões, primeiro para Pinega e mais tarde para Arkhangsk. Nettlau acredita que Isidorovna nasceu em um desses lugares de exílio do seu pai. Sua mãe, Sofia Ivanova Goldsmith, era uma seguidora do escritor socialista-revolucionário Labrov. O pai de Goldsmith morreu quando ela ainda era jovem. Assim como sua mãe, Maria interessava-se por política e ciência natural, o que serviu de base para terem um relacionamento próximo e durante toda a vida. Em 1888, as duas deixaram a Rússia e se estabeleceram em Zurique, na Suíça.

Em 1890, chegam à Paris. Goldsmith ingressou na vida política pelos passos trilhados por sua mãe. Como a mãe, ela se tornou membro dos Estudantes Revolucionários Socialistas Internacionais (um ramo dos Socialistas Revolucionários russos no exílio) em junho de 1892, estando sempre ativa na edição de panfletos.

Sua presença era constante em círculos de exilados russos e, a partir desse contato, tornou-se anarquista. No entanto, mantinha relações com SocialistasRevolucionários, para quem continuou a editar panfletos por um tempo, apesar das divergências políticas. Aos poucos, Goldsmith diminuiu seus compromissos com Socialistas Revolucionários e se tornou cada vez mais ativa entre os anarquistas, sobretudo no círculo de anarquista exilado em Paris.

Em 1897, Goldsmith começou a se corresponder com Peter Kropotkin, uma troca de cartas que deveria continuar pelo menos até 1917. Há um problema para análise deste contato, pois apenas as cartas recebidas por Goldsmith foram preservadas. Em seu exílio na Inglaterra, Kropotkin estava em um estado, talvez justificável, de excesso de precaução. Por isso, ele queimou todas as suas correspondências. Assim, temos apenas suas cartas para Goldsmith para análise. Para agravar ainda mais a situação, a maior parte delas foram escritas em russo e apenas algumas são em francês. As letras russas ainda aguardam tradução. Goldsmith realmente se tornou a maior correspondente de Kropotkin com cerca de 400 peças preservadas na coleção Nicolaevsky em Paris. Como tal, ela foi uma das principais influências sobre o pensamento posterior de Kropotkin, ainda que ela tenha discordado dele em certos pontos. Ela era, na verdade, o principal correspondente político na vida de Kropotkin no exílio. O número de suas cartas para ela só é ultrapassado pelo número de correspondências de Kropotkin para seu irmão, como Martin A. Miller, um dos mais respeitáveis biógrafos de Kropotkin, diz em suas notas para sua biografia. A coleção de cartas entre Goldsmith e Kropotkin contém seis volumes.

Goldsmith tornou-se a figura principal entre os exilados russos em Paris, e as reuniões de grupo anarquista aconteciam em seu apartamento. Foi durante este período que ela adotou o pseudônimo ‘Maria Korn’. Goldsmith também começou uma produção prolífica para a imprensa libertária, escrevendo em russo, francês, inglês e italiano para publicações em toda a Europa e América do Norte. Ela também conheceu outra recém-chegada, Emma Goldman, quando esta estava na Europa entre 1895 e 1896, em uma turnê para a campanha para a libertação de Alexander Berkman da prisão. Goldman se encontrou com outros anarquistas parisienses na casa de Goldsmith.

Goldsmith também foi proeminente em círculos anarquistas não-russos, embora seu foco principal estivesse no movimento russo. Na conferência de Londres de 1906 com anarquistas russos no exílio, ela foi autora de nada menos do que três dos relatórios, “no assunto da política e da economia, na organização e na greve geral”. Em 1914, foi uma das oradoras em Paris no aniversário da morte de Bakunin. Também ajudou a organizar reuniões sobre as comemorações da Comuna de Paris e dos mártires de Haymarket. Entretanto, sua principal contribuição foi como um dos fundadores e um dos principais escritores do jornal de língua russa Khleb i Volia (Pão e Liberdade), publicado em Genebra de agosto de 1903 a novembro de 1905 e contrabandeado para a Rússia. Sob a influência da recentemente bem sucedida CGT francesa, ela promoveu as idéias de anarco-sindicalismo em seus escritos. Seus escritos sobre este assunto foram, maistarde, produzidos como o panfleto “Sindicalismo Revolucionário e Anarquismo” em Moscou/Petrogrado em 1920.

Publicou também na imprensa libertária, incluindo a La Libre Fédération (Lausanne, 1915-1919), LesTemps nouveaux (Paris, 1919- 1921) e Plus Loin (Paris, 1925-1939).

Goldsmith estudou biologia na Universidade de Paris em Sorbonne. Em 1894, obteve seu diploma de graduação e mais tarde seu mestrado. Ela trabalhou nesta instituição por muitos anos em associação com seu colega biólogo Yves Delage. Goldsmith teve uma carreira científica longa e distinta, tanto como associada de Delage, como por conta própria. Publicou pelo menos dez livros no campo da Biologia. Ela também foi editora de ‘L’annéebiologique’ de 1902 a 1924. No entanto, teve que lutar nos últimos anos de sua vida para encontrar emprego científico. Trabalhou sob a duplo fardo de ser mulher e de ser indubitavelmente conhecida por seus pontos de vista anarquista, apesar de seu uso de pseudônimos. Goldsmith suicidou-se 11 de janeiro de 1933.

Fontes:

https://libcom.org/history/goldsmith-marie-her-life-thought

Fania Kaplan

A anarquista russa que atirou em Lênin

“Meu nome é Fania Kaplan. Hoje atirei em Lenin. O fiz com meus próprios meios. Não direi quem me proporcionou a arma. Não darei nenhum detalhe. Tomei a decisão de matar Lênin há muito tempo. O considero um traidor da revolução.” Fania Kaplan Fania Efimovna Kaplan nasceu em 18 de fevereiro de 1890, em um povoado da região de VolynskayaGuvernia (hoje uma região próxima a Kovel, no oeste da Ucrânia), uma de oito irmãos de uma família religiosa judia. Nasceu em uma cultura que conseguiu se aproximar de uma vivência da liberdade a partir da morte de grandes tiranos, algo que veio a influenciar seus atos enquanto militante.

Durante a Revolução de 1905, aproximou-se do anarquismo e participou de grupos organizados em Kiev e Odessa. Neste lugar, encontrou pela primeira vez “as/os clandestinas/os”. Em 1905, incluiu-se no grupo “anarquista-comunista do sul” e participou em ações armadas. No grupo, assumiu o nome de “Dora”.

Dora Kaplan, em ações diretas contra o czarismo russo, perdeu parcialmente a visão em uma explosão. Foi condenada à morte pelo juizado militar de Kiev, mas, como ainda era menor de idade (e provavelmente por ser mulher), sua pena foi trocada para prisão perpétua em Katorga, na Sibéria. Em 1907, chega à Sibéria praticamente cega e com mãos e pés acorrentados por sua “tendência a fugir”. Além de quase cega e parcialmente surda, sofria fortes dores e entrou em depressão. Recebeu tratamento em um hospital e depois voltou a outro cárcere em Katorga.

Ali, em 1911, encontrou à celebre terrorista MaríaSpiridonovna e, segundo a versão soviética, sob sua influência, afastou-se do anarquismo em função das ideias dos SRs (socialistas revolucionários). Mas, na verdade, até a sua morte, Fania continuou sendo anarquista. Em 1917, Fania foi liberada depois da Revolução de Fevereiro. Em seguida, viveu um tempo em Chita e depois foi para Moscou com outra companheira “SR”.

Em Jarkov, finalmente operada da vista, começou a trabalhar organizando cursos para operárias/os, instruindo-as/os sobre como organizar assembleias autônomas locais. Com a Revolução de Outubro, o crescente poder Bolchevique esmagou as assembléias locais em sua fúria centralista. Nesse momento, Fania soube o que queria: a auto-organização anarquista.

Os bolcheviques, à época, em sua loucura pelo centralismo do poder, já haviam condenado qualquer opositor de suas ideias a “reacionários”, “pequeno-burgueses” e “inimigos”, criando mecanismos sanguinolentos de repressão como o ataque armado e os campos de concentração para inimigos políticos. Fania Kaplan passou para a história soviética como uma terrorista SR e não como uma anarquista.

Em 13 de agosto de 1918, em uma ocasião em que Lênin se apresentaria publicamente em meio a trabalhadoras/es, às 22:30, no pá- tio da fábrica, no momento em que ele se encaminhava para entrar em seu carro, Fania gritou seu nome. Quando Lênin virou, ela disparou três tiros contra ele. Errou um, os outros dois atingiram o ombro e o pulmão esquerdo. Fugiu rapidamente, mas foi capturada por operários na rua ao lado. Lênin nunca se recuperaria totalmente. Fania declarou, com orgulho, o seu intento e disse que o planejava desde fevereiro, quando, em sua opinião, as ideias socialistas recrudesceram décadas com ações bolcheviques. Considerava Lênin um traidor.

A maior surpresa para os seguidores de Lênin foi a declaração de Fania de que havia pensado e preparado tudo por conta própria, sem a cooperação de nenhum partido ou grupo. O assunto se converteu em algo muito incômodo para o poder bolchevique e, em 3 de setembro de 1918, depois de seu contínuo rechaço em colaborar com os investigadores, Fania foi fuzilada no pátio de Kremlin, sem nenhum julgamento.

Todas/os as/os SRs foram exterminadas/os, assim como toda oposição ao autoritarismo. Em 1921, quando Gastón Leval se encontrava na Rússia para entrevistar Lênin, este lhe disse que as/os anarquistas russas/os não eram como os do ocidente, pois eram traidores e contra-revolucionárias/os. Neste mesmo ano, multiplicaram-se os campos de concentração para inimigos políticos.

Fania não só foi um exemplo vivo da teoria e da prática convergidas em uma só fórmula, mas foi o rosto visível que se opôs com palavras e atos ao domínio, independentemente de que cor esse fosse. É importante resgatar a sua memória tanto para uma radicalização do discurso antiautoritário quanto para a negação de qualquer tipo de governo ou Estado. Fania Kaplan, a anarquista que baleou Lênin, é uma experiência inspiradora para pensarmos em nossa própria libertação enquanto mulheres.

Fonte:

ttps://contramadriz.espivblogs.net/files/2017/01/Fania-Kaplan.pdf