mar 082018
 

Carta de Mulheres Anarquista para 8 de Março no Ceará

“[…] Tomem cuidado com as mulheres quando se cansem de tudo o que as rodeia e se levantem contra o velho mundo. Nesse dia um novo mundo começará.”

Louise Michel

Nós, mulheres da Organização Resistência Libertária, saudamos a todas as companheiras por mais um ano de luta e resistência. O ano de 2018, assim como os anteriores, será mais um ano de duro combate. A onda conservadora que se espraia pela América Latina chegou ao Brasil fortemente e nós, as mulheres de baixo, sentiremos cada vez mais nossos direitos sendo arrancados.

1. Contra a precarização dos nossos trabalhos

No Brasil, três em cada dez trabalhadoras estão na condição de informalidade, o que significa total exclusão de direitos trabalhista e previdenciários. A divisão sexual do trabalho intensifica a exploração da força de trabalho feminina, pois expulsa as mulheres para os postos de trabalho mais precários, com menores salários e menos direitos, mesmo dentro do mercado formal. Por isso, a terceirização e a reforma trabalhista, ambas aprovadas pelo Governo de Michel Temer, atingem nossas vidas de forma mais destruidora. A terceirização atinge os serviços mais precarizados – geralmente associados à manutenção e limpeza de estabelecimentos – e ocupados em sua maioria por mulheres negras. A reforma trabalhista permite que mulheres grávidas trabalhem em locais insalubres e o prolongamento da jornada de trabalho em até 220 horas mensais. Os efeitos do prolongamento da jornada para as mulheres significa uma completa precarização da vida, visto que já temos uma jornada tripla de trabalho, pois nosso trabalho no mercado formal ou informal se estende para o trabalho doméstico que não é remunerado, tampouco reconhecido pela sociedade e pela família patriarcal.

2. Contra a reforma da previdência

O deficit na previdência é um argumento ideológico mentiroso. Sua única finalidade é arrochar cada vez mais os investimentos em políticas públicas de seguridade social. O governo, através de seus meios de comunicação, busca enfiar goela abaixo a ideia de que a reforma da previdência é “um mal necessário”, pois se algo não for feito, o nosso país pode entrar em colapso econômico em um futuro próximo. Ao contrário do que afirma esse discurso falacioso, uma análise feita pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip) confirma que os cálculos apresentados pelo governo são falsos e manipuladores e que não existe deficit na previdência (https://www.anfip.org.br/reformadaprevidencia.php).
A Reforma da Previdência ignora a tripla jornada de trabalho das mulheres e busca, na sua proposta inicial e nas mudanças posteriores, aumentar a idade para a mulher se aposentar. Além disso, se for aprovada a reforma da previdência será destruidora para as mulheres camponesas, pescadoras, marisqueiras, seringueiras e indígenas, pois não será mais possível comprovar trabalho rural, tendo essas mulheres que provar a contribuição mensal, mesmo quando moram e trabalham no campo, onde os postos da previdência não chegam.

3. Contra o feminicídio

O feminicidio é o desfecho fatal de um ciclo de violência que nós mulheres sofremos diariamente. Segundo a pesquisa “Feminicídio no Brasil, uma proposta de análise com dados do setor de saúde” apresentada em outubro na Universidade de Campinas, o feminicídio tem três categorias: doméstica, reprodutiva e sexual. Os dados dessa pesquisa confirmam outros já anteriormente publicados e reiteram que as mulheres negras e pobres estão no topo de todas essas categorias. No Ceará, a taxa de homicídio de mulheres cresceu 330%. Segundo levantamento realizado pelo Jornal O Povo, em 2016 foram registradas 186 vítimas, durante o ano de 2017 houve 365 casos e até janeiro de 2018, foram registradas 43 mulheres mortas no Ceará.

4. Contra o racismo e o encarceramento do povo pobre

O racismo e o machismo – estruturais em nossa sociedade – aliados à guerra às drogas escolhem os principais alvos do Estado Penal. Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), o total de mulheres no sistema prisional brasileiro em 2017 era de 44.721. Em 16 anos aumentou em 698% o total de mulheres privadas de liberdade. Esses dados
mostram que o Brasil tem a quinta maior população carcerária feminina do Mundo. No Acre 100% de todas as mulheres presas são negras, o estado do Ceará tem 94%, e a Bahia tem 92% de mulheres presas negras. Entretanto, 43% das mulheres que estão detidas ainda não tiveram seus casos julgados em definitivo. Um estudo realizado pela Fiocruz com 241 mães que vivem com seus filhos em unidades prisionais foi divulgado em junho de 2017. Dados desse estudo nos mostram que: 36% delas não tiveram acesso adequado à assistência pré-natal; 15% afirmaram ter sofrido algum tipo de violência; 32% das grávidas presas não fizeram teste de sífilis e 4,6% das crianças nasceram com a forma congênita da doença. O Depen também informa que “A maior parte das mulheres submetidas a penas no sistema carcerário não possuem vinculação com grandes redes de organizações criminosas, tampouco ocupam posições de gerencia ou alto nível e costumam ocupar posições coadjuvantes nestes tipos de crime”.

5. Contra a intervenção federal militarizada

A intervenção federal militarizada orquestrada pelo Governo Temer e que serve às elites do Rio de Janeiro coloca nosso povo pobre em condições de recrudescimento de opressão, além da cruel conjuntura de corte de direitos sociais que enfrentamos no Brasil. Em tempos de guerra às drogas
e de intervenção militarizada no país, as mulheres das periferias
urbanas, que já são violentadas cotidianamente por sua condição social, de raça e de gênero, enfrentam o capitalismo militarizado de forma mais violenta. São essas mulheres que choram a prisão e a morte de seus filhos violentados e mortos pela polícia e pelo tráfico, pois as famílias das periferias são marcadamente matrilineares, quer porque o pai morreu também vítima da violência urbana, quer porque abandonou a família ou a mãe grávida. São essas mulheres, que mesmo com tantas dificuldades, descem o morro para trabalhar e sustentar a família e que agora estão perdendo os empregos pelo atraso em revista feita pelas forças armadas do Estado.

6. Contra a transfobia

O Brasil lidera o ranking de País que mais mata travestis e
transexuais no mundo. Segundo dados publicados, em novembro de 2016, pela ONG Transgender Europe (TGEu), nos últimos oito anos foram registradas 868 mortes de Travestis e Transexuais no Brasil. Em julho de 2017 a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) divulgou o mapa de assassinato de pessoas Transexuais no Brasil entre o período de janeiro a julho de 2017, contabilizando 91 mortes. O Ceará
vergonhosamente lidera o ranking com o registro de 11 mortes, entre as quais está o caso de Dandara dos Santos, assassinada brutalmente no dia 15 de fevereiro de 2017.

Todos esses dados são consequência da Transfobia, que é o preconceito, o ódio e a violência praticada contra pessoas travestis e transexuais. Inúmeras são as práticas de transfobia, dentre elas destacam-se a violência psicológica, a discriminação, a violência física, o assassinato e o feminicídio que fizeram vítima no Ceará também a travesti Hérica Izidório, agredida, espancada e jogada no viaduto quando andava na rua. A expectativa de vida da população Transexual é de 35 anos, ou seja, metade da expectativa do resto da população. Quando a transfobia encontra com o patriarcado e a supremacia branca, a violência ganha seus contornos mais cruéis. Além de sofrerem com a transfobia, mulheres trans e negras sofrem com o machismo e racismo estruturais em nossa sociedade.

A resistência é a vida!

Diante da atual conjuntura de corte de direitos e recrudescimento da opressão militarizada, é preciso ter punhos fortes contra o Estado, o capitalismo, o patriarcado, a supremacia branca e heteronormatividade. Nós, mulheres anarquistas, precisamos estar organizadas e em luta com o
nosso povo pobre e oprimido, desde baixo e à esquerda, construindo a luta por fora das instituições e em nossos locais de moradia, estudo e trabalho. Apenas a luta cotidiana e organizada nos levará à liberdade.

Construir mulheres fortes!
Construir um povo forte!

Organização Resistência Libertária
Coordenação Anarquista Brasileira

Fontes consultadas:

https://www.nexojornal.com.br/…/Que-pontos-da-reforma-traba…

https://www.anfip.org.br/reformadaprevidencia.php

http://reporterpopular.com.br/o-governo-mente-nao-existe-d…/

http://justificando.cartacapital.com.br/…/sistema-prisiona…/

https://resistencialibertaria.org/…/maos-dadas-e-punhos-cer…/

http://ultimosegundo.ig.com.br/…/201…/sistema-prisional.html

https://www.geledes.org.br/voce-sabe-o-que-e-feminicidio/

https://www.opovo.com.br/…/taxa-de-homicidios-de-mulheres-c…

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mar 062018
 

Dia 06/03 as 18h 30min na sala 20 da Faculdade de Direito UFC daremos inicio a nossa III Jornada de Mulheres Anarquistas.

A atividade será em Fortaleza onde faremos uma análise de conjuntura dos avanços do Governo Temer sobre nossos direitos através das Reformas Trabalhista e da Previdência, bem como com a PEC do fim do mundo.

