jan 292018
 

Dia 29 de Janeiro

Dia Nacional da Visibilidade Travesti e Transexuais

Mãos dadas e punhos cerrados contra a transfobia!

Uma pessoa transexual é aquela que se identifica com o gênero diferente daquele atribuído de acordo com as cisnorma social e biológica. É nos ensinado que nosso gênero está diretamente ligado ao nosso sexo biológico, mas isso não é verdade. Vivemos um processo de socialização heteronormativo e cisgênero que nos direciona a uma única possibilidade de identidade de gênero e orientação sexual. Quando rompemos esses direcionamentos normativos, somos marginalizados/as e patologizados/as.

O Brasil lidera o ranking de País que mais mata travestis e transexuais no mundo. Segundo dados publicados, em novembro de 2016, pela ONG Transgender Europe (TGEu), nos últimos oito anos foram registradas 868 mortes de Travestis e Transexuais no Brasil. Em julho de 2017 a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) divulgou o mapa de assassinato de pessoas Transexuais no Brasil entre o período de janeiro a julho de 2017, contabilizando 91 mortes, dentre estas está a da travesti Lili assassinada a tiros em Cachoeira (Bahia) e de Carla que foi espancada e esfaqueada em Maceió (Alagoas). O Ceará, vergonhosamente, lidera o ranking com o registro de 11 mortes, entre as quais está o caso de Dandara dos Santos, assassinada brutalmente no dia 15 de fevereiro de 2017.

Todos esses dados são consequência da Transfobia, que é o preconceito, o ódio e a violência praticada contra pessoas travestis e transexuais. Inúmeras são as práticas de transfobia, dentre elas destacam-se a violência psicológica, a discriminação, a violência física, o assassinato e o feminicídio que fizeram vítima no Ceará também a travesti Hérica Izidório, agredida, espancada e jogada no viaduto quando andava na rua. A expectativa de vida da população Transexual é de 35 anos, ou seja, metade da expectativa do resto da população. Quando a transfobia encontra com o patriarcado e a supremacia branca, a violência ganha seus contornos mais cruéis. Além de sofrerem com a transfobia, mulheres trans e negras sofrem com o machismo e racismo estruturais em nossa sociedade.

Inúmeras são as pessoas travestis e transexuais que são expulsas de seus lares, da escola, da Universidade, do mercado de trabalho e inclusive de espaços feministas cisgeneros por causa da transfobia. Nós, as Organizações que assinamos esta nota, consideramos as mulheres Transexuais como companheiras feministas na luta contra todas as formas de opressões de gênero. Diante desse quadro, não é surpresa verificar que, de acordo com a ONG National Gay and Lesbian Task Force, 41% das pessoas trans já tentaram suicídio. Outra pesquisa da Universidade de Columbia nos Estados informa que o índice de suicídio entre LGBT é 5 vezes mais frequente do que a média populacional. A travesti cearense Kyara Barbosa não conseguiu escapar desse destino, cometendo suicídio por causa da transfobia e da depressão.

Infelizmente, também podemos citar diversos casos de transfobia no âmbito educacional, devido ao caráter socialmente proibido que a discussão de identidade de gênero e orientação sexual tem para família e professores, agora impedidos em alguns municípios de tratar sobre o assunto por causa dos projetos de lei genericamente chamados de “Escola Sem Partido”.

Vários fatores colaboram para essa lacuna educacional, dentre eles destacamos a ignorância no assunto, falta de investimento na formação de professores (que não sabem como inserir essa discussão em sala de aula), o fato de muitas pessoas relacionarem esse tema com ideologização política, o moralismo religioso e a antiga tradição psiquiátrica que patologizava a diversidade de gêneros e diversosexualidade. Esses e muitos outros elementos sociais contribuem para o preconceito e a redução da pedagogia sexual na escola ao mero discurso da proteção e prevenção.

Avanços e retrocessos se revezam com o passar dos anos. Em 2016, no âmbito federal, o Decreto nº 8.727 normatizou o uso do nome social por órgãos e entidades da administração pública federal. Nome social é o nome pelo qual pessoas transexuais e travestis preferem ser chamadas em seu dia-a-dia, em contraste com o nome oficialmente registrado que não reflete sua identidade de gênero. Em muitas escolas, campanhas pela adoção do nome social também já obtiveram sucesso e professores usam esse recurso em chamadas e documentos escolares. Porém, ainda casos de transfobia ocorrem, como o da menina Lara de 13 anos que sofreu discriminação pela Escola SESC, no Ceará, quando adotou o nome social.

