maio 012016
 

Tradução ao final da Saudação

Saludos al Primero de Mayo anarquista de la FAR

Coordinación Anarquista Brasileña

La Coordinación Anarquista Brasileña saluda el acto anarquista del Primero del Mayo, organizado por nuestra organización hermana, la Federación Anarquista del Rosário. El Primero de Mayo és una fecha histórica de lucha internacional de las trabalhajadoras y trabajadores del mundo. Una fecha que encuentra la lucha de los Mártires de Chicago y su recuerdo esencial.

Reconocemos como nuestras y nuestros, las / los mártires de la lucha de la clase obrera y el anarquismo argentino. El anarquismo que proporcionó ejemplos heroicos de lucha y dedicación. La historia de la lucha anarquista en la Argentina es la historia de una lucha internacionalista. Es la historia de los mártires como Joaquín Penina, Kurt Wilckens, Virginia Bolten y Simon Radowitzky. Es la historia de los mártires y combatientes como Rita Artabe, Rafael Tello y muchos otros y otras que serán siempre (como dicen aquí): presente, presente, presente! Es la historia de Errico Malatesta, de August Spies, Lucy Parsons y Domingos Passos!

No olvidamos los masacres históricos promovidos por la clase dominante argentina contra nuestros hermanos de lucha, en los gobiernos y las dictaduras civiles o militares. Nuestro recuerdo no            está sujeto a pasar de los gobiernos. La semana roja, la represión de la cobarde dictadura militar argentina e lo masacre patagonico aún arde en nuestros corazones como el ejemplo de odio de la clase dominante contra los trabajadores.

Recordamos las huelgas y insurreciones de nuestros hermanos de lucha: la huelga de los marítimos de 1956, la más larga de história de Argentina, la experiencia de Cordobazo y Rosariazo. Nuestra inspiración és el pasado y el presente, de huelgas y luchas históricas.

En este momento histórico de avance del neoliberalismo y crisis del pacto de clases y el reformismo, nuestra ideología tiene un rol importante a cumprir. Con modestia, hay que seguir y consolidar un anarquismo latinoamericano que  alimentase de las tradiciones de nuestro pueblo peleador para tener una fisionomia libertária de lucha e enfrentamiento.

Nuestra opción és con las/los de abajo! Nuestra estrategia és fortalecer los movimientos populares e grêmios combativos! Nuestro horizonte és de la anarquia!

 

Luchar, crear, poder popular!

Viva el Primero de Mayo internacionalista!

Viva la lucha popular argentina y brasileña!

Viva la FAR!

Viva el anarquismo latino-americano! Viva el especifismo!

 


Saudações ao ato do Primeiro de Maio anarquista da FAR

Coordenação Anarquista Brasileira

A Coordenação Anarquista Brasileira saúda o ato anarquista do Primeiro de Maio, organizado pela nossa organização irmã, a Federação Anarquista de Rosário. O primeiro de maio é uma data histórica da luta internacional das trabalhadoras e trabalhadores do mundo. Uma data que encontra na luta dos Mártires de Chicago sua necessária lembrança.

Reconhecemos como nossas e nossos, as/os mártires da luta da classe trabalhadora e do anarquismo argentino. Anarquismo este que forneceu exemplos heróicos de luta e dedicação. A história da luta anarquista na Argentina é a história da luta internacionalista. É a história de mártires como Joaquín Penina, Kurt Wilckens, Virginia Bolten e Simon Radowitzky. É a história de mártires e combatentes como Rita Artabe, Rafael Tello e muitas outras e outros que sempre estarão (como se diz aqui): presentes, presentes, presentes! É a história de Errico Malatesta, de August Spies, de Lucy Parsons e de Domingos Passos!

Não esqueceremos os massacres históricos promovidos pela classe dominante argentina contra nossos irmãos de luta, nos governos e nas ditaduras civis ou militares. Nossa memória não se subordina a governos de turno. A semana vermelha, a repressão da ditadura militar argentina e o massacre patagônico ainda ardem em nossos corações como o exemplo do ódio da classe dominante contra nós trabalhadoras/es.

Saudamos os históricos exemplos de greves e insurreições promovidas por nossos irmãos de luta, a greve dos portuários de 1956, a mais longa da história da Argentina e a experiência do Cordobazo e do Rosariazo. Nossa inspiração se alimenta do passado e do presente, de greves e lutas históricas.

Nesse momento histórico de avanço do neoliberalismo e crise do modelo reformista e de pacto de classes, nossa ideologia tem um importante papel a cumprir. Com modéstia, precisamos seguir e consolidar um anarquismo latino-americano que se alimente das tradições do nosso povo aguerrido para constituir uma fisionomia libertária de luta e enfrentamento.

Nossa opção é com as/os de baixo! Nossa estratégia é a de fortalecimento dos movimentos populares e sindicatos combativos. Nosso horizonte é o horizonte da anarquia.

 

Lutar, criar, poder popular!

Viva o Primeiro de Maio internacionalista!

Viva a luta popular argentina!

Viva a FAR!

Viva o anarquismo latino-americano! Viva o especifismo!

maio 012016
 

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O 1O DE MAIO: EM MEIO À CRISE FINAL DO PROJETO “DEMOCRÁTICO-POPULAR”

O 1° de Maio em nosso “tempo”

Há 120 anos o 1° de Maio é uma data especial para a classe trabalhadora de todo o mundo. Um dia de luta, mas também de luto, reflexão e homenagem a todos aqueles que um dia sacrificaram suas vidas para a luta dos de baixo. Uma data que os de cima fizeram e fazem de tudo para esvaziar seu significado original, apresentando-a enquanto “Dia do Trabalho”, uma espécie de dia para santificar patrões e governos que, investidos de boa vontade, nos “dão trabalho” e “alternativas de vida”.

Independente deste jogo dos de cima, em todo o mundo o Primeiro de Maio sempre foi um momento importante para muitos trabalhadores e trabalhadoras pensarem sua própria situação, organização e capacidade de lutar por mudanças efetivas. Em outras palavras, sua capacidade de poder. É, portanto, uma data de toda a classe trabalhadora e por isso mesmo um marco internacional que paira além das tradições políticas e ideológicas que vêm desta classe em luta.

Esse 1° de Maio não se enquadra em um cenário favorável para nós. Difícil seria se enquadrar, já que nossa experiência tem demonstrado que até que se aniquile o Capital e o Estado, todos os tempos serão tempos terríveis. No entanto, é nossa tarefa analisarmos quais são as características do momento em que entramos, suas coincidências com outros tempos, as forças dos agentes em jogo etc. Análise que pretende ser objetiva e não dogmática, sem querer encaixar a realidade dentro de uma determinada teoria. Um vício que tem levado parte expressiva da esquerda a dar voltas em círculos, como um cachorro que tenta agarrar o próprio rabo, sem inserção nas lutas sociais, atuando exclusivamente em direções, cargos, etc., ao invés de estar na base e construir movimentos populares desde baixo.

Nos últimos meses a esquerda em geral tem assistido a uma ofensiva do andar de cima, do conservadorismo e da direita no país. Essa ofensiva que, ao nosso ver, se manifesta como catarse no processo espetaculoso do impeachment da presidente Dilma, também gera consequências terríveis no âmbito da esfera organizativa dos de baixo. De um lado, um retrocesso político de muitos setores que hoje se reduzem a “defender a democracia”, sabendo-se lá o que se quer dizer com esse conto. Do outro, uma autoproclamação elitista que se coloca acima da classe: na incapacidade de conviver cotidianamente com ela, acredita que lançando algumas palavras de ordem pode acionar um incêndio e passar a “dirigi-la”.

Atônita e com pouca capacidade de reação no curto prazo, boa parte da esquerda tem se reduzido ao melancólico papel de espectadora de uma trágica ofensiva reacionária que tem acumulado consideráveis forças e convoca um esforço redobrado de nossa parte para fazer valer o pouco que conquistamos. O pouco que conquistamos com o sangue, suor e lágrimas de muitos, entre eles dos anarquistas Mártires de Chicago condenados à morte.

O Espetáculo do Impeachment e a ofensiva conservadora

Grotesco espetáculo circense aparte, o impeachment movido pelo bando vigarista do congresso liderado por Eduardo Cunha foi um golpe parlamentar que se ancora na crise sem precedentes do governo Dilma e do petismo na cena política nacional:

– a franca evolução do PT ao centro e à direita pela política de alianças com as oligarquias que formam o centrão do Congresso Nacional, no qual as barganhas e as chantagens do PMDB representam sua expressão mais pura;
– a liquidação do pacto de classes diante de um cenário econômico recessivo e a rendição do governismo às pautas do ajuste fiscal cobrado pelo sistema financeiro e pelas patronais;
– a posição equivalente de um partido sócio da corrupção sistêmica e do estelionato eleitoral que é regra do jogo da democracia burguesa.

O desejo por trás da reação parlamentar, midiática e judicial nessas circunstâncias especiais é fazer com que o ajuste envergonhado que o PT conduz atinja o grau máximo pela via do impeachment, resultando na formação de um governo de choque. Atacar os direitos e os bens públicos sem os meios de colaboração e do “diálogo” que foram usados à exaustão pelos gestores petistas do capitalismo brasileiro, sejam aqueles integrados nas estruturas do Estado ou nas burocracias dos movimentos populares, com especial destaque ao movimento sindical. Tomar carona oportunista na comoção social produzida pelo derrame do discurso jurídico-criminal sobre a política e a corrupção para impor soluções ao gosto das mesmas classes dominantes de sempre.

Não nos restam dúvidas de que Sérgio Moro e a Lava Jato trabalham para estes interesses. Essa é a trama preferencial de uma narrativa privilegiada pelos grupos de mídia, que se aproveita da situação para fazer cortina de fumaça nas investigações que acusam os sonegadores pela Operação Zelotes e as contas na Suíça do HSBC. Os aparelhos judiciários não têm nenhuma vocação para uma mudança social que ponha o centro da decisão na participação popular.

O que boa parte da esquerda parece ter dificuldade de entender é que por fora da gramática do poder de classificar culpados e inocentes, de selecionar e excluir, de toda máquina penal que alimenta um discurso punitivo, o projeto liderado pelo PT se integrou nessas estruturas dominantes e se afundou na vala comum. Aparte do processo legal, o governismo e suas “correias de transmissão” no movimento sindical e popular atropelaram conceitos e valores que são muito caros a uma concepção de esquerda. A princípio não nos toca a legalidade do “triplex” ou do “sítio de Atibaia” que pressionam Lula. O que provoca nosso rechaço, antes de tudo, é que líderes históricos da legenda nascida das greves do ABC sejam consultores sem constrangimentos da patronal e gestores de fundos de pensão. No caso de Luis Inácio, estamos a falar de um palestrante de luxo da Odebrecht e amigo de Bumlai, poderoso empresário do agronegócio. Um fã ardoroso do banqueiro Henrique Meireles, para dar só alguns exemplos.

A tragédia de tudo isso é que na percepção dos setores populares a trajetória de fracassos e decepções de um partido gestado no fruto das lutas sociais dos anos 80 arrasta toda a esquerda para o mesmo buraco. Estimulam o ceticismo, a intolerância e a indiferença política e social, onde crescem as ideias reacionárias de uma salvação autoritária que adiam a urgência de organizações populares de base.

Aniquilar pela vidraça do PT todo tipo de movimento social e pensamento de esquerda tem sido a grande ofensiva dos setores reacionários que encabeçam o impeachment, colocando um “anticomunismo” primitivo como uma das principais questões desta ofensiva. Daí que entre o ajuste fiscal encontramos também uma ofensiva reacionária em relação à cultura e à educação, com o bizarro projeto “Escola sem Partido” que vem ganhando terreno em diversos Estados da união sob diversos matizes, mas com um mesmo fim: coibir a pretensa “doutrinação ideológica” de jovens nas escolas e universidades por um fantasioso “marxismo cultural” de professores da área de humanas. Uma teoria da conspiração que, como tal, na ausência de um mínimo fundamento histórico, teórico e pedagógico se nutre de um raivoso ressentimento conservador que busca, inclusive, encarcerar professores dependendo daquilo que dialoguem com os estudantes.

O retrocesso que nos ronda, portanto, não é apenas em relação à maior precarização de nossas relações de trabalho com o aniquilamento de direitos e arrocho salarial. É também um retrocesso que joga no plano cultural, na ávida busca dos conservadores em formar uma geração de jovens perdidos sem qualquer capacidade de elaboração de um raciocínio que problematize sua vida cotidiana e o espaço onde ela se desenvolve. Jovens que se acostumem a serem dóceis funcionários do trabalho precário ou mortos sumariamente na trágica “guerra das drogas” e nas chacinas que atingem a população das vilas e favelas, em especial a juventude negra. O modelo da “escola prisão”, de reduto disciplinador de corpos e mentes, da promoção de uma ideologia de competição, onde aos “melhores” cabe o papel de passar por cima dos “piores”, ganha uma posição privilegiada nesse cenário.

A vocação economicista e/ou parlamentarista de grande parte da esquerda não tem permitido a necessária atenção em torno dessa ofensiva cultural. Ao mesmo tempo demonstra a sedutora tentação de que pode se apresentar instantaneamente como a grande alternativa à desilusão das amplas massas com o petismo. Tudo se resume à correta escolha de um punhado de palavras de ordem que alimentem um otimismo delirante de que “agora é a nossa vez”. Caso o jogo não seja virado, basta culpar aqueles que “capitularam” e preparar-se para sua próxima derrota caricata.

Forjar a construção de alternativas desde as bases e com as bases

Os 14 anos de hegemonia do projeto democrático popular chegam a sua saturação final. Nestes últimos anos a esquerda não governista esteve em meio a uma luta para conformar uma alternativa a esse bloco. Cada setor, cada organização concebeu, a sua maneira, o que seria essa alternativa. Mas no fim, não foi capaz de presenciar alguma proposta que disputasse com o bloco governista nas lutas populares. Isso, por sua vez, não tirou de cena o surgimento de inúmeras experiências que transbordam ensinamentos e avanços difíceis de medir precisamente. Das “greves selvagens” e das revoltas nas obras do PAC, passando pelas jornadas de junho em 2013, a luta por moradia nas grandes cidades e a recente onda de ocupações de escolas por estudantes secundaristas em São Paulo, Goiânia, Rio de Janeiro e Belém mostram que em meio às trevas da ofensiva reacionária, também vai se afirmando uma nova geração de lutadores e lutadoras. Uma geração que não se formou pelas estruturas tradicionais de luta e organização que a esquerda construiu nas últimas décadas, por isso mesmo, uma geração refratária aos métodos e à cultura destas estruturas.

O 1° de Maio, evento histórico de nossa classe, é um momento para refletirmos nossa trajetória enquanto classe em luta, de resgatar os valores universais que difundiram nossos Mártires de Chicago na épica luta pela redução da jornada de trabalho, levada a cabo por homens e mulheres do povo em todo o mundo, disputando com os parasitas do trabalho a organização de nossas vidas. Uma vitória que estes parasitas nunca nos perdoaram e buscam contorná-la ainda hoje com seus infames artifícios, como é o caso do banco de horas.

O 1° de Maio é o momento para estarmos juntos, refletindo sobre nossa presença nos diversos espaços de nossa classe e em como temos alimentado cotidianamente laços de resistência. Da disputa contra ideias conservadoras à organização de uma luta contra o ajuste, tudo é decisivo na construção de um punho forte e solidário dos de baixo. Não se trata de apresentar-se enquanto única verdade, mas sim de construir, palmo a palmo, os alicerces do novo dique dos de baixo a conter a ofensiva dos de cima. É no fazer cotidiano de nossa classe que vamos acumulando força social, expressa no empoderamento dos de baixo e não no fortalecimento de aparatos. Uma força real que exige de nossa parte que não sejamos sectários, exige mais reflexão, capacidade de escuta e imaginação política.

Em memória aos Mártires de Chicago, continuar a luta por direitos e pela transformação social!

Criar um Povo Forte! Desde baixo e à esquerda!

Lutar! Criar Poder Popular!

Coordenação Anarquista Brasileira – 1° de Maio de 2016

abr 172016
 

luto - toda solidariedade aos sem-terra

Lições de que as transformações só vêm com o povo organizado

No dia 17 de abril de 1996, cerca de 1.500 camponesas e camponeses organizados nas fileiras do MST/PA organizaram uma grande assembleia e decidiram marchar para a capital do Pará, Belém, para apresentar sua pauta de reivindicações junto ao Governo do Estado e discutir com o conjunto da sociedade a necessidade de uma ampla reforma agrária. Dentre os pontos, a desapropriação do complexo conhecido como Macaxeira. Um mosaico de fazendas que totalizavam 42 mil hectares situados no Município de Eldorado dos Carajás. No trajeto, na altura da Curva do “S”, na PA-150, com fome e sede, decidiram bloquear a rodovia para reivindicar do INCRA mantimentos e água para continuar sua jornada. Tal ato parou a circulação de mercadorias e pessoas que vinham tanto de Marabá quanto de Parauapebas no Pará. Isso deixou os fazendeiros e a Cia Vale do Rio Doce (CVRD) furiosos, na medida em que não podiam deslocar suas mercadorias e nem muito menos os carros de valores oriundos da sede da CVRD em Carajás.

Pronto. Estava completa a equação para a repressão. Ocupações sistemáticas de terra e depois o impedimento do escoamento de suas mercadorias, impedindo seus lucros. Foi quando se percebeu a perfeita sintonia entre o capital e o Estado contra a classe oprimida. Uma ligação telefônica da Vale para o então Governador do Pará, Almir Gabriel (PSDB), determinou a retirada dos lavradores “de qualquer maneira da estrada” – depoimento do Coronel da PM Pantoja, um dos coordenadores da Operação. Foi quando dois batalhões da Polícia Militar do Pará se deslocaram para a Curva do “S” e promoveram o massacre: 21 camponeses assassinados e 69 mutilados. Dentre os depoimentos dos sobreviventes, além da polícia não usar identificação, foram reconhecidos famosos pistoleiros da região vestindo a farda da corporação. O mais famoso é um indivíduo de alcunha “Papagaio” que estava muito bem “ambientado” no interior dos coturnos e gandolas de propriedade da PM.

Vinte anos depois, o que é que os camponeses e camponesas tiraram como aprendizado depois de tanta gente morta e ferida?

Além das conquistas oriundas de sua luta direta, a certeza de que somente pela luta do povo organizado é que ocorrem as transformações sociais. Exemplos de conquistas como a institucionalização de programas como PRONAF (Programa Nacional de Apoio a Agricultura Familiar) e o PRONERA (Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária), bem como o aumento considerável de territórios camponeses através da instalação de Projetos de Assentamentos (PA´s), são provas concretas de que a ação direta é a única linguagem que o capital e o Estado entendem.

Contudo, apesar dos acúmulos da luta, muitos movimentos sociais apostaram que seria possível fazer avançar as pautas do campo por meio do projeto de governo do PT, baseado no pacto de classes e no pior tipo de barganha política. Mas a rica história de luta da classe oprimida sempre nos mostrou que sem pressão popular, protagonismo e empoderamento das bases, nenhum governo defenderá por si só as pautas dos de baixo. A natureza do Estado é defender os interesses dos ricos e poderosos, e toda sua estrutura funciona para esse propósito, independente de quem exerça o mandato. Assim como sabemos que, se existe movimento social é porque ainda há luta e conquistas para se fazer, e seja qual partido esteja no governo, não é garantia de que faça alguma transformação concreta para o povo.

Não negamos a existência de determinadas políticas e programas sociais, principalmente para as pessoas mais atingidas pela seca, fome, miséria. E que estão nestas condições por conta de todo um processo de continuidade de políticas  oligárquicas e de uma “indústria da miséria”, que também não foi abalada nesses 12 anos de governo petista. E, apesar dessas políticas sociais, o que se consolidou de fato no Governo PT foi o modelo do agronegócio, que hoje bate recordes de exportação de commodities, foi a estagnação da reforma agrária e o desmonte das políticas públicas para a agricultura camponesa. Ou seja, o saldo da barganha que o PT fez com o capital não é nada favorável ao povo do campo e às comunidades tradicionais. Senão, vejamos:

Foi Lula que abriu as portas para o plantio de soja transgênica no país. E, quando reeleita, Dilma abre um tapete vermelho para Kátia Abreu e a CNA no governo;

No primeiro mandato de Dilma a concentração de terras nas mãos do latifúndio pulou de 238 milhões de hectares para 244 milhões de hectares. Desde 2003, primeiro ano do Governo Lula da Silva, foram registrados 529 assassinatos ligados à luta pela terra e à luta pelo reconhecimento de territórios no Brasil.

Para se ter uma ideia do grau de concentração da terra no país, a segunda maior etnia indígena do Brasil, os Guarani Kaiowá (a maior são os Kayapó no Pará), com 45 mil indígenas, está confinada em 30 mil hectares. Enquanto que no mesmo estado onde localiza-se a maioria de seus territórios, o Mato Grosso do Sul, existem 23 milhões de cabeças de gado que se encontram dispersas em 23 milhões de hectares, o equivalente a um hectare para cada animal. O governo Dilma em 2015 não assinou nenhuma homologação de Terras Indígenas, mesmo tendo em sua mesa 21 processos de demarcação sem nenhum questionamento administrativo e/ou judicial.

No Brasil, existem hoje 214 mil famílias Quilombolas. Destas, 92,5% aguardam titulação de suas terras. Os quilombolas no Pará vivem com sobreposição de projetos minerários com, pelo menos, oito empresas e profundamente ameaçados por essas mesmas firmas. São elas BHP Billinton, Mineração Rio do Norte, Vale S.A., Amazonas Exploração e Mineração, Redstone, Pará Metais.

Como se isso não bastasse, tramita no Congresso Nacional a PEC 215. Orquestrada pela famigerada Bancada Ruralista, o projeto materializa um ataque frontal ao povo do campo. Por esse projeto, caberá ao mesmo Congresso Nacional decidir sobre a demarcação de terras indígenas e sobre a titulação de terras quilombolas, o que submete esses processos aos interesses financeiros e de classe do latifúndio.

Paralelamente, a criminalização das lutadoras e lutadores também é um fato. No último dia 07 de abril, o Cacique Babau, dos Tupinambá, foi preso no município de Ilhéus, na Bahia. Um dia depois, militantes do MST foram encurralados, em Quedas do Iguaçu, pela polícia do Paraná e por capangas da empresa Araupel, de propriedade da Suzano Celulose. O resultado foi a assassinado dos lavradores Vilmar Bordim e Leomar Bhorbak e sete outros camponeses feridos.

Não podemos esquecer, também, do recente assassinato de Ivanildo Francisco, em Mogeira (agreste paraibano); Ivanildo era próximo do MST, do MAB e da CPT. O assassinato de Enilson Robeiro e Valdiro Chagas, da Liga dos Camponeses Pobres (LCP), no mês de janeiro em Jaru, Rondônia. Regina Pinho, assassinada em fevereiro de 2013, e, Cicero Guedes, assassinado em janeiro do mesmo ano, no norte fluminense.

Entendemos que as esperanças do povo camponês com o que poderia ser o Governo do PT em 2003 foram reais. Mas, o que não são reais são as políticas do PT para o povo. E o povo não quer as migalhas que Dilma e o PT oferecem agora aos movimentos sociais e povos tradicionais, com a destinação de terras para a reforma agrária e reconhecimento de territórios tradicionais, mas que não têm impacto algum na brutal desigualdade de concentração de terras nas mãos do Agronegócio e Latifúndios. Medida que o PT poderia ter feito em seus 12 anos no governo, mas não fez, e só esboça fazer agora apenas pelo desespero de se manter no governo.

Reforçamos que, nesta data consagrada pela Via Campesina como o Dia internacional de Luta Camponesa, devemos reforçar que é com a participação direta das bases na condução das lutas que conquistaremos e lutaremos por nossos direitos e por uma sociedade mais justa e igual.

As transformações sociais não virão de cima, mas do caminho construído pelos de baixo. Com Ação Direta e Radicalidade nas Lutas!

mar 212016
 

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Entre a farsa do pacto social e a tragédia golpista: só a luta de classes decide!

Coordenação Anarquista Brasileira

20 de março de 2016

Manifestamos aqui nossa posição, das e dos anarquistas da CAB, diante do agravamento no cenário de disputa feroz entre os setores dominantes pela direção do poder político nacional.

Os expedientes usados pelo juiz Sergio Moro, a Polícia Federal e o MPF, combinado com o espetáculo orquestrado pelos oligopólios da comunicação, em especial a rede Globo, desde a condução coercitiva de Lula até os grampos vazados em paralelo a sua nomeação como ministro, são descritivos de uma luta cada vez mais agressiva pela máquina do Estado.

A direita opositora ao governo do PT se vale da judicialização da política e de toda produção do discurso seletivo e criminalizador da mídia para atuar numa “zona de fronteira” dos marcos constitucionais do direito democrático burguês. Em meio a esse cenário, têm sido comuns entusiasmadas manifestações oportunistas de setores da esquerda anti-governista com pretensões eleitorais em torno da judicialização da política. Ao contrário do que sugere estas manifestações, a judicialização da política não guia para a esquerda, muito menos para uma “revolução política”. Sugerir isso demonstra o retrocesso de expectativas e horizonte estratégico e um esvaziamento de significado que faz do que se entende historicamente por “revolução”, uma infantil bravata para ser agitada de forma torpe nas redes sociais. O oportunismo que hoje abraça esse espetáculo abre caminho para a capitulação de amanhã. Trágicos exemplos que seguiram essa via não nos faltam.

Antes de mais nada, a judicialização da política joga efeitos ideológicos que repercutem em ideias e noções conservadoras de uma salvação nacional pelas mãos do poder judiciário, da polícia ou das forças armadas. Tanto ceticismo, indiferença, a ascensão de discursos de ódio e ressentimento com a política amesquinhada pelos partidos da democracia burguesa são o caldo de cultura de um pensamento fantasioso. Uma noção de política que dispensa a participação popular e governa pelas técnicas do controle e da ordem. Pode dar asas para a imaginação autoritária de onde nascem as criaturas mais infames da política.

É pela via desses artifícios que um golpe branco está em curso. Mas, digamos em linhas muito francas para evitar equívocos: este é um tipo de golpe orquestrado por setores da direita no congresso, no judiciário, na mídia, nas organizações patronais que tomam coragem em cima da situação ridícula e patética em que caíram o PT, as autoridades do governo e as burocracias dos movimentos populares que fazem parte de seu arco de sustentação. Um PT atirado na vala comum da política burguesa é o álibi perfeito de uma ofensiva que vem para castigar os direitos e liquidar recursos e serviços públicos.

O sistema de dominação capitalista não leva a Constituição debaixo do braço para atuar. Quando tem oportunidade, ele torce a legalidade, rasga o estado de direito, mexe nas regras do jogo pela força e impõe seu poder de fato. Quando a esquerda tentou fazer reformismo apoiada nessa estrutura legal, foi, primeiramente, empurrada ao recuo organizativo e ideológico para em seguida ser severamente reprimida. A história tem vários episódios que contam isso.

Mas esse não é o caso do PT. O Partido dos Trabalhadores, parafraseando Lula, foi acovardando seu reformismo desde os anos 80 até chegar ao governo pela eleição de 2002 com um programa negociado com as estruturas do poder dominante. Foi um eficiente e deslumbrado gestor de turno do capitalismo brasileiro, associado com patrões, banqueiros e ruralistas, amigado com uma oligarquia nojenta. O PT atraiu um setor da direita para um pacto de classes com prazo de validade e o pior é que se convenceu e segue convencido que pode ser parte confiável do sistema das classes dominantes.

O fracasso da colaboração de classes que sonhou o PT e seus governos arrastou junto o movimento sindical e popular, tirou a independência de classe na luta da classe trabalhadora, dividiu e burocratizou as organizações de resistência. Fez toda uma cultura política que produziu um sujeito domesticado pelo poder, que pôs freios e cabrestos na luta de classes.

Se esse projeto sempre rezou a cartilha das regras do jogo institucional do Estado burguês, no campo popular nunca dispensou a possibilidade de pisotear os mais elementares princípios de democracia de base. Fraudes em eleições e assembleias de organizações sindicais e estudantis, manobras, agressões e perseguições a correntes e militantes dissidentes foram se afirmando como o script por excelência na base dos maiores movimentos que dão sustentação ao projeto “democrático-popular”. Nesse sentido, é sintomático notar que as burocracias dos movimentos populares a reboque são muito mais enérgicas e combativas para defender o governo de turno do que para defender a classe, constantemente aviltada por esse mesmo governo e também pelos rebaixados acordos assinados por seus sindicatos com as patronais que hoje convocam a liquidação de ambos.

Por outro lado, ativou na sociedade um recalque furioso pelo que não foi, que desperta ódios e abre espaço para emergência nas ruas de setores fascistizantes de extrema-direita, que, animados por esse mesmo recalque, buscam hoje um linchamento público de tudo aquilo que cheire esquerda, fazendo-se valer da vidraça do PT.

Quem quer assumir o governo agora e pisa por cima da carniça do PT são partidos de oposição ressentidos por ficarem de fora do controle dessa estrutura de privilégios, mas que nunca ficaram de fora do rateio dos recursos públicos e da farra com os patrões sobre o orçamento e o patrimônio público. Mas também está o mercado com o sistema financeiro e os industriais que ganharam toda sorte de juros, benefícios e privilégios durante os melhores dias da narrativa do crescimento econômico. Os agiotas, sonegadores, genocidas do povo indígena e negro, que fazem de conta que estão de fora do esquema. Eles cospem no prato que comem, engordaram com o PT e agora querem fazer da sua queda o palco de imposição do ajuste no grau máximo. Um ajuste que busca rasgar de vez os direitos trabalhistas, fazer a cama para os vampiros das patronais que pretendem precarizar ainda mais as condições de trabalho, impor o PL das terceirizações, a reforma da previdência, manter as falências fraudulentas, atirando os trabalhadores vítimas de acidentes de trabalho no olho da rua como se fossem dejetos, demitindo em massa para recontratar em condições cada vez mais precárias.

Esse é o golpe que está em processo. Que se vale do PT sócio da corrupção com as empreiteiras, avalizador do ajuste, de entrega do pré-sal, autor da lei antiterrorismo, das UPPs, da paralização da reforma agrária e da violência contra os povos indígenas e quilombolas. Que o toma como patético refém e o execra publicamente para fazer o ajuste cortar ainda mais fundo e sangrar sem limites as classes oprimidas.

O curto prazo promete um concerto por cima. Seja como for, vem um governo de coalizão agressivo contra os trabalhadores e o povo. Independente do desfecho deste trágico espetáculo, o que veremos serão coxinhas e jararacas, cada qual a sua forma, buscando fazer valer o ajuste, ainda que com graus de variações distintos. A punhalada está vindo de frente pela direita ideológica, mas também pelas costas, aplicada por um governo e partido que não deixa de se valer de um discurso emotivo e irracional, que convoca mitologias e fetiches em torno de um passado de luta como forma de criar uma cortina de fumaça ao seu ajuste e ao seu claro projeto político de centro-direita.

A eterna espera pela “guinada à esquerda” nesses dias se manifesta na defesa intransigente de um Lula ministro que não esconde que chega para tentar salvar a aliança com o PMDB e o restante da base aliada, leiloando o que pode, com os joelhos dobrados cada vez mais à direita. Enquanto a cortina de fumaça midiática agita uma polarização de “torcidas”, as mãos se fecham em acordos pelo avanço da privatização das empresas estatais e adequamento do aparato repressivo para a maior criminalização do povo que luta.

Somos contra este golpe, porque ele implica um corte mais profundo na carne das classes oprimidas e abre caminho para uma correlação de forças ainda mais desfavorável para os de baixo. Mas não admitimos negociar nenhum direito para servir como moeda de troca deste governo moribundo que cavou sua própria cova ao trair as expectativas dos/as trabalhadores/as e ao sancionar a lei antiterrorista em plena crise política. Vamos lutar realmente contra esta tentativa de golpe, sem aderir ao reboquismo e ao mesmo tempo sem perdoar a pelegada, ao fortalecer uma posição à esquerda, de combate e a partir da concepção de que só podemos contar com nós mesmos e com o povo em luta organizado construindo seu próprio caminho, contra todo e qualquer golpe historicamente aplicados pelas/os de cima contra as/os de baixo.

Nosso lugar nessa dramática e decisiva disputa é fazer valer a independência de classe como a real alternativa às classes oprimidas. Uma alternativa de classe que no curto prazo, marcado pelo trágico desmantelamento organizativo do tecido social, se traduz na mais resoluta solidariedade de classe. Dar disputa ideológica em defesa das lutas que surgem desde baixo e aportar toda solidariedade possível; buscar estender e massificar as greves, ocupações, atos contra as medidas de austeridade e a carestia para, a partir daí, se acumular forças reais para radicalizar a independência de classe, colocando-a como efetivo embrião de poder popular, de um forte e solidário punho a se estender dos oprimidos em todos os rincões do país e golpear de forma altiva e destemida os patrões, governos e também o peleguismo e a traição de classe.

A organizar os diversos setores que compõem a classe trabalhadora, construindo movimentos sociais e fortalecendo seu protagonismo popular, pautando sua autonomia e combatividade! Apenas o avanço do poder popular será capaz de tanto dar resposta ao avanço da onda conservadora que toma o país, quanto resistir aos retrocessos impostos pelo governo.

Uma só classe, uma só luta!

Derrotar a direita golpista e avançar na luta contra o pacto de classes!

Pelo socialismo e pela liberdade!!!

 

mar 092016
 

“Somos escravas dos escravos. Exploram-nos mais impiedosamente que aos homens.”

Lucy Parsons.

Resgate histórico sobre 8 de Março, Dia Internacional da Mulher:

Possuímos uma cultura do esquecimento, de apagamento de nossa memória, somos fruto de uma história que gerações antepassadas construíram. Por isso é de suma importância que nós, enquanto anarquistas feministas organizadas, façamos o resgate e a preservação cultural da história da luta da classe oprimida, das lutas empregadas por grandes mulheres que não se submeteram ao regime patriarcal dominador de sua época.

Datas importantes e que foram históricas na luta de classes, como o 8 de Março e o 1° de Maio, são “comemoradas” sem que haja o conhecimento suas origens. Sabemos que a classe dominante tem sua própria versão da história, versão essa que apaga deliberadamente as lutas sociais contra a dominação e exploração. Ainda mais por isso é que devemos nos apropriar da história de nossa classe, valorizar suas conquistas e aprender com seu movimento.

8 de Março:

O Dia internacional de luta das mulheres tem origem em 8 de Março de 1857. Em um episódio de muita repressão e violência empregadas contra a luta das mulheres operárias do setor têxtil e ao seu movimento grevista. As operárias haviam ocupado a fábrica em que trabalhavam, reivindicando redução da jornada de trabalho, equiparação salarial aos dos homens, que chegavam a receber três vezes mais pelo mesmo tipo de serviço, e mais dignidade no ambiente de trabalho. Na cidade de Nova Iorque, os patrões, em resposta ao movimento, trancaram as operárias e incendiaram a fábrica, carbonizando e matando cerca de 130 tecelãs.

Se vivemos sob a lógica de dominação e exploração, que faz milhares de pessoas viverem submetidas às várias formas de opressões, também podemos ter a certeza de que são as mulheres as que mais sofrem com toda a desigualdade e a injustiça social do capitalismo. Elas já são exploradas enquanto trabalhadoras, o que se intensifica ainda por serem mulheres numa sociedade regida pelo machismo.

Conjuntura política de ataques às mulheres:

E hoje, em uma sociedade em que o ascenso da direita conservadora é inegável, vemos os ataques às de baixo se intensificarem ainda mais. Um dos ataques é o Projeto de Lei 5069/2013 de autoria do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB), que trata sobre a prática do aborto, em que “Tipifica como crime contra a vida o anúncio de meio abortivo e prevê penas específicas para quem induz a gestante à prática de aborto.” Prevê pena de prisão de 4 a 8 anos, para quem auxiliar de forma direta ou indireta a gestante na prática do aborto. E isso se acentua ainda mais em relação ao auxílio e/ou orientação por parte de profissionais, com penas entre 5 a 10 anos de prisão.

Este deve ser um momento de unificação dos setores da classe oprimida para reagir contra os ataques dos de cima. Só com muita organização e força social nós, mulheres, avançaremos em nossas conquistas econômicas e políticas e arrancaremos das forças do capital e do Estado, os direitos que sempre nos foram negados durante a história da luta de classes.

Podemos dizer que o ano de 2015 foi de avanços para a luta das mulheres. Além da 5ª Marcha das Margaridas, em agosto de 2015, que reuniu mulheres indígenas, quilombolas e agricultoras de todo o Brasil, também em Brasília ocorreu a Primeira Marcha da Mulher Negra, que serviu para dar mais visibilidade para quem até então “não aparecia na foto carregando o piano”, como disse Juliana Gonçalves, jornalista e uma das coordenadoras do movimento em São Paulo.

Curdas e Zapatistas:

Em outros dois pontos do globo terrestre, um tanto quanto distantes do Brasil, estão em curso processos muito interessantes de auto-organização e empoderamento feminino, em que podemos nos debruçar e atentar um pouco mais, servindo de referência e inspiração.

Um deles é o processo revolucionário curdo, em que as mulheres, em uma região historicamente dominada e regida por um machismo perverso, que as impedia de mostrar o próprio rosto, vêm protagonizando um papel central na luta contra o Estado Islâmico e o Estado Turco, dois grandes inimigos do povo curdo.

Mais próximo a nós, há as Zapatistas, no México, onde desde 1994 as mulheres indígenas vem chamando a atenção do mundo todo na luta em defesa de seus territórios e de sua cultura. Como se vê na Ley Revolucionária de Mujeres de EZLN, “Noveno: Las mujeres podrán ocupar cargos de dirección en la organización y tener grados militares en las fuerzas armadas revolucionarias.”

Neste 8 de Março, queremos chamar atenção especial para o assassinato de Berta Cáceres. Ela foi coordenadora Geral do Conselho Cívico de Organizações Populares e Honduras Indígena (COPINH). Havia repetidamente manifestado-se contra as ações e intenções de ambas as atuais concessões governamentais de recursos naturais e empresas transnacionais estrangeiras nefastas através da construção de barragens e captura dos recursos dos povos indígenas. Foi assassinada em sua casa, em 03 de março. Por ela, nenhum minuto de silêncio. Todas nossas vidas de luta!

A Coordenação Anarquista Brasileira (CAB) vem a público dizer que faz parte, com todas as mulheres, desta luta contra o sistema capitalista patriarcal e pelo resgate da memória histórica das lutas das mulheres. Chamamos todas as pessoas para a luta em defesa da mulher trabalhadora, da mulher ribeirinha, da mulher indígena, da mulher camponesa, da mulher quilombola, da mulher negra, da mulher LGBT, de todas as mulheres exploradas e oprimidas!!

zapatistas  curdas

VIVA 8 DE MARÇO!!

VIVA BERTA CÁCERES!!

VIVA AS CURDAS E ZAPATISTAS!!

NÃO AO PL 5069/13 !

Mulheres da CAB, 8 de março de 2016

fev 232016
 

logo cab pequeno

CARTA PÚBLICA DA COORDENAÇÃO ANARQUISTA BRASILEIRA SOBRE AGRESSÕES DE GÊNERO EM ORGANIZAÇÕES ANARQUISTAS ESPECIFISTAS

“A validade da luta é integral. Não somente de gênero, mas toda luta que vá de encontro ao sistema. Por isso mesmo a luta pela igualdade de gênero é um elemento fundamental. Reconhecer que não pode haver justiça, não pode haver democracia, não pode haver relações horizontais, se as mulheres não estão participando. Ela disse: já basta! Para haver liberdade, tem que ser livre todos e todas.”

Mulheres Zapatistas

Tendo em vista a importância do processo de crítica e autocrítica para a construção de coerência entre nossos meios e fins, a Coordenação Anarquista Brasileira (CAB) vem publicamente reconhecer que em algumas organizações que compõem a CAB ocorreram casos de agressões de gênero, envolvendo agressores e vítimas. Decorrente desses casos, as fragilidades de prática e conduta de nossas organizações relativas às opressões de gênero se evidenciaram. Essas fragilidades foram percebidas não só internamente, mas também por diversos grupos de esquerda que combatem tais práticas. Assim, esse elemento reforça ainda mais a importância da luta feminista que vem cada vez mais escancarando e lutando contra as opressões também no campo da esquerda.

São valiosos os frutos que estão se originando desse processo pessoal e coletivo de autorreflexão e autocrítica que vêm nos acompanhando. Entendemos a necessidade de mudança quanto a nossa compreensão acerca das questões de gênero e, sobretudo, como essa problemática vem sendo trabalhada em nossas organizações e nas práticas cotidianas individuais e coletivas.

É importante comunicar que localmente as organizações tentaram, dentro de suas possibilidades, dar respostas aos casos de opressões de gênero que ocorreram. Entretanto, tais tentativas foram, na maioria dos casos, insatisfatórias. Decorrente dos erros, a CAB passou a questionar seriamente sobre que tipo de anarquismo organizado estávamos construindo, pois eram vários casos graves de opressão de gênero relatados pelas organizações e a incapacidade de responder a elas em coerência com nossos princípios e valores era incontestável.

O arsenal teórico de nossa corrente, construído na história da classe oprimida, não admite opressões de nenhuma natureza. Assim, se pretendemos construir organizações revolucionárias e se acreditamos que cada passo que damos deve ser coerente com nossos princípios e objetivos finalistas, devemos combater todos os tipos de opressões de maneira orgânica. Devemos ser firmes e atuarmos com rigor no combate às opressões, seja nas organizações políticas que construímos, nos movimentos sociais, e também em nossas posturas pessoais em âmbito público ou privado.

O movimento da classe trabalhadora, do qual o anarquismo é parte, tradicionalmente lutou por sua emancipação frente à escravidão econômica e a exploração. Entretanto, em muitos casos, parece que a única identidade unificadora foi construída em torno do homem branco trabalhador industrial. Decorrente disso houve o silenciamento ou a minimização de vozes que não cabem facilmente nessa identidade.

Assim, ficou claro para nós que, ainda mais que a ausência de meios coletivos concretos e orgânicos de resolução eficaz das agressões de gênero, o problema tem raízes mais profundas: a violência estrutural contra as mulheres e quaisquer pessoas que não reivindicam a masculinidade hegemônica, independente do sexo biológico, é algo vivido rotineiramente nos espaços em que deveria ser combatida.

A violência estrutural é um mecanismo de controle sobre as mulheres. Não apenas como forma extrema, mas também na forma de relações normalizadas e naturalizadas. Ela permeia todas as esferas do cotidiano: as relações pessoais, a percepção e o uso do espaço público, o trabalho, a autoridade reconhecida, a percepção dos próprios direitos ou a ausência deles, a relação com o próprio corpo e a sexualidade, etc.

A influência ideológica dominante está profundamente enraizada em nossos comportamentos e, mesmo que apontemos a importância da luta feminista, o embasamento organizacional desta luta depende que os companheiros estejam dispostos a reconhecer sua posição de privilégio enquanto homens em relação às mulheres de sua própria classe e, a partir desse reconhecimento, que eles saiam da zona de conforto patriarcal. Isto significa refletir sobre onde suas posturas reproduzem a lógica do machismo, pois quando nos reivindicamos anarquistas devemos estar dispostos a abrir mão de todos os nossos privilégios, sendo eles de classe ou gênero. Reconhecer que a violência machista é estrutural é o começo para criar as condições necessárias de evitá-la. Responsabilizar-nos quando acontece em nosso entorno é também essencial para sua superação.

UM PASSO PARA REFLEXÃO

Tendo em vista a constatação de que a violência estrutural de gênero permeia toda a sociedade – inclusive as organizações que compõem a CAB – faz-se necessário o exercício de reflexão, principalmente de companheiros homens, brancos e heterossexuais, acerca da desconstrução de seus privilégios. Entendemos que a superação do machismo somente será possível modificando a estrutura da sociedade, mas devemos combate-lo desde já.

Um texto que merece destaque é o de Las Afines que sistematiza em três pontos as condutas geralmente adotadas por grupos e coletivos ao tratar da violência de gênero, muitas vezes gerado pela falta de profundidade e sensibilidade.

O primeiro ponto trata-se de dar aos casos de violência contra as mulheres um tratamento de problema privado e pessoal, a ser resolvido entre dois. Entende-se o problema como sendo um assunto turvo onde não há verdades, mas apenas duas experiências muito distintas de uma mesma situação confusa, uma vez que a questão perpassa certa complexidade de nível individual, que são extremamente válidas. Contudo, tendo essa compreensão, nós perdemos a possibilidade de intervir politicamente e é justamente disso que se trata quando falamos de violência machista. É necessário, portanto, que o problema seja trabalhado de modo a promover resoluções políticas coletivas.

O segundo ponto é sobre o uso de termos atenuantes e/ou relativismos na descrição do ocorrido e na definição dos atores envolvidos. Chamemos as coisas pelo seu nome: agressão é o que descreve o fato, agressor é quem a comete. Fazer isso não deve ser um obstáculo invencível nem tampouco uma opção reducionista que negue outras facetas que possa ter uma pessoa. O texto adverte também o problema de atribuir à mulher agredida uma posição de incapacidade, em que tudo que diga ou faça a vítima será tido como reação emocional, nervosismo, impulsividade e defensividade. Ressalta que atitudes paternalistas e protecionistas com a pessoa que ocupa o papel de vítima criam obstáculos para sua participação em plano de igualdade no processo coletivo.

Por fim, o terceiro ponto colocado pela autora se refere à priorização da unidade do coletivo e do consenso por medo ao conflito. Coloca que neste ponto a problemática é quando se tem uma “decisão coletiva”, quando boa parte do grupo não possui uma reflexão própria prévia e cujo discurso passa por simplificações, ou ainda quando há posturas irreconciliáveis e excludentes entre si. O objetivo deste “consenso” é manter certa coesão no grupo e dar uma ilusão de legitimidade às decisões. Cabe considerar que, de início, só há uma decisão política possível: a de que o agressor deve ser afastado (e não expulso indefinidamente) de todos os espaços comuns com a vítima. A partir disso, a organização deve assumir sua responsabilidade coletiva na gestão adequada da violência de gênero de modo crítico e reflexivo, trazendo à tona todos os conflitos e divergências internas existentes. Decidir coletivamente não necessariamente significa mediar, pacificar ou compreender.

Notamos que o posicionamento das organizações da CAB em relação às agressões sofridas por mulheres foi permeado por essas questões já citadas. Questionar as companheiras de modo insensível, sem antes tomar o cuidado com seu acolhimento; relativizar denúncias pelo fato de o agressor ser um militante antigo ou importante para a organização; resolver a questão pelo método da guilhotina, ou seja, expulsando ou afastando indefinidamente um militante ao invés de construir caminhos para a autocrítica (individual e coletiva); tomar decisões guiadas pelo pânico coletivo instaurado pelo medo de uma deslegitimação pública da organização. Em nossa avaliação, essas são posturas que expressam certo nível de opressão e que precisam ser superadas.

São inaceitáveis as situações em que uma pessoa oprimida pede socorro aos seus companheiros e a primeira reação é ser questionada antes mesmo de ser acolhida. Questionamentos do tipo “mas o que você fez pra ele gritar com você?” não devem ser feitos, uma vez que perpetuam a violência de gênero, apontando a culpa da agressão à vítima. Além disso, a pessoa agredida possivelmente já está muito abalada e passar por um processo nesses moldes seria ainda mais penoso. Consideramos que comportamentos como estes são uma tática de manutenção do privilégio patriarcal, sendo ela deliberada ou não.

De outro modo, as organizações devem dar todo acolhimento e suporte à vítima e junto com ela tomar as decisões cabíveis. Cientes disso, criamos metodologias orgânicas para encaminhar situações que venham a ocorrer. A simples expulsão de um militante agressor não garante que comportamentos machistas não se repetirão dentro do coletivo e menos ainda que essa mesma pessoa não volte a cometer opressões fora dos espaços internos da organização.

***

O machismo está incutido em nossas subjetividades. Ou seja, a desconstrução individual e coletiva não é objetiva e mecânica. O machismo não vai ser extinto do meio social como um tumor é retirado do corpo. É dever de uma organização revolucionária e feminista lidar com essas questões, não somente pela intensão de manter uma boa imagem pública. Essa postura seria cínica e antiética com as companheiras.

A CAB compreende que é necessário construir movimentos e organizações que deem voz a todas as pessoas oprimidas. Em termos práticos, as agressões de gênero ocorridas no seio das organizações especifistas nos levaram ao entendimento de que é necessário criar instrumentos em nossa estrutura interna para dar conta dessas problemáticas e um programa de formação e conscientização contra as opressões. É o que estamos fazendo.

Entendemos que formações teóricas, sozinhas, não darão conta da superação das relações de dominação. Acreditamos que nossas organizações são fruto das experiências históricas da classe oprimida, mas também de nossas experiências atuais. Por isso, devemos reconhecer que práticas opressoras são incoerentes tanto em nível privado quanto em nossa prática e conduta política.

Tendo isso em vista buscamos discutir, reforçar e deixar bem esclarecido questões sobre ética e postura militante. Mais do que isso, buscamos incorporar a prática feminista ao nosso cotidiano e acreditamos que é imprescindível que os homens de nossas organizações incorporem, façam ventilar esse debate e desenvolvam novas posturas e comportamentos. Esse processo deve ocorrer com todas as pessoas e, assim, fortalecemos a autorreflexão e autocrítica sincera, incentivamos e apoiamos práticas de identificação de posturas opressoras dentro dos nossos espaços coletivos. Contudo, não devemos cair em práticas punitivistas. Endossamos e buscamos implementar o uso de comissões de ética para tratar as questões de violência de gênero e outras opressões. Enfatizamos que não são somente as mulheres que devem ser responsáveis pelo feminismo. Os homens – sem se sobrepor às mulheres nessa luta – devem contribuir, de modo a promover, dentro e fora das organizações, nossa linha de combate às opressões. É importante fortalecer as companheiras para que elas mesmas possam apontar as múltiplas facetas da opressão de gênero que sofrem.

Não criamos a ilusão de que práticas machistas deixarão de existir no seio de nossas organizações imediatamente. Estamos trabalhando com firmeza, individual e coletivamente, para criar espaços organizativos seguros, confortáveis e capazes de dar voz e vez às pessoas historicamente oprimidas. Temos como desafio criar um movimento revolucionário capaz de extinguir todas as opressões e criar coletivamente uma sociedade emancipada.

Reconhecer nossas limitações e fragilidades nos leva à urgência de dedicar esforços a uma prática política feminista, coerente e comprometida com a construção de uma sociedade igualitária e libertária de fato. O Poder Popular se constrói desde baixo e temos a certeza de que, com ética, honestidade e compromisso podemos gritar lado a lado contra um inimigo maior, e isso deve bastar para nos considerarmos iguais em nosso meio.

O ANARQUISMO SERÁ FEMINISTA OU NÃO SERÁ!

Fevereiro de 2016

Las Afines. Quem teme aos processos coletivos? Notas Críticas sobre a gestão da violência de gênero nos movimentos sociais. Tesoura para todas, p. 57-67. Nota da CAB sobre violência de gênero.