Conversaremos sobre como esses avanços atingem a vida das mulheres da cidade, no trabalho formal e informal ou desempregadas. Além disso, faremos a discussão de como a dupla jornada de trabalho enfrentada por nós mulheres e tripla por nós mulheres militantes contribui para precarizar nossas vidas através da concentração do trabalho doméstico, estrutura fundamental de uma sociedade capitalista e
patriarcal.

Essa atividade será mista

 

mar 022018
 

Este ano, a III Jornada de Mulheres Anarquistas, organizada pela Organização Resistência Libertária, denuncia a precarização dos nossos trabalhos orquestrada historicamente pelo Estado, o Capital e o Patriarcado e que avança de forma destruidora na atual conjuntura de corte de direitos e recrudescimento da opressão através de intervenção federal militarizada no Rio de Janeiro.

Serão três eventos:

Dia 06/03, em Fortaleza, faremos uma análise de conjuntura dos ataques do Governo Temer sobre nossos direitos através das Reformas Trabalhista e da Previdência, bem como com a PEC do fim do mundo, aprovada em dezembro de 2016, e que suspende por 20 anos o investimento em políticas públicas. Conversaremos sobre como esses avanços atingem a vida das mulheres da cidade, no trabalho formal e informal ou desempregadas. Além disso, faremos a discussão de como a dupla jornada de trabalho enfrentada por nós mulheres e tripla por nós mulheres militantes contribui para precarizar nossas vidas através da concentração do trabalho doméstico, estrutura fundamental de uma sociedade capitalista e patriarcal.
[Evento Misto]

Dia 24/03, em Sobral, faremos um cine exibindo o filme “Estrelas além do Tempo” discutindo as violências impostas pela supremacia branca que as mulheres negras enfrentam no mundo do trabalho, além de todas as violências de classe e de gênero históricas e conjunturais.
[Evento auto-organizado: apenas para mulheres]

Dia 31/03, em território de Reforma Agrária em Amontada, discutiremos como o trabalho das mulheres no campo pode ser autogerido para produção de renda própria e comunitária, semeando a autonomia dessas mulheres.
[Evento auto-organizado: apenas para mulheres]

out 222017
 

AS MULHERES NA REVOLUÇÃO RUSSA: MEMÓRIA E RESISTÊNCIA NO CENTENÁRIO

Cem anos nos separaram da convulsão social que deu origem à Revolução Russa. Seus efeitos foram sentidos em todo o globo e influenciaram diversos outros processos revolucionários com suas ideias. No Brasil, a Greve Geral de 1917 teve profunda influência da Revolução Russa, com a atuação predominante de anarquistas. A influência também se deu em relação ao método, a partir do que alguns chamaram de “Soviete do Rio”, que foi uma tentativa de insurreição anarquista no Rio de Janeiro, reproduzindo aqui o que fora a “tomada do palácio de inverno”.

Com o passar dos anos, ficou claro que a Revolução estaria hegemonizada pelos bolchevistas, mas sabemos que o desenvolvimento do processo revolucionário, bem como o início da construção de uma nova sociedade naquele momento histórico, teve a participação de anarquistas: nos sovietes, nos exércitos e na imprensa revolucionária. O desenvolvimento da Revolução não estava dado a priori e vários projetos revolucionários foram envolvidos e disputados na luta contra o capitalismo e o czarismo.

A maior força anarquista se concentrou na organização dos sovietes, que eram órgãos de união e coordenação das lutas operárias em escala local, inicialmente autônomos, e na Maknovitchina, na Ucrânia, com organizações populares, assentamentos de camponesas e camponeses e um exército organizado por Makno.

Sem dúvidas, quando pesquisamos sobre anarquistas se organizando na Revolução Russa, as fontes nos levam a uma história protagonizada por homens, fruto da supremacia masculina. Não se trata de negar a importância dos companheiros para o processo revolucionário, mas urge tirar do silenciamento a história e o papel das mulheres-militantes na Revolução.

Lançando um olhar mais atento e feminista para a Revolução Russa, enxergamos a presença e o envolvimento das mulheres em várias pautas: patriarcado, equiparação de salários, violências machistas, relações afetivas, matrimônio, maternidade, saúde da mulher, descriminalização do aborto etc.

Além disso, as mulheres da Revolução Russa desafiam concepções constantes nas organizações políticas da esquerda: que mulheres militam, pesquisam e produzem apenas sobre questões de gênero. Aqui, vemos mulheres anarquistas discutindo, planejando e marcando posições políticas em diversas questões: sobre o triunfo da Revolução; a necessidade e a problematização das alianças; a organização dos sovietes; o enfrentamento ao bolchevismo; a luta armada na Maknovitchina; a necessidade de organização de anarquistas; a posição que anarquistas deveriam ter na Primeira Guerra Mundial etc.

Para essas mulheres, não existia um etapismo que secundarizava a luta pela emancipação da mulher. Não há também, para nós, a escolha entre a nossa emancipação e um projeto revolucionário “maior”. Nossa luta faz parte deste projeto revolucionário e para nós só há sentido em lutar pelo socialismo libertário se estivermos lutando pelo feminismo. E sabemos que devemos construir essa luta a partir do dualismo organizacional trazido a nós pelo especifismo: na organização política e nos movimentos sociais.

Queremos, com esse pequeno texto biográfico,saudar a memória e a resistência de nossas ancestrais: mulheres feministas e anarquistas que lutaram contra o capitalismo, o Estado e o patriarcado. Para isso, escolhemos cinco mulheres: Maria, Marie, Fania, Ida e Emma.

Saudações Feministas!

Saudações Anarquistas!

Construir Mulheres Fortes!

Construir um Povo Forte!

 

 

Maria Grigovena Nikiforova

Comandante Anarquista na Ucrânia

Maria GrigovenaNikiforova, ou Mariucha, como era conhecida, nasceu em Alexandrovsk, atual Zaporizhia, na Ucrânia, em 1885. Começou a trabalhar fora de casa aos 16 anos, passando por diversos e breves empregos, até encontrar trabalho em uma fábrica de bebidas, localizada em uma área da cidade que vivia as contradições sociais de um processo de industrialização recente.

A partir de seu trabalho e organização na fábrica, encontrou um grupo anarco-comunista com o qual passou a militar e onde esteve envolvida com saques para financiá-lo. Durante uma dessas atividades, foi presa pela polícia e acusada de assassinar um policial e participar de uma série de expropriações. Em 1908, foi condenada a morte, mas sua pena foi substituída por 20 anos de trabalho forçado, inicialmente cumpridos em São Petersburgo e depois na Sibéria, após ser banida. Na Sibéria, organizou rebeliões na prisão e conseguiu fugir para Japão e EUA, ajudada financeiramente por companheiros anarquistas.

Nos EUA, encontrou um grupo de anarquistas russos exilados e escreveu através de vários pseudônimos na imprensa libertária. Em 1913, instalou-se em Paris, onde teve contato com artistas, demonstrando interesse por pinturas e escrituras. Nesse período, uniu-se com o anarquista polonês WitoldBzhostek. Além disso, participou, em Londres, de uma conferência de anarco-comunistas russos exilados, sendo representante de uma das 26 delegações.

Em 1917, chegou em Paris a notícia do início da Revolução Russa e Mariucha seguiu para Petrogrado. Na Rússia, participou de reuniões em Kronstadt, instando os marinheiros a se rebelarem contra o governo provisório. Em julho de 1917, voltou à Ucrânia, onde, em Alexandrovsk, juntou-se a Nestor Makhno, para participar de uma manifestação em 29 de agosto de 1917.

Em setembro de 1917, Mariucha liderou soldados que cercaram o quartel-general do exército. Após o saque, ela determinou que os comandantes fossem executados e que as armas capturadas fossem enviadas ao exército Makhnovista, ocasião em que foi presa. No dia seguinte, foi convocada uma grande manifestação para sua liberdade, à qual Mariucha se referiu instando os trabalhadores a lutar por uma sociedade livre de toda autoridade.

Após a revolução de outubro, Mariucha se uniu ao Exército Negro, assumindo as unidades cossacas. Sua aliança com o exército Makhnovista lhe rendeu dois processos montados por pelos bolcheviques: um por insubordinação e outro por saques em 1918 e 1919.

Em ambos os julgamentos, contou com ajuda da amiga e feminista bolchevique Kollontai e do amigo bolchevique Antonov-Ovseenko, que havia conhecido em Paris. Mesmo assim, foi proibida de exercer qualquer cargo político ou comando por um ano. Voltando para Makhnovicthina, foi mantida como membro importante do exército, mas como Makhno não queria violar sua aliança com o Exército Vermelho, ele se recusou a lhe conceder qualquer posição de comando.

Com o ataque à Makhnovicthina pelos Exércitos Branco e Vermelho, a situação ficou insustentável. Diante de uma guerra em duas frentes, Maria e seu companheiro WitoldBzhostek organizaram um grupo de lutadores para combater o Exército Branco em Sebastopol, onde foram presos em 11 de agosto de 1919 e fuzilados.

Fontes: 

http://www.blackcatpress.ca/atamansha.html

http://www.katesharpleylibrary.net/t76jvf

Emma Goldman

A anarco-sindicalista mais perigosa dos EUA

Emma é certamente, no Brasil, a mais conhecida mulher anarquista que militou na Revolução Russa. Muito provavelmente devido à grande temporada que viveu nos EUA e à profunda influência no anarco-sindicalismo latino-americano, há muito material sobre Emma em espanhol e em português, o que facilita a pesquisa e a produção sobre essa grande mulher. Emma nasceu em Kaunas, na Lituânia, em 1869, e faleceu em Toronto, no Canadá, em 1940.

Embora Emma tenha nascido no Império Russo, ainda muito nova emigrou para os EUA, em 1885. Em Nova York, trabalhou em fábricas de costura, onde conheceu e começou a fazer parte de movimentos anarco-sindicalistas. Ficou conhecida por suas conferências que reuniam milhares de pessoas e por seus incontáveis ensaios publicados na imprensa anarquista local, mesmo com as inúmeras barreiras impostas pelo patriarcado e enfrentadas pelas mulheres-militantes para que pudessem se organizar e ter voz ativa nos sindicatos. Em 1906, fundou o jornal anarquista Mother Earth.

Seus textos tratavam sobre o anarquismo, os problemas sociais, o anarco-sindicalismo, a necessidade de organização e também sobre a luta, a vida e a emancipação das mulheres na militância e nos espaços domésticos. Emma tem o mérito de ter invadido os espaços privados dos relacionamentos sem pedir licença, sem acatar a tese de que o que ali acontecia deveria ser secundarizado em prol de um projeto revolucionário “maior”. Emma se preocupou em escrever e problematizar as mais sutis relações de violências machistas em espaços domésticos, de trabalho e de militância, atribuindo a libertação da mulher como elemento necessário para a libertação da humanidade.

Emma conheceu, nos EUA, Berkman, que também era anarquista e se veio a se tornar seu amante e companheiro pelo resto da vida. Em 1982, Berkman e Emma planejaram o assassinato do industrial Henry Clay Frick. Como resultado, Berkman foi condenado a 22 anos de cadeia.

Emma seguiu na construção da luta sindical por anos, sendo condenada por incentivar motins nos sindicatos, distribuir ilegalmente informações sobre métodos anticonceptivos e incentivar a não-filiação militar, o que ocasionou sua prisão por dois anos. Em 1918, o Governo dos EUA editou o segundo Ato de Exclusão Anarquista, deportando Emma junto com centenas de outros militantes para a Rússia.

Inicialmente simpatizante da Revolução Bolchevique, como havia publicado na imprensa anarquista estadunidense, Emma não demorou a expressar publicamente sua oposição à violência contra os sovietes e as organizações populares independentes. Há relatos de uma conversa entre Emma e Kollontai, feminista dirigente do partido bolchevique e comissária do povo para a Assistência Pública no primeiro Governo Revolucionário. Nessa conversa, Emma pediu à Kollontai para que interviesse contra a repressão e o governo bolchevique autoritário que estava esmagando a organização dos sovietes e silenciando anarquistas. Kollontai respondeu à Emma que “esquecesse” esses pequenos problemas e assumisse um cargo no Ministério da Saúde para trabalhar com as mulheres, o qual a anarquista recusou. Emma também conversou com Lênin, que considerou o autoritarismo do governo bolchevique uma medida necessária ao triunfo da revolução.

Em 1921, Emma e Berkman se retiraram da Rússia por não conseguirem desenvolver militância, pois eram constantemente vigiados pelo partido bolchevique. Saíram da Rússia e permaneceram no exílio, no qual Emma publicou suas experiências durante a Revolução, que se tornaram os livros Minha Desilusão com a Rússia (1923) e Minha Nova Desilusão com a Rússia (1924). Fora da Rússia, Emma se instalou inicialmente na Alemanha, passando também pela França. Mais tarde, instalou-se ainda em Londres. Em 1928, começou a escrever sua autobiografia, publicada posteriormente com o título Vivendo Minha Vida.

Na década de 1930, vários livros de Emma já estavam traduzidos para inúmeras línguas, tornando-se influência para diversos pensadores libertários e formando opiniões políticas anarquistas sobre a Rússia Soviética. Em 1934, o escritor chinês Ba Jin publicou seu livro The General, orConfessions – The OutcryofMy Soul, dedicando-o a Emma Goldman.

Em 1936, com quase 70 anos, Emma recebeu a notícia da Guerra Civil Espanhola e seguiu entusiasmada pra Espanha, onde foi recepcionada pela Confederação Nacional do Trabalho (CNT) e pela Federação Anarquista Ibérica (FAI), passando a colaborar na tradução do boletim informativo da CNT-FAI para o inglês e a escrever com frequência para o jornal A Espanha e o Mundo. Após deixar a Espanha, Emma passou a ser uma representante oficial da CNT-FAI em Londres. Emma faleceu em Toronto, no Canadá, em 1940.

Fontes:

http://www.nu-sol.org/artigos/ArtigosView.php?id=46

https://docviewer.yandex.com/?url=ya-disk-public:///X9QhTjLUmOuFgnFldQLbz+Wj/uyEc5o3QuOEJ7Vhns=&name=Mi%20mayor%20desilusión%20con%20Rusia.pdf&c=58d845decd71”c=58d-845decd71

http://www.anarquista.net/emma-goldman/

Ida Mett

Uma mulher na redação da Plataforma

Ida Gilman, mais conhecida pelo pseudônimo de Ida Mett, foi uma anarquista russa nascida em 20 de julho de 1901, em Smorgon (antigo Império Russo e atual Bielorússia). De família judia, seus pais eram comerciantes de tecido. Estudou medicina em Kharkov e em Moscou, cidade onde iniciou seu envolvimento com os círculos anarquistas e onde foi detida por realizar atividades subversivas e anti-soviéticas. Em 1924, viu-se obrigada a partir para o exílio, pouco antes de obter o diploma em medicina, a fim de evitar sua prisão. Sua fuga clandestina da Rússia bolchevique só foi possível graças à ajuda de contrabandistas judeus. Durante dois anos, viveu na Polônia na casa de parentes.

No outono de 1925, chegou a Paris via Berlim, onde manteve contatos com outros anarquistas russos emigrados como Volin, Archinof e Nicolas Lazarévitch, todos membros do grupo Vontade do Povo. Em Nicolás, Ida encontrou um companheiro nas ideias e na vida.

Em 1926, juntamente com Makhno, Archinov, Valevsky e Linsky, Ida participou da criação e redação da Plataforma Organizativa para uma União Geral de Anarquistas, documento assinado pelo Grupo DieloTruda (Causa Operária), título do órgão do Grupo de Anarquistas Russos no Estrangeiro, jornal no qual Ida Mett realizava tarefas editoriais. Ajudou também na correção das memórias de Nestor Makhno, em 1926 e 1927. Em 1928, Ida e Nicolas foram excluídos do Grupo DieloTruda, acusados de realizar ritos religiosos por terem ascendido um círio na cerimônia do funeral do pai de Ida, Meyer Gilman, como era de costume na comunidade judia.

Ida e Nicolás iniciaram, na França, Bélgica e Suíça, uma campanha de denúncia e informação sobre as condições de vida em que vivia a classe trabalhadora na Rússia. Até sua expulsão da França, em 25 de novembro de 1928, editaram o jornal La Libérationsyndicale.

Refugiados na Bélgica, Ida retomou seus estudos de medicina, obtendo licenciatura em 1930. Porém, nunca pôde exercer a profissão, nem na França nem na Bélgica. Nicolás, por sua vez, trabalhou dois anos como mineiro. Os dois frequentaram os círculos anarquistas, nos quais tornaram-se amigos de numerosos anarquistas espanhóis que estavam no exílio, entre eles Francisco Ascaso e Buenaventura Durruti, cujas teses da Plataforma e da experiência revolucionária ucraniana puderam ser conhecidas de primeira mão.

Logo após a proclamação da República na Espanha, em 1931, Ida entrou clandestinamente no país, onde participou de numerosos atos convida por Ascaso e Durruti. No ato de Primeiro de Maio, em um comício organizado pela CNT de Barcelona, Ida e Volin, representaram o movimento anarquista russo. Após o comício, uma manifestação acabou resultando num tiroteio na Plaza de la República, momento em que Ida teria demonstrado suas aptidões médicas tratando de um ferimento a bala que Ascaso recebera no braço.

Em novembro de 1931, Ida e Nicolás retornam à Bélgica, e, em 1932, nasceu seu filho Marc. Em 1933, fundaram, com Jean De Boë, o jornal Le Réveilsyndicaliste. Ida Mett trabalhou como farmacêutica e retomou seu ativismo anarquista. Após uma manifestação antibelicista em Bruxelas, Ida e Nicolás foram perseguidos pela justiça. Ida foi condenada por um tribunal a 15 dias de prisão e lhe foi imposta uma multa. Por causa da condenação, Ida perdeu seu trabalho e se viu sujeita a sérias dificuldades, que, apesar de tudo, não lhe impediram de solidarizar-se na campanha de apoio a Francesco Ghezzi, Victor Serge e os anti-stalinistas presos na URSS.

Em 1936, novamente instalada de forma ilegal na França, retoma sua vida junto a Nicolás, que acabava de sair da prisão. Ida, muito ativa no campo sindical, foi nomeada secretaria do Sindicato de Trabalhadores do Gás. Colaborou na revista La Révolutionprolétarienne, da qual havia sido correspondente na Bélgica durante vários anos. Ida também colaborou em Le Libertaire, publicando habitualmente artigos sobre os processos de Moscou. Em 28 de agosto de 1936, publicou um artigo intitulado “Stalin extermina a geração de Outubro”, no qual denunciava o caráter totalitário da vida imposta na Rússia pelo stalinismo. Em 11 de setembro de 1936, insistiu na denúncia do stalinismo, constatando sua influência contrarrevolucionaria na Guerra da Espanha, defendendo que os revolucionários espanhóis deveriam considerar os stalinistas como inimigos tão perigosos como os fascistas para o triunfo da causa revolucionária.

Ainda em 1938, teve início uma grave discrepância entre Ida e a redação de La Révolutionprolétarienne, referente ao anti-semitismo, – o que a fez deixar de publicar nessa revista. Em 8 de maio de 1940, Ida e Nicolás foram detidos e separados. Nicolás foi internado no duríssimo campo de concentração de Vernet. Ida foi internada, junto com seu filho Marc, de 8 anos, no campo de Rieucros (Lozère), do qual saiu em abril de 1941, graças a intervenções de Boris Souvarine, obtendo a residência vigiada em La GardeFreinet (departamento de Var). Em 1942, ambos puderam se instalar em Draguignan até a primavera de 1946.

Entre 1948 e 1951, Ida trabalhou como médica em um sanatório para crianças judias tuberculosas em Brunoy. Dos anos quarenta até sua morte, trabalhou como tradutora técnica na indústria química.

Na década de 1950, Ida formou parte da redação da prestigiosa revista Est-Ouest, que, em 1957, publicou dois números especiais sobre a Rússia e o stalinismo, nos quais Ida interveio destacadamente. O número 168, de fevereiro, intitulava-se Le Communismeeuropéendepuislamort de Staline, e o número 180, de outubro, apareceu sob o título Histoire et Bilan de laRévolutionsoviétique. Os artigos de Ida eram publicados sem assinatura ou sob o nome de Ida Lazarévitch.

Ida Mett morreu em Paris em 27 de junho de 1973. Os arquivos documentais de Ida foram depositados no Instituto Internacional de História Social (IISG) de Amsterdam. Ida é autora de inúmeras obras: Ausecours de Francesco Ghezzi, unprisonnier Du Guépéou (1930), La Comuna de Cronstadt: crepúsculo sangriento de lossoviets (1948), La médecineen URSS (1953), L’écolesoviétique: enseignementsprimaireetsecondaire (1954), Le paysanrussedanslarévolution et la post-révolution (1968), Souvenir sur Nestor Makhno (escrito em 1948 e editado postumamente em 1983).

Maria Isidorovna Goldsmith

Solidariedade russa no exílio

Maria Isidorovna Goldsmith nasceu em 19 de julho de 1871 na Rússia. Seu pai, Isidor, publicou Znanie, uma revisão de orientação positivista. De acordo com o historiador Max Nettlau, Isidor foi exilado para o norte por suas opiniões, primeiro para Pinega e mais tarde para Arkhangsk. Nettlau acredita que Isidorovna nasceu em um desses lugares de exílio do seu pai. Sua mãe, Sofia Ivanova Goldsmith, era uma seguidora do escritor socialista-revolucionário Labrov. O pai de Goldsmith morreu quando ela ainda era jovem. Assim como sua mãe, Maria interessava-se por política e ciência natural, o que serviu de base para terem um relacionamento próximo e durante toda a vida. Em 1888, as duas deixaram a Rússia e se estabeleceram em Zurique, na Suíça.

Em 1890, chegam à Paris. Goldsmith ingressou na vida política pelos passos trilhados por sua mãe. Como a mãe, ela se tornou membro dos Estudantes Revolucionários Socialistas Internacionais (um ramo dos Socialistas Revolucionários russos no exílio) em junho de 1892, estando sempre ativa na edição de panfletos.

Sua presença era constante em círculos de exilados russos e, a partir desse contato, tornou-se anarquista. No entanto, mantinha relações com SocialistasRevolucionários, para quem continuou a editar panfletos por um tempo, apesar das divergências políticas. Aos poucos, Goldsmith diminuiu seus compromissos com Socialistas Revolucionários e se tornou cada vez mais ativa entre os anarquistas, sobretudo no círculo de anarquista exilado em Paris.

Em 1897, Goldsmith começou a se corresponder com Peter Kropotkin, uma troca de cartas que deveria continuar pelo menos até 1917. Há um problema para análise deste contato, pois apenas as cartas recebidas por Goldsmith foram preservadas. Em seu exílio na Inglaterra, Kropotkin estava em um estado, talvez justificável, de excesso de precaução. Por isso, ele queimou todas as suas correspondências. Assim, temos apenas suas cartas para Goldsmith para análise. Para agravar ainda mais a situação, a maior parte delas foram escritas em russo e apenas algumas são em francês. As letras russas ainda aguardam tradução. Goldsmith realmente se tornou a maior correspondente de Kropotkin com cerca de 400 peças preservadas na coleção Nicolaevsky em Paris. Como tal, ela foi uma das principais influências sobre o pensamento posterior de Kropotkin, ainda que ela tenha discordado dele em certos pontos. Ela era, na verdade, o principal correspondente político na vida de Kropotkin no exílio. O número de suas cartas para ela só é ultrapassado pelo número de correspondências de Kropotkin para seu irmão, como Martin A. Miller, um dos mais respeitáveis biógrafos de Kropotkin, diz em suas notas para sua biografia. A coleção de cartas entre Goldsmith e Kropotkin contém seis volumes.

Goldsmith tornou-se a figura principal entre os exilados russos em Paris, e as reuniões de grupo anarquista aconteciam em seu apartamento. Foi durante este período que ela adotou o pseudônimo ‘Maria Korn’. Goldsmith também começou uma produção prolífica para a imprensa libertária, escrevendo em russo, francês, inglês e italiano para publicações em toda a Europa e América do Norte. Ela também conheceu outra recém-chegada, Emma Goldman, quando esta estava na Europa entre 1895 e 1896, em uma turnê para a campanha para a libertação de Alexander Berkman da prisão. Goldman se encontrou com outros anarquistas parisienses na casa de Goldsmith.

Goldsmith também foi proeminente em círculos anarquistas não-russos, embora seu foco principal estivesse no movimento russo. Na conferência de Londres de 1906 com anarquistas russos no exílio, ela foi autora de nada menos do que três dos relatórios, “no assunto da política e da economia, na organização e na greve geral”. Em 1914, foi uma das oradoras em Paris no aniversário da morte de Bakunin. Também ajudou a organizar reuniões sobre as comemorações da Comuna de Paris e dos mártires de Haymarket. Entretanto, sua principal contribuição foi como um dos fundadores e um dos principais escritores do jornal de língua russa Khleb i Volia (Pão e Liberdade), publicado em Genebra de agosto de 1903 a novembro de 1905 e contrabandeado para a Rússia. Sob a influência da recentemente bem sucedida CGT francesa, ela promoveu as idéias de anarco-sindicalismo em seus escritos. Seus escritos sobre este assunto foram, maistarde, produzidos como o panfleto “Sindicalismo Revolucionário e Anarquismo” em Moscou/Petrogrado em 1920.

Publicou também na imprensa libertária, incluindo a La Libre Fédération (Lausanne, 1915-1919), LesTemps nouveaux (Paris, 1919- 1921) e Plus Loin (Paris, 1925-1939).

Goldsmith estudou biologia na Universidade de Paris em Sorbonne. Em 1894, obteve seu diploma de graduação e mais tarde seu mestrado. Ela trabalhou nesta instituição por muitos anos em associação com seu colega biólogo Yves Delage. Goldsmith teve uma carreira científica longa e distinta, tanto como associada de Delage, como por conta própria. Publicou pelo menos dez livros no campo da Biologia. Ela também foi editora de ‘L’annéebiologique’ de 1902 a 1924. No entanto, teve que lutar nos últimos anos de sua vida para encontrar emprego científico. Trabalhou sob a duplo fardo de ser mulher e de ser indubitavelmente conhecida por seus pontos de vista anarquista, apesar de seu uso de pseudônimos. Goldsmith suicidou-se 11 de janeiro de 1933.

Fontes:

https://libcom.org/history/goldsmith-marie-her-life-thought

Fania Kaplan

A anarquista russa que atirou em Lênin

“Meu nome é Fania Kaplan. Hoje atirei em Lenin. O fiz com meus próprios meios. Não direi quem me proporcionou a arma. Não darei nenhum detalhe. Tomei a decisão de matar Lênin há muito tempo. O considero um traidor da revolução.” Fania Kaplan Fania Efimovna Kaplan nasceu em 18 de fevereiro de 1890, em um povoado da região de VolynskayaGuvernia (hoje uma região próxima a Kovel, no oeste da Ucrânia), uma de oito irmãos de uma família religiosa judia. Nasceu em uma cultura que conseguiu se aproximar de uma vivência da liberdade a partir da morte de grandes tiranos, algo que veio a influenciar seus atos enquanto militante.

Durante a Revolução de 1905, aproximou-se do anarquismo e participou de grupos organizados em Kiev e Odessa. Neste lugar, encontrou pela primeira vez “as/os clandestinas/os”. Em 1905, incluiu-se no grupo “anarquista-comunista do sul” e participou em ações armadas. No grupo, assumiu o nome de “Dora”.

Dora Kaplan, em ações diretas contra o czarismo russo, perdeu parcialmente a visão em uma explosão. Foi condenada à morte pelo juizado militar de Kiev, mas, como ainda era menor de idade (e provavelmente por ser mulher), sua pena foi trocada para prisão perpétua em Katorga, na Sibéria. Em 1907, chega à Sibéria praticamente cega e com mãos e pés acorrentados por sua “tendência a fugir”. Além de quase cega e parcialmente surda, sofria fortes dores e entrou em depressão. Recebeu tratamento em um hospital e depois voltou a outro cárcere em Katorga.

Ali, em 1911, encontrou à celebre terrorista MaríaSpiridonovna e, segundo a versão soviética, sob sua influência, afastou-se do anarquismo em função das ideias dos SRs (socialistas revolucionários). Mas, na verdade, até a sua morte, Fania continuou sendo anarquista. Em 1917, Fania foi liberada depois da Revolução de Fevereiro. Em seguida, viveu um tempo em Chita e depois foi para Moscou com outra companheira “SR”.

Em Jarkov, finalmente operada da vista, começou a trabalhar organizando cursos para operárias/os, instruindo-as/os sobre como organizar assembleias autônomas locais. Com a Revolução de Outubro, o crescente poder Bolchevique esmagou as assembléias locais em sua fúria centralista. Nesse momento, Fania soube o que queria: a auto-organização anarquista.

Os bolcheviques, à época, em sua loucura pelo centralismo do poder, já haviam condenado qualquer opositor de suas ideias a “reacionários”, “pequeno-burgueses” e “inimigos”, criando mecanismos sanguinolentos de repressão como o ataque armado e os campos de concentração para inimigos políticos. Fania Kaplan passou para a história soviética como uma terrorista SR e não como uma anarquista.

Em 13 de agosto de 1918, em uma ocasião em que Lênin se apresentaria publicamente em meio a trabalhadoras/es, às 22:30, no pá- tio da fábrica, no momento em que ele se encaminhava para entrar em seu carro, Fania gritou seu nome. Quando Lênin virou, ela disparou três tiros contra ele. Errou um, os outros dois atingiram o ombro e o pulmão esquerdo. Fugiu rapidamente, mas foi capturada por operários na rua ao lado. Lênin nunca se recuperaria totalmente. Fania declarou, com orgulho, o seu intento e disse que o planejava desde fevereiro, quando, em sua opinião, as ideias socialistas recrudesceram décadas com ações bolcheviques. Considerava Lênin um traidor.

A maior surpresa para os seguidores de Lênin foi a declaração de Fania de que havia pensado e preparado tudo por conta própria, sem a cooperação de nenhum partido ou grupo. O assunto se converteu em algo muito incômodo para o poder bolchevique e, em 3 de setembro de 1918, depois de seu contínuo rechaço em colaborar com os investigadores, Fania foi fuzilada no pátio de Kremlin, sem nenhum julgamento.

Todas/os as/os SRs foram exterminadas/os, assim como toda oposição ao autoritarismo. Em 1921, quando Gastón Leval se encontrava na Rússia para entrevistar Lênin, este lhe disse que as/os anarquistas russas/os não eram como os do ocidente, pois eram traidores e contra-revolucionárias/os. Neste mesmo ano, multiplicaram-se os campos de concentração para inimigos políticos.

Fania não só foi um exemplo vivo da teoria e da prática convergidas em uma só fórmula, mas foi o rosto visível que se opôs com palavras e atos ao domínio, independentemente de que cor esse fosse. É importante resgatar a sua memória tanto para uma radicalização do discurso antiautoritário quanto para a negação de qualquer tipo de governo ou Estado. Fania Kaplan, a anarquista que baleou Lênin, é uma experiência inspiradora para pensarmos em nossa própria libertação enquanto mulheres.

Fonte:

ttps://contramadriz.espivblogs.net/files/2017/01/Fania-Kaplan.pdf

 

set 292017
 

 

A violência contra as mulheres é um ato recorrente dentro da estrutura patriarcal na qual são fincadas as relações de gênero no seio da sociedade capitalista. Os dados estatísticos e a vivência cotidiana não deixam dúvidas quanto às agressões verbais, psicológicas, emocionais e físicas das quais as mulheres enfrentam durante toda a sua vida e com muita força resistem o quanto podem para não tombar.

Às mulheres, cabe mecanismos de proteção, segurança e representação que não são contemplados nos aparatos do Estado, nem na repressão policial. As mulheres precisam de mecanismos que estejam em todos os momentos a seu lado no combate às violências, tanto nos espaços privados, quanto no espaço público. Sendo assim, nada melhor do que as próprias mulheres produzirem e serem esses mecanismos de defesa, esse sistema de autoproteção, a força motriz para o combate às agressões que sofrem todos os dias.

Pensando nisso, nós, mulheres da Coordenação Anarquista Brasileira, DEFENDEMOS E BUSCAMOS O PROTAGONISMO DAS MULHERES EM SUA AUTODEFESA, e trazemos aqui alguns pontos para contribuir no debate e prática da defesa pessoal para as mesmas no Brasil.

Primeiramente queremos destacar que muitos discursos e falas trazem a mulher, vítima do ato de violência, como culpada ou facilitadora da própria agressão que sofre. Alegando motivos nas roupas usadas pelas mesmas, na restrição de horários para estar só na rua, na falta de obediência ao marido ou pai, entre outras justificativas baseadas não no senso de igualdade, mas no machismo que coloca a mulher como objeto pertencente ao homem, que pode a violentar caso seja de seu agrado. Essas justificativas causam uma violência dupla às mulheres, uma vez pelo ato e outra vez pela culpa que carregam ao sofrer a agressão, sentindo-se envergonhadas, responsáveis, frágeis e incapazes de se proteger.

É POR ESSA DUPLA AGRESSÃO QUE A DEFESA PESSOAL SE TORNA TÃO IMPORTANTE. Antes mesmo de praticar qualquer tipo de luta e aprender golpes, as mulheres precisam passar por um processo de autoconhecimento, autoconfiança e se enxergar como pessoas que merecem ser respeitadas e merecem ter suas vontades respeitadas também. É de suma importância se apoderar de seu próprio corpo, conhecer o que seu corpo é capaz de proporcionar e como pode se defender. Nós mulheres, somos condicionadas a não termos intimidade com nossos corpos, o feminino é um tabu em várias dimensões e é preciso quebrar essa barreira, para que sejamos todas empoderadas e conscientes sobre o que queremos e como vamos conquistar esses quereres.

Mas esse autoconhecimento e autoconfiança virá de um dia para o outro? São coisas aprendidas com facilidade e apenas ouvindo uma palestra ou participando de uma oficina de defesa pessoal? Não!

Esse é um processo lento e constante. A educação que forma os gêneros, desde os primeiros anos de vida de qualquer pessoa, é de uma violência simbólica sem precedentes, e tão disciplinadora de nossos corpos e mentes que torna esse processo muito mais difícil. É importante nessa caminhada ter uma rede de apoio ENTRE AS MULHERES enquanto amigas e companheiras, como também PARA AS MULHERES, nos âmbitos jurídico e financeiro, juntamente com a saúde física e psicológica.

Entretanto, todos esses fatores não serão suficientes sem que haja a iniciativa dessa mulher em percorrer o caminho em direção ao autoconhecimento e autoconfiança. É necessário que as mulheres avancem rumo à sua autonomia e autogestão, de seus corpos e vidas! ESTAREMOS UNIDAS NESSA CAMINHADA!

O Wendo é uma junção de várias artes marciais, voltado para defesa pessoal, surgiu no Canadá, na década de 1970. O “wen” é a abreviação da palavra woman (mulher em inglês) e “do” significa “caminho” em japonês. Apresenta-se como uma defesa pessoal para mulheres ou autodefesa feminista, o que o difere da simples defesa pessoal, por não estar resumido na defesa física, tendo todo um trabalho direcionado para a violência de gênero, seja ela física, psicológica, verbal, emocional, entre outros. Com sua prática no Brasil, a pauta da defesa pessoal tornou-se muito lembrada e buscada nos movimentos feministas.

Essa procura por técnicas específicas de defesa pessoal para mulheres nos leva a acentuar um ponto importante do diferencial dessas técnicas: a ideia de defesa pessoal. Essas práticas de autoproteção não estão apenas na aprendizagem de golpes e contragolpes, que condizem com o aspecto físico da defesa, mas também buscam contribuir para questões que dizem respeito à autoestima, segurança em si mesma e saúde mental para encarar o machismo de frente e com coragem. Por conta disso, não é simplesmente treinar o corpo para reagir à uma agressão, mas treinar também a mente, para se sentir bem consigo mesma e capaz de se defender.

Por isso, a defesa pessoal deve ser reivindicada para toda e qualquer mulher! Espalhe isso para todas, o autoconhecimento, autoestima e autoconfiança não pode ser de poucas, não devemos deter o empoderamento feminino. É fundamental que essa aprendizagem chegue em todos os lugares, principalmente para as mulheres mais suscetíveis a sofrerem violência, principalmente para as mulheres que hoje, e talvez nesse exato momento, apanham ou são ameaçadas por um machista e agressor. A confiança em seu corpo e em si deve ser um direito de todas, esse é o primeiro passo para a luta da transformação social e destruição do patriarcado!