O Processo Transexualizador, que inclui a medicação e a cirurgia de resignação sexual é realizado pelo SUS desde 2008 (portaria GM/MS nº 1.707, de 18 de agosto de 2008) para a população transexual. O SUS também oferta procedimentos como: histerectomia (retirada de útero e ovários), mastectomia (retirada das mamas), tireoplastia (cirurgia que permite a mudança no timbre da voz), plástica mamária e inclusão da prótese de silicone e outras cirurgias complementares. O único espaço do Sistema Único de Saúde a oferecer esse serviço nas Regiões Norte e Nordeste do país é o Espaço de Cuidado e Acolhimento de Pessoas Trans, localizado no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), no Recife. O ambulatório tem uma demanda muito superior à capacidade. Atualmente, a fila de espera para fazer a cirurgia é de 13 anos.

As violências que atingem nossa classe existem e se relacionam de forma intersseccional. O avanço do fascismo atinge de diferentes formas diferentes corpos e identidades. A socialização na masculinidade viril, a supremacia branca e a heteronormatividade são valores cultivados pelo fascismo no Brasil e a solidariedade de classe é elemento fundamental para nossas fileiras na luta contra a transfobia.

Fortalecer a luta contra a transfobia diariamente!

Construir um povo forte!

Lutar, criar, poder popular!

 

29 de janeiro de 2018

Organização Resistência Libertária (ORL) – CE

Federação Anarquista dos Palmares (FARPA) – AL

Federação Anarquista Cabana (FACA) – PA

Coletivo Multirão Anarquista (COMUNA) – PB

Coletivo Anarquista Maria Iêda – PE

Fórum Anarquista Especifista (FAE) – BA

nov 102017
 

Direto do site da FEDERAÇÃO ANARQUISTA GAÚCHA – FAG· SEXTA, 10 DE NOVEMBRO DE 2017

Uma comissão especial da câmara dos deputados, aprovou nesta quarta, dia 8, um forte endurecimento contra a lei de aborto no país. A lei de aborto que até agora, entendia os casos de riscos a vida da mulher, estupros e anencéfalos como prática não criminosa, porque busca preservar a vida da mulher e evitar piores traumas futuros, pode ser mudada. A comissão especial da câmara, que é composta por uma maioria da bancada evangélica, todos homens, resolveram aprovar uma emenda que altera a constituição e que proíbe a prática de aborto até em casos de estupros. Consagrando assim, um legado, cada vez mais crescente, de criminalização dos corpos, de suas sexualidades, em especial agora, o corpo da mulher.

Esta ‘inquisitora’ comissão especial, foi instalada em uma briga, como retaliação ao Supremo Tribunal Federal, que considerou aborto ate os 3 meses de gestação não crime. Seguindo o exemplo de vários países no mundo que avançaram nos direitos sobre a vida e os corpos das mulheres.

No entanto, os evangélicos não medem esforços para mostrar toda a força que tem dentro do parlamento burguês brasileiro. E, o discurso charlatão conservador ganhou pérolas na votação de quarta feira, com destaque para o deputado pastor Eurico (PHS/PE) que em meio a sessão gritava segurando uma replica de um feto de 12 semanas nas mãos, as seguintes palavras “ Onde esta o amor as mulheres? Onde esta o amor as crianças? Isso não tem nada a ver com religião, isso é uma posição! Nós somos contra o assassinato em massas de inocentes.”

Não é de hoje que assistimos os discursos mais conservadores do país ganhando cena e poder político. Estes grupos não são apenas aceitas dogmáticas, manipuladores da fé das pessoas, ultra disciplinador de corpos, mas, são também uma prática autoritária, completamente intolerante. Terreiros de Umbanda foram diversas vezes atacados, os seguidores das religiões africanas sofrem perseguições e agressões de toda sorte por parte dos “seguidores de deus”. Eles destroem outras igrejas. Também construíram o “exercito de deus”, onde centenas de jovens se alistam para combater na porrada em nome sua fé e somente sua fé. Porém, não nos enganamos que sejam apenas alguns fanáticos manipuladores dos anseios e sofrimentos das pessoas, são um grupo com grandes interesses políticos no país, são donos de grandes fortunas, são donos de canais televisivos, de rádios e jornais. São a maior bancada do congresso nacional, são grandes sonegadores e ladrões do povo mais oprimido, em nome do “sagrado dizimo”. São eles que, pelo seus meios de comunicação de grande alcance, principalmente entre a população mais pobre, detonam discurso contra a liberdade das mulheres cotidianamente, discursos onde submissão é um valor e a dominação do homem é incentivada. O discurso patriarcal, homofóbico e intolerante são os valores que esta instituição político religiosa propaga todos os dias e é claro que vão fazer com que estas ideias se tornem fatos consumados. Mas, não antes de enfrentar a nossa Resistência!

A narrativa conservadora em voga no país, de norte a sul, tem feitos mais vitimas mulheres de abusos que circulam como propaganda a toda conduta machista. São casos de estupros coletivos, feminicídios que assombram nossas vidas, homens que ejaculam em mulheres em transportes públicos, entre outras crueldades de assédios cotidianos. A ideologia destes setores conservadores tem se tornado mais influente, começam a disputar, para destruir, qualquer avanço nas liberdades sociais, individuais e sexuais. Não a toa, esta campanