fev 122015
 

 

Reproduzimos abaixo a nota dxs nossxs companhierxs da Federação Anarquista Gaúcha, denunciando a forte repressão no Rio Grande do Sul e a prisão do companheiro Vicente. Pedimos ampla divulgação desta nota.

É denunciar o Estado Brasileiro!

 

 

NÃO SE INTIMIDAR, NÃO DESMOBILIZAR! TODA NOSSA SOLIDARIEDADE AO COMPANHEIRO VICENTE!

 

 

Janeiro de 2015, às vésperas da retomada das lutas contra o aumento das passagens e em defesa de um transporte 100% púbico em Porto Alegre, recebemos a notícia da sentença dada ao companheiro Vicente, militante da FAG e lutador social do Bloco de Luta pelo Transporte Público de Porto Alegre. Vicente está sendo condenado a um ano e meio de prisão por dano ao patrimônio público e crime ambiental, “crimes” que teria cometido em Abril de 2013 durante uma manifestação do Bloco de Luta em frente a Prefeitura de Porto Alegre. Trata-se da primeira condenação em Porto Alegre e para nós uma clara tentativa de intimidar e colocar medo no conjunto de lutadores e organizações que estão rearticulando as lutas nesse início de 2015. Um expediente político e histórico utilizado pelos setores dominantes de nossa cidade e de todo o mundo: o encarceramento dos que se levantam. Não nos desmobilizaremos e a nossa solidariedade será militante e nas ruas!!!

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E a criminalização continua…

O fato de a condenação nos ter sido comunicada apenas uma semana antes do primeiro protesto do ano do Bloco de Lutas pelo Transporte Público é tudo menos uma obra do acaso ou de um processo regular do poder judiciário. Inicia-se o ano e ao mesmo tempo se começa a mexer nos processos que estavam tramitando desde 2013: adicionando nomes à alguns, novos crimes à outros. O processo neste contexto busca ter o mesmo efeito de uma bala de borracha ou de uma bomba de efeito moral: uma tentativa de intimidar e freiar as lutas nas ruas que ousam questionar os lucros dos empresários e os conchavos já evidente das empresas com os poderes públicos.

A situação está longe de ser apenas uma situação local: quem achou que a conjuntura de criminalização havia se esgotado em virtude do descenso das mobilizações de rua após a Copa do Mundo em 2014, a recente movimentação dos governos e dos aparelhos repressivos indicam o contrário. Em São Paulo, Rio de Janeiro e uma série de outras cidades no Brasil que iniciaram o ano com mobilizações contra o aumento das tarifas de ônibus a repressão tem usado dos mesmos expedientes contra os manifestantes: gás lacrimogênio, bala de borracha e detenções arbitrárias. O carioca Rafael Braga Vieira, que era até então o único condenado dos protestos de junho de 2013 continua preso e em Porto Alegre os processos voltam a ser movidos, novos nomes são inseridos e agora a primeira sentença é dada, sem prova alguma. É a velha justiça burguesa tomando lado em uma luta entre opressores e oprimidos que está longe de acabar.

Contudo, a luta e organização dos de baixo não começou hoje e também continuará. Mobilizam-se os jovens, os trabalhadores, os sem tetos e as comunidades de periferia. As mobilizações de rua de 2013 abriram novas possibilidades na gestação de experiências organizativas e de luta que o conjunto da esquerda combativa e anti capitalista precisa ajudar a fomentar e impulsionar, descartando as velhas práticas vanguardistas, sectárias e impositivas que infelizmente ainda permeiam discursos e práticas de muitas organizações. Acreditamos que só assim podemos criar força social que desde baixo vá gestando mecanismos de auto-organização e cravando em seu horizonte a necessidade de transformação social do conjunto da sociedade. Uma verdadeira frente de oprimidas e oprimidos solidária a todo e qualquer companheiro preso, torturado, assassinado e desaparecido.

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2015: avançar em organização, cercar ainda mais de solidariedade @s que lutam!

A seletividade do sistema penal também se torna evidente neste caso. Ao longo desse processo que começa com mais de uma dezena de acusados pelos danos realizados em uma manifestação com mais de mil pessoas, vimos arquivarem um a um todos os suspeitos, responsabilizarem o único rapaz negro de ideologia anarquista que estava entre os acusados e agora incluírem outro militante negro do Pstu. Sabemos que o motivo central dessa condenação é de ordem político-ideológica mas não podemos omitir o fato de que a cor negra dos acusados tem um peso importante.

Os últimos processos tiveram como destaque a criminalização contra os coletivos e movimentos anarquistas. Em 2013, tivemos os nossos espaços públicos invadidos e nossos livros recolhidos, passando por pesados processos de inquéritos onde o que era avaliado era nossa posição em relação a temas como autoridade, governo, forças policiais e outros assuntos caros à ideologia anarquista. Panfletos, cartazes e literatura foram anexadas nos processos, como se fossem provas circunstanciais que mostrassem algum papel de mentor intelectual da nossa ideologia nas depredações ou saques realizados nas manifestações de 2013, que contavam com mais de 50 mil pessoas em Porto Alegre.

O companheiro Vicente, assim como os demais militantes e lutadores de outras organizações, coletivos e ideologias, não foi o primeiro e não será o último jovem negro e anarquista a ser condenado nesse Brasil racista. São milhares de homens e mulheres negros/as e pobres exterminados e condenados diariamente pelas polícias militares e pela justiça burguesa e racista. É a elas e eles que nossa solidariedade militante é direcionada e será junto de cada trabalhador/a que cerraremos nossos punhos. Não nos intimidaremos e em cada marcha de rua, piquete, greve, ocupação estaremos ombro a ombro com todos e todas que lutam!

Solidariedade à todos e todas companheiros e companheiras perseguidos por lutar!

Pelo fim da polícia militar!

Nossa ideologia anarquista não se presta a caricaturas!!!

 

Federação Anarquista Gaúcha – FAG

fev 052015
 

SOBRE A POLÍTICA ARCAICA DE COMBATE ÀS DROGAS

“A marcha fúnebre prossegue”

Facção Central

Secretarias, órgãos e instituições do Estado apresentam um discurso único na mídia corporativa e repetem constantemente que combaterão as drogas em 2015. Os deputados e o atual governador do Estado prometeram um plano de segurança ostensivo: mais polícia na rua, mais esquadrão Raio, construção de novos presídios, diálogo com as forças repressivas e o aumento de equipamentos para a repressão.

Tanto a direita quanto a esquerda parlamentar apresentaram seus planos de segurança na farsa eleitoral do ano passado. A esquerda eleitoral, com seu reformismo, apresentou um fajuto modelo em que o consumo de determinadas drogas seria controlada pelo Estado. Distribuição e consumo controlados pelo Estado? E o livre arbítrio para produções coletivas e domésticas de autoconsumo? É… fazem parte do programa dos partidos diversas formas de controle social. Parece ser uma pauta avançada, mas a intervenção estatal sempre visará controlar e vigiar os passos do povo.

Na realidade, este combate às drogas vem associado ao massacre da juventude periférica e pobre, em sua maioria negra. A tradução desse discurso no cotidiano é a criação de “zonas de extermínio”. Essas zonas estão na periferia, áreas sem bibliotecas, sem uma real formação para a vida, sem uma articulação entre os serviços sociais básicos e com altos índices de desemprego formal. Isso implica uma juventude sem acesso a serviços essenciais, sem uma renda satisfatória para manter as necessidades mais básicas.

A única coisa que chega a qualquer horário batendo à porta dessa parcela da população é a repressão. A principal violência em nossa sociedade é a do Estado! Essa juventude é chamada de vagabunda por muitos “especialistas” da (des)segurança pública, e os referidos vagabundos, na concepção dos “especialistas”, seriam aquela parcela matável. Essa propaganda aparece todos os dias nos programas policiais sensacionalistas, programas que são patrocinados por empresas de segurança, bebidas alcoólicas e funerárias. A ligação entre mídia e patrocinadores movimenta um verdadeiro mercado do terror.

Vivemos uma guerra não declarada, em que a pena de morte é a punição para quem não se adequa ao sistema. Nossa sociedade é concorrencial e excludente, e esses pilares do capitalismo são cartas fundamentais para nossa divisão. Assim, “no jogo do sistema é favelado versus favelado”, como diria nossos companheiros do Apologia do Gueto.

Muitos, quando falam em extermínio da juventude, gostam de apresentar dados sobre homicídios e acabam omitindo que o Estado contribui diariamente de outras maneiras para o extermínio da juventude pobre e negra. Eles omitem que os precários serviços sociais é que o verdadeiro extermínio, em que o posto de saúde fica sempre lotado, o transporte coletivo é sucateado e caríssimo, as unidades de “internação” para a juventude em conflito com a “lei” são superlotadas e o direito ao Ensino Superior para a maioria da periferia é negado pela “porta” do vestibular (SISU).

A solução apresentada pelo governo do Estado em conjunto com as forças repressivas é a criação de uma Secretaria de Combate às Drogas, que na prática já se vislumbra que será um combate a uma juventude que não teve direito algum durante sua vida. Será um combate a quem tem falta de quase tudo no cotidiano. É a visão arcaica e falida de sempre aumentar a repressão. Os cerca de 18 mil homens da polícia militar (PM) do Estado terão carta branca para ações mais truculentas.

Paralelo a isso, números e mais números são apresentados. Na Educação, o governo Dilma acaba de colocar um Ministro da Educação cearense. O mesmo que entrou com ações no STF para barrar a Lei do Piso Nacional do Magistério e que reprimiu violentamente as professoras e os professores na última greve do Magistério estadual cearense (2011). Eles propagandeiam os mais de 90% de alunos matriculados na escola básica. Isso não diz muita coisa, isso demonstra a hipocrisia do Estado e só ajuda a esconder a miséria da educação nesse estado e nesse país. Qual a função da escola cada vez mais tecnicista na atualidade? Qual a lógica das escolas “profissionalizantes”? Perguntas que respondemos simplesmente afirmando que a Escola mantém, como sempre manteve, sua função de apenas formar seres utilizáveis para o mercado e obedientes ao Estado.

O LADO SUL DA REGIÃO METROPOLITANA (RM)

[…] quem é que vai morrer por aqui não tem dublê, o roteiro é macabro o protagonista é você […] Apologia do Gueto

Crianças e adolescentes aumentam os números das estatísticas sobre violência em nosso Estado, mas a violência da desigualdade não é discutida, simplesmente se naturaliza. A violência estatal não entra na estatística. As mortes que ocorrem em presídios, nas filas de hospitais, no campo e nas fábricas dificilmente são relatadas pelo Estado. Se falarmos em homicídios, segundo o Mapa da Violência de 2012, Maracanaú e Fortaleza disputam o primeiro lugar em termos de homicídios para cada 100 mil crianças e adolescentes. Em números absolutos, Fortaleza ocupou a sexta posição e Maracanaú a 23ª colocação numa lista das 100 cidades com as maiores taxas de homicídio do Brasil. Muitos são os jovens que não aparecem nessa estatística, simplesmente somem de um dia para o outro. Ninguém sabe o que realmente ocorre dentro das unidades de “internação” para os jovens em conflito com a “lei”. Há também aqueles que passam por tortura, não suportam as sequelas e cometem suicídio.

No Maracanaú, assim como em outras cidades, a corrupção faz parte das estruturas de poder. A corrupção é intrínseca ao sistema capitalista. Ela permeia todas as instituições do sistema, inclusive, é claro, a policial. Não é apenas uma questão de “baixos rendimentos” que faz com que atos corruptos surjam entre os policiais. O que podemos esperar de quem tem a função de reprimir o povo que já é super explorado pelos patrões e governos? O que podemos esperar dos que ganham semanalmente uma “gorjeta” fazendo a RONDA nas propriedades privadas? Que o digam os postos de combustíveis e os grandes estabelecimentos…

O bairro do Conjunto Timbó, em Maracanaú, foi constituído por famílias vindas das diversas áreas periféricas de Fortaleza. Historicamente, a comunidade do Timbó teve e tem seu solo manchado por sangue, já passou por diversas ocupações e é um dos locais preferidos para “desova” de corpos. A ação policial (militar e civil) sempre foi truculenta e abusiva no bairro, principalmente com a juventude, e, em grande medida, as desovas (nas margens do Rio Timbó) foram realizadas por esses repressores. No Timbó faltam espaços para o desenvolvimento de arte e cultura no bairro. Nosso esgoto é jogado diariamente em um dos afluentes do Rio Cocó, as mazelas provocadas pelo sistema de dominação em que sobrevivemos estão presentes diariamente em nosso meio.

De meados de dezembro de 2014 até as primeiras semanas de janeiro de 2015, três foram as mortes ocorridas no Timbó. Tiros, conflitos, polícia e o chão vermelho de sangue, praticamente uma morte por semana. Cotidiano suicida é o que uma sociedade desigual traz. Mortes não desvendadas são comuns, mas não devemos achar normal tal situação, achar que é menos um e mais nada. As relações de dominação e as estruturas de poder precisam ser compreendidas. Precisamos nos organizar e entender que a justiça não é lenta, e sim burguesa e tenderá sempre para um lado. Foram três homens, três histórias, três seres humanos, vidas! Mulheres sofrem: mães, irmãs e namoradas que passam por situações vexatórias nos presídios em dias de visita.

O policiamento faz seus acertos e sabe a hora de jogar fogo nos conflitos. Há uma relação estreita com o tráfico e os acordos e a extorsão nas madrugadas são comuns. O mercado das armas corre solto. Quem vende as armas para a juventude periférica?

Nas favelas, policiais apreendem drogas e armas para revendê-las aos próprios traficantes e, depois de matá-los, as vendem novamente. Nenhum governo (mesmo um de “esquerda”), desde a ditadura, tem se preocupado com este processo, ao contrário, tem o levado cada vez mais ao extremo. E muitos partidos de esquerda defendem a ideia absurda da possibilidade de uma polícia cidadã! Uma polícia que não reprima os pobres é um sonho absurdo dentro do capitalismo (FARJ, Da periferia aos centros e de volta a periferia: Chacina da Maré, 2013).

Além do extermínio vindo do lado da repressão, a juventude periférica pobre e negra está se destruindo entre si. Grupos rivais a cada dia aumentam seu arsenal. Se a polícia tem conflito com um grupo, acaba munindo outro grupo para dar continuidade à guerra na periferia. Assim, não é difícil saber de onde vem a pistola Ponto 40.

A nossa arma deve ser apontada para o lado certo e para o verdadeiro inimigo, o sistema. A periferia deve se unir e utilizar seu potencial para auto-organizações combativas e revolucionárias. Os trilhos da transformação devem ser seguidos e o lado sul da Região Metropolitana deve ser linha de frente nesse processo. As PEDRAS no meio do caminho não devem ser retiradas por retirar, elas devem servir de munição para os alicerces da igualdade!

“A campanha pede o desarmamento da periferia
Só que os calibre letais protegem a burguesia”.

Eduardo, A fantástica fábrica de cadáver

“Será mais nobre suportar a injustiça moderadamente ou pegar armas para se contrapor à injustiça? Eu fico com a segunda. Se você pegar em armas, você acaba com ela. Mas se esperar os poderosos acabarem com a injustiça, vai esperar muito tempo. […]Vou me unir com qualquer um, de qualquer cor, desde que você queira mudar a miséria desta terra.”

Malcom X