E por falar em mulheres mais suscetíveis a sofrerem violência, é importante termos esse ponto como central ao propor oficinas de defesa pessoal pelo Brasil a fora. Muitas vezes, essas atividades são pagas, com altos preços e focam na camada mais rica da sociedade, a elite ou classe média branca, ficando inacessível a mulheres pretas, pobres da periferia, que geralmente não tomam conhecimento da existência de tais atividades.

Se somos anarquistas e buscamos o fim das desigualdades sociais, e ainda mais, se somos feministas e buscamos a libertação das mulheres e igualdade dos gêneros, DEVEMOS PRIORIZAR AS COMPANHEIRAS E GUERREIRAS QUE CONVIVEM COTIDIANAMENTE COM A VIOLÊNCIA, DEVEMOS PAUTAR UMA AUTODEFESA QUE PENSE DE FORMA INTERSECCIONAL GÊNERO, RAÇA E CLASSE. É incontestável que as mulheres negras, pobres, periféricas, trans, donas de casa, lésbicas, prostitutas, presidiárias e ex-presidiárias sofrem mais com agressão. Portanto, embora não nos recusemos a colaborar com as companheiras que não são constituídas por esses marcadores sociais, devemos buscar apoiar essas mulheres que necessitam de mecanismos para se auto protegerem com urgência, como mostram os índices de violência contra as mesmas.

A autodefesa não é um projeto para o acirramento dos conflitos nas relações de gênero, nem é um programa de combate e extermínio aos homens, como muitos machistas podem dizer por aí. Antes de qualquer agressão, é essencial a busca da comunicação não violenta, que diversas vezes contribui para um diálogo pacífico e resoluções de problemas. Entretanto, quando essa comunicação não funciona, a única resposta à violência deve ser a contra-violência, e as mulheres devem estar prontas para rebater com esse contra poder. É HORA DAS MULHERES REAGIREM, É HORA DE MOSTRARMOS QUE NÃO SOMOS OBJETOS FRÁGEIS E NÃO ESTAMOS DE BRINCADEIRA!

 

POR UMA VIDA SEM VIOLÊNCIA DE GÊNERO!

MACHISTAS NÃO PASSARÃO!

 

GT de Gênero da Coordenação Anarquista Brasileira

29 de setembro de 2017

mar 042017
 

Enraizar o feminismo na luta social

            As mulheres da Coordenação Anarquista Brasileira aproveitam a data de 8 de março para lembrar uma vez mais que tal dia é um dia de luta e memória; assim como tem sido todo o tempo, mulheres se rebelam! Contra o patriarcado, contra o machismo, contra a falta de direitos, contra o Estado, contra o capitalismo, mulheres têm se revoltado sempre!

             De 8 de março de 2016 para 8 de março de 2017, travamos muitas e muitas lutas, nas mais diversas barricadas. Dentro dos limites de nosso país, vivenciamos uma série de ataques que se interligam por um mesmo centro, o projeto da direita para o Brasil.

            O governo do PT e sua consequente derrocada, golpeando o povo com sua política de pacto social; o impeachment e o novo golpe que colocou Temer no poder para dar vazão aos retrocessos que temos visto; as várias investidas da direita, que agora se organiza, também, no hipócrita MBL (Movimento Brasil Livre); compõem a força motriz dos de cima para massacrar os de baixo. Por outro lado, a essa força, o povo tem respondido com mais força e organização; muitas vezes, reaprendendo, na prática, o caminho da luta e seus novos desafios. Caminho que tem apontado, cada vez mais, para a ação direta, organização, autogestão, unidade. Aos ataques dos de cima, as mulheres de baixo responderam com protagonismo, ao comporem todas as frentes de batalha: no movimento estudantil, no sindical, nos de bairro/comunitários, nas periferias, no campo e na cidade; e ao encamparem lutas específicas em torno de seus direitos de reprodutivos e de sexualidade e contra todos os tipos de violência contra a mulher.

A luta das meninas nas ocupações das escolas

            Nos ataques contra a educação, as estudantes secundaristas foram as que mais reagiram, ocupando escolas, fazendo atos públicos, recriando os mecanismos de luta da esquerda. As mulheres, garotas, meninas, estão se colocando nesse processo como protagonistas da luta secundarista, apartidária e autogestionária. Vimos em várias escolas, no cotidiano das lutas que travamos juntas, nas reportagens e gravações, a participação feminina e o quão isso é importante para manter as ocupações ativas. Além disso, vimos a abertura para o debate das opressões de gênero e machismos nas próprias ocupações, nas escolas e num projeto de educação que vem sendo secularmente implementado, algo que não tem muito espaço nas salas de aula.

             Foi essa participação que garantiu o debate em torno das questões de gênero dentro das ocupações, demonstrando, ainda, que estudantes têm interesse em debater e aprender sobre a questão, possibilitando a desconstrução dos padrões normativos. Tal fato é mais importante ainda quando essas desconstruções são atacadas todos os dias nas escolas e, agora mais sistematicamente, pelo governo e pela bancada religiosa, buscando classificar como “ideologia de gênero” toda e qualquer abordagem crítica de temas e assuntos que se refiram às mulheres e à sexualidade. Esses ataques estão incorporados ao Projeto Escola Sem Partido, que tem se espalhado pelo Brasil via Projetos de Lei nos níveis municipal, estadual e federal.

            O Escola Sem Partido tenta colocar uma mordaça em professores da Rede Básica de Ensino, cerceando o debate crítico dentro das escolas públicas. Visam perseguir professores, retirando a sua autonomia de ensino, a liberdade de pensamento na escola, contribuindo com a manutenção de uma sociedade racista, machista, homofóbica e desigual. Trabalhadoras da Educação e de outros setores e estudantes manifestaram sua resistência ao Escola Sem Partido nas fileiras de luta Brasil à fora; onde existe projeto de lei com esse teor, existe resistência e existe resistência das mulheres!

A luta das mulheres no campo

No campo, observamos o aumento dos conflitos fundiários provocado pelo avanço do Agronegócio. O governo Dilma foi fechado com um saldo negativo para os movimentos sociais do Campo, ao contrário do que querem fazer parecer atualmente. Ele assentou menos famílias do que os governos Lula e FHC (segundo dados do INCRA). Os acordos com a bancada ruralista fizeram com que o governo sacrificasse o assentamento de famílias sem-terra, a demarcação de terras indígenas e a regularização de áreas de comunidades remanescentes de quilombos. A Medida Provisória 759 / 2016 de Michel Temer, que altera as regras relacionadas à reforma agrária no país, vem para aumentar o retrocesso.

            Mulheres camponesas, agricultoras, arrendatárias, meeiras, ribeirinhas, posseiras, bóias-frias, diaristas, parceiras, extrativistas, quebradeiras de coco, pescadoras artesanais, sem-terra, assentadas – que se organizam em movimentos auto organizados – como o Movimento de Mulheres Camponesas – ou movimentos mistos camponeses – como o Movimento de Pequenos Agricultores – lutaram e conquistaram o reconhecimento da profissão de trabalhadora rural, o salário maternidade, a aposentadoria da mulher da roça aos 55 anos, entre outros. Nesta conjuntura de avanço de um projeto conservador e de direita sobre nossos direitos sociais, temos o desafio de proteger os direitos que conseguimos até aqui, bem como continuar na luta por outros.

A conjuntura de ataque aos nossos direitos

            Esses meses também marcaram a tentativa de impor retrocesso ainda maior às políticas públicas que se referem à mulher. Em 2016, essa tentativa ficou simbolizada por Cunha e o seu Projeto de Lei 5069 / 2013. O PL 5069 dificulta o atendimento às mulheres vítimas de estupro e ataca seu direito ao aborto, por meio, principalmente, de uma burocratização desse atendimento; burocratização que coloca em risco nossa vida. Em, praticamente, todos os estados do país, mulheres se levantaram contra Cunha e o PL, reivindicando, mais uma vez, a autonomia sobre seu corpo e de suas escolhas, reivindicando o direito primário de atendimento humano e digno nos casos de estupro. Lembramos que a Cunha e a esse projeto, bem como aos muitos ataques da direita, tem se atrelado o MBL; o mesmo MBL que, recentemente, publicou um texto querendo propagar a ideia mentirosa de que não existe cultura de estupro no Brasil. Além de nossas diversas lutas, temos agora o desafio de fazer frente aos ataques dessa direita organizada no MBL, que falta somente querer dizer que também não existem estupros e machismos em nossa sociedade. Compomos, sem dúvidas, essa frente!

            Neste exato momento, enfrentamos uma série de ataques aos direitos trabalhistas e previdenciários da classe trabalhadora. Em meio a eles, nós mulheres temos ameaça maior, ao vermos o direito à aposentadoria diferenciada ser colocado em xeque pelo Governo e o Senado. A reforma da previdência anunciada vem para atender os interesses dos de cima e colocar a conta, novamente, nas costas dos de baixo. Essa avalanche vai cair diretamente sobre as mulheres. No caso das professoras, duplamente, pela ameaça à retirada de aposentadoria especial para sua profissão (que prevê aposentadoria com 25 anos trabalhados e contribuindo) e pela ameaça da aposentadoria diferenciada das mulheres em geral. É tempo de resistência das mulheres trabalhadoras, das de baixo; e elas estão respondendo com toda força! O apelo por uma greve geral de mulheres no 8 de março de 2017 simboliza bem essa necessidade! É assim que entendemos também o apelo “Por uma greve internacional militante no 8 de março”, lançado no manifesto assinado por Angela Davis e Nancy Fraser. Os chamados internacionais, protagonizados inicialmente pelas mulheres na Argentina (Ni una menos) e nos EUA (Marcha das mulheres contra Trump), adaptam-se bem à conjuntura brasileira de ataque aos direitos da classe trabalhadora e, em maior medida, das mulheres (direitos trabalhistas, previdenciários, reprodutivos, à não-violência…). Entendemos que o chamado é internacional, mas a mobilização deve ser por meio de trabalho social cotidiano, desde baixo!

Opressões que caminham juntas

            Na intersecção entre classe, raça e gênero, as mulheres negras da periferia são atingidas pelo extermínio do povo preto. Suas filhas e filhos, sobrinhas, sobrinhos, vizinhas e vizinhos estão sob constante ameaça do braço armado do Estado e, a cada dia, o medo de morrer ou perder uma filha ou um filho é maior. A insegurança, medo e indignação fazem com que essas mulheres lutem cotidianamente pelo seu povo e unam suas forças nessa campanha em grupos como o Mães de Maio e o REAJA. Também lidam com o apoio e sustento familiar muitas vezes sozinhas, mostrando o quão são fortes e o peso que recai sobre suas costas.

            Na intersecção entre classe, gênero e sexualidade, vivenciamos, ainda, a dificuldade nas condições precarizadas de vida e trabalho das mulheres. No Brasil, a expectativa de vida de uma travesti e transexual brasileira é aproximadamente 35 anos, enquanto a expectativa de vida de um brasileiro médio é 74,6 anos. O Brasil lidera o ranking de violência transfóbica, sendo o país no qualmais se mata travestis e transexuais no mundo. Soma-se a isso, a dificuldade da realização de cirurgias de transgenitalização. A mesma dificuldade existe para a redefinição de nomes nos documentos essenciais ou a utilização do nome social em instituições.

Organização das mulheres anarquistas nas lutas das de baixo

            E nós, mulheres anarquistas, queremos dizer que estaremos sempre na luta, lado a lado com as diversas mulheres que são atingidas no dia a dia pelo machismo, sexismo, capitalismo e pelo Estado. Não daremos nenhum passo atrás nessa luta! Também estamos presentes e combatentes contra o machismo dentro da própria esquerda, dos movimentos sociais e do próprio anarquismo. Somos solidárias a toda e qualquer companheira que venha a sofrer opressões, a cada companheira que queira nos dar a mão. Estamos de olho e rediscutindo o anarquismo a partir de um feminismo que atenda as demandas da nossa formação social e racial, na busca por uma proposta não só de classe, mas também de gênero.

Estamos aqui para buscar o espaço das mulheres na luta e de forma igualitária, afinal, a revolução será feminista, ou não será! A exemplo das lutas internacionais, mulheres curdas, zapatistas, argentinas etc., nós, mulheres brasileiras, também estamos em luta! E nós, mulheres anarquistas, nos colocamos, sempre ombro a ombro, ao lado das de baixo, nessa luta!

Coordenação Anarquista Brasileira

mar 012017
 

O incêndio na fábrica da Triangle Shirtwaist em Nova York, em 1911, que levou a morte muitas mulheres trabalhadoras no faz lembrar o Dia Internacional de Luta das Mulheres. A fábrica empregava cerca de 600 trabalhadores, a maioria mulheres jovens  e imigrantes que trabalhavam 14 horas por dia, em semanas de trabalho de 60-72 horas, costurando vestuário por modestos e baixíssimos 6 a 10 dólares por semana.

O símbolo dessa imagem – de uma trabalho precarizado, violento e sexista – e o martírio dessas mulheres, tornou o 08 de março o Dia Internacional de Luta das Mulheres. Por mais que o mercado tente se apropriar desta data, dando a ela símbolos diferentes – como o de consumismo e conformismo com a situação de mulher explorada e oprimida –  nós, mulheres feministas e socialistas, permanecemos firmes, anos após anos, de pé e de mãos dadas na luta contra o patriarcado, o capitalismo, o Estado e a supremacia branca, cisgênera e heterosexual.

Em 2017 seguimos com a nossa Jornada Feminista e Libertária no Ceará, no mês de março, em alusão ao mês de luta das mulheres. Este ano organizaremos algumas atividades e teremos participação ativa em atividades de movimentos sociais que organizam a sua agenda de lutas própria. Diante da conjuntura de corte nos direitos sociais da classe explorada, que atinge sobretudo as mulheres, nosso objetivo é enraizar o feminismo nas lutas sociais da nossa classe.

Acompanhem nossa agenda e nossos materiais de divulgação pelo evento no facebook ou aqui pelo nosso site.

Construir Mulheres Fortes!
Construir um Povo Forte!

jan 292017
 

29 de janeiro é o Dia da Visibilidade Travesti e Transexual

Nós, da Organização Resistência Libertária, reunidxs em plenária anual, lembramos o dia nacional da visibilidade travesti e transexual. O dia de visibilidade é um momento importante para movimentos sociais e organizações políticas que constroem as lutas sociais. Neste caso, sabemos que a luta contra a transfobia é real e cotidiana nos locais de moradia, trabalho e estudo, além de ser uma preocupação permanente nos nossos espaços feministas. A transfobia tem avançado disfarçada de feminismo, o que nós consideramos uma ameaça para a busca do socialismo libertário através de meios coerentes com os nossos fins. Com isso, republicamos um nota produzida no ano passado, com dados que permanecem próximos. O feminismo que a gente quer não rejeita nenhuma mulher.

Nós, que construímos a Organização Resistência Libertária, organização política anarquista no Ceará, integrante da Coordenação Anarquista Brasileira, queremos saudar a todas as pessoas que se autoidentificam como transexuais e travestis.

Muitas vezes, confundimos identidade de gênero, orientação sexual e sexo. O desconhecimento, longe de justificar, contribui para o preconceito. Por isso, é necessário entender as diferenças. Identidade de gênero é como a pessoa se vê. Ela pode se enxergar homem, mulher ou outro, como neutro ou uma combinação entre masculino e feminino. Orientação sexual refere-se à atração sentida pelos indivíduos. Uma pessoa pode ser homossexual, heterossexual, bissexual etc. Sexo refere-se às características do corpo de uma pessoa. Pode ser feminino, masculino ou intersexo. Pessoas transexuais nascem com um sexo que difere do socialmente vinculado à identidade de gênero que elas se reconhecem. Travestis, adequam seus corpos às mudanças que querem, mas não sentem necessidade de redefinir seu sexo.

Sabemos que também nesse campo o Estado age como opressor. Quer quando legisla sobre identidade de gênero, almejando nos colocar em caixinhas pré-determinadas; quer quando encara a transexualidade como doença, associando o diferente ao patológico, e dificultando os procedimentos médicos de transgenitalização; quer quando através do Poder Judiciário emperra processos de mudança de nome nos documentos essenciais.

No Brasil, a expectativa de vida de uma travesti e transexual brasileira é aproximadamente 35 anos, enquanto a expectativa de vida de um brasileiro médio é 74,6 anos. Sendo que o Brasil lidera o ranking de violência transfóbica, sendo o país que mais se mata travestis e transexuais no mundo. Soma-se a isso a dificuldade da realização de cirurgias de transgenitalização. Apenas no Estado São Paulo há uma fila de 3.200 pessoas que desejam realizar esta cirurgia, mas somente uma cirurgia é realizada ao mês, 12 cirurgias ao ano. Quem entrar na fila agora terá que esperar 266 anos para realizar esse procedimento cirúrgico pelo Sistema Único de Saúde/SUS no Brasil, um absurdo! A mesma dificuldade existe para a redefinição de nomes nos documentos essenciais ou a utilização do nome social em instituições.

Nós, anarquistas, acreditamos que toda forma de opressão e autoritarismo é nociva. Buscamos a liberdade, essa liberdade agregadora, que aumenta quando quem está perto de nós também a vive. Tentamos todo momento cumprir ou proporcionar realização à ideia de que a liberdade da outra pessoa estende a nossa ao infinito. Acreditamos também que os fins determinam os meios e queremos desde já construir uma sociedade socialista e libertária ou, como diriam zapatistas, “um mundo onde caibam muitos mundos”. Por isso, queremos lembrar que a luta contra a transfobia não se resume a um dia, é diária, árdua e cheia de obstáculos. Nesta luta, manteremo-nos de mãos dadas e punhos erguidos, ao lado de quem deve protagonizá-la, transexuais e travestis.

dez 202016
 

Contra o feminismo seletivo no campo ideológico: solidariedade a todas as mulheres que sofreram com violências machistas no ato do dia 13/12 em Fortaleza-CE

Na última manifestação contra a PEC 55, em Fortaleza, dia 13 de dezembro de 2016, organizada pela Frente Povo sem Medo e a Frente Brasil Popular, militantes do MTST-Ceará expulsaram do ato integrantes do bloco independente (militantes secundaristas, autonomistas e anarquistas), seguindo com perseguições e espancamentos. [1]

Duas mulheres do bloco independente e uma militante da Nova Organização Socialista (NOS) foram gravemente agredidas por integrantes do MTST, dentre elas, uma militante foi ameaçada de estupro; Ainda, várias mulheres relatam que tentaram barrar a ação violenta e autoritária dos agressores, mas foram empurradas, ofendidas verbalmente e silenciadas por homens, inclusive membros da própria direção do MTST-Ceará

A ação foi alvo de diversas denúncias, dentre elas a da Frente Libertária Estudantil (FLE), que por sua página no facebook postou a foto de uma militante da UNE atribuindo apenas a ela a responsabilidade pelas tentativas de homicídio por parte de integrantes da Frente Povo Sem Medo. Para nós, essa postagem da FLE também representou uma apologia ao estupro – mesmo que tenha tido retratação posteriormente.

Repudiamos todas as violências machistas pelas quais passaram essas mulheres na manifestação e nos desdobramentos dela. Ações como estas nos lembram que em casos de conflito e de guerra – quer entre aparelhos repressores do Estado e movimentos sociais, quer entre a própria “esquerda” – nós, mulheres, somos duplamente ameaçadas e violentadas, tratadas, mesmo para os homens que se dizem à esquerda, como objeto violável e vulnerável, para onde recorrem aqueles que não conseguem construir uma ação política ética e sem sexismos.

Não endossamos os discursos transmitidos em diversas notas da “esquerda”: de um feminismo seletivo, que só reconhece uma violência machista quando a mulher agredida está do seu lado da trincheira e muitas vezes silencia em relação às companheiras agredidas por homens de sua organização ou de frentes de luta que compõem. Nós, mulheres da ORL que militamos na construção do feminismo no Ceará e em movimentos sociais urbanos, sabemos da postura machista de alguns dirigentes do MTST-Ceará, já denunciada também por vários coletivos da cidade. Não nos surpreende essas ações machistas vinda do MTST, pois o mesmo tem em seu quadro militantes já publicamente denunciados por violências machistas.

Portanto, soa-nos desonesto com um feminismo comprometido com a libertação das mulheres entoarem notas e tons de repúdio contra a agressão de uma militante da UNE e não fazerem o mesmo com militantes autonomistas e anarquistas espancadas, violentadas e ameaçadas. Aqui, manifestamos nossa completa solidariedade feminista com as TODAS as mulheres que sofreram violências machistas no ato do dia 13/12 e nas denúncias que daí advieram. Estamos atentas e repudiamos este tipo de feminismo seletivo no campo ideológico.

Enraizar o feminismo na luta contra violências machistas!
Machistas de esquerda não passarão!
Construir Mulheres Fortes! Construir um Povo Forte!
Lutar, Criar, Poder Popular!

Mulheres da Organização Resistência Libertária

20 de dezembro de 2016

[1] Ver nota da ORL: https://resistencialibertaria.org/2016/12/15/nota-de-repudio-as-violencias-cometidas-pelo-mtst-e-une-no-ultimo-ato-contra-a-pec-55-1312-em-fortaleza/

nov 252016
 

Fonte: Site Nacional da CAB

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O dia 25 de novembro foi instituído como o Dia Internacional da Não-Violência Contra a Mulher em 1999, homenageando as irmãs Pátria, Minerva e Maria Teresa Mirabal, “Las Mariposas” – brutalmente assassinadas em 1960 a mando do ditador Rafael Leônidas Trujillo, da República Dominicana. As três, que combatiam corajosamente a ditadura de Trujillo, foram estranguladas por agentes do Serviço de Inteligência Militar dominicano que, para simular um acidente de carro, jogaram seus corpos em um precipício. Em 2016, o movimento feminista também lembra os dez anos de vigência da Lei Maria da Penha.

Em vários espaços, várias formas de violência destroem nossas vidas: violências domésticas, no ambiente de trabalho, nas ruas, nos transportes coletivos, nas escolas e universidades – quer sejam violências físicas, sexuais, psicológicas ou simbólicas. O Estado, o patriarcado e o capitalismo estão intimamente envolvidos na opressão e repressão de nossos corpos e vidas.

Em série especial chamada “Violência contra a mulher no mundo”, de 2014, a Organização das Nações Unidas (ONU) reúne dados importantes para entendermos o problema social da violência contra a mulher. Segundo este documento, a violência contra a mulher é a violação de direitos humanos mais tolerada no mundo. Essa pesquisa usa o termo feminicídio para designar toda violência contra mulher que leva ou pode levar à morte.

Os números do feminicídio são alarmantes e se dividem majoritariamente entre 1) feminicídios íntimos: 35% de todos os assassinatos de mulheres no mundo são cometidos por um “parceiro”; 2) feminicídio não-íntimo: são crimes cometidos por alguém que não tenha relações íntimas com a mulher. A América Latina é uma das regiões mais conturbadas por crimes como estes: estupros, assédios e assassinatos; 3) crimes relacionados ao dote: é mais evidente no continente asiático, onde a cultura do “dote” ainda é forte; 4) casamentos forçados: mais de 100 milhões de meninas poderão ser vítimas de casamentos forçados durante a próxima década; 5) mutilação genital feminina: mais de 135 milhões de meninas e mulheres vivas já foram submetidas a essa prática aviltante em 29 países da África e Oriente Médio; 6) “Crimes de honra”: são homicídios de mulheres, jovens ou adultas, a mando da própria família, por alguma suspeita ou caso de “transgressão sexual” ou comportamental, como adultério, recusa de submissão a casamentos forçados, relações sexuais ou gravidez fora do casamento – mesmo se a mulher tiver sido estuprada. O crime é praticado para não “manchar o nome da família”. 5 mil mulheres são mortas por “crimes de honra” no mundo por ano.

Além disso, segundos dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em todo o mundo, 52% das mulheres economicamente ativas já sofreram assédio sexual no ambiente de trabalho.

Em um documento chamado “Diretrizes Nacionais para Investigar, Processar e Julgar com Perspectiva de Gênero as Mortes Violentas de Mulheres – Feminicídios”, pesquisa aponta que no Brasil, a taxa de feminicídios é de 4,8 para 100 mil mulheres – a quinta maior no mundo, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS).

No nosso país, 43% das mulheres em situação de violência sofrem agressões diariamente; para 35%, a agressão é semanal, segundo o Centro de Atendimento à Mulher. Em média, a cada 11 minutos uma mulher é estuprada em nosso país, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Num ranking mundial elaborado pelo Fórum Econômico Mundial, que analisou a desigualdade de salários entre homens e mulheres em 142 países, o Brasil ficou na 124ª posição, com uma previsão de 80 anos para que elas ganhem o mesmo que eles. Igualdade de salários só em 2095! As brasileiras ganham, em média, 76% da renda dos homens, segundo o IBGE.

Segundo o mapa da violência de 2015, a população negra, com poucas exceções geográficas, é vítima prioritária da violência homicida no país. As taxas de homicídio da população branca tendem, historicamente, a cair, enquanto aumentam as taxas de mortalidade entre os negros. Por esse motivo, nos últimos anos, o índice de vitimização da população negra cresceu de forma drástica. O número de homicídios de mulheres brancas caiu de 1.747 vítimas, em 2003, para 1.576, em 2013. Isso representa uma queda de 9,8% no total de homicídios do período. Já os homicídios de negras aumentaram 54,2% no mesmo período, passando de 1.864 para 2.875 vítimas.

O principal agressor da mulher é o seu “companheiro” ou “ex-companheiro” e o local onde é realizada a agressão é, em 71,9% dos casos, o ambiente privado (residência), seguido da rua com 15,9%. A violência física é a mais frequente (48,7%), seguida da violência psicológica (23%) e, em terceiro lugar, vem a violência sexual (11,9%).

Todos estes dados passam longe da cruel realidade das mulheres, pois muitas violências e violações não são sequer denunciadas, mas servem à reflexão sobre a dimensão do problema da violência contra a mulher no mundo. Pensar em um processo de transformação social exige necessariamente que pensemos no enfrentamento a todas as formas de violência contra a mulher, cotidianamente, através de nossas organizações políticas e movimentos sociais.

O Estado, através dos poderes executivos, legislativos e judiciário negligencia políticas públicas de gênero, oprime e criminaliza as mulheres. A mídia machista objetifica nossos corpos e legitima as violências de gênero. O capitalismo nos explora mais e nos paga menos pelos mesmos serviços.

A atual conjuntura de corte de direitos sociais em nosso país avança também sobre nossas liberdades. A conhecida lei da mordaça impede professoras de abordar em sala de aula assuntos como diversidade sexual e de gênero. A contracepção através da pílula do dia seguinte pode ser barrada. O aborto é proibido, criminalizado e sua ilegalidade já fez centenas de mulheres pobres vítimas em clínicas clandestinas neste ano.

É urgente nossa organização e auto-organização para barrar o capitalismo, o patriarcado e o Estado, pois sabemos que só através da luta social cotidiana, internacionalista, desde baixo e à esquerda podemos transformar essa realidade.

Precisamos tomar as ruas contra as ofensivas do Estado, fortalecer a auto-defesa e criar espaços de solidariedade para o enfrentamento a todos os tipos de violências contra a mulher. Façamos nós por nossas mãos tudo o que a nós nos diz respeito!

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Construir mulheres fortes!

Construir um povo forte!

Coordenação Anarquista Brasileira (CAB)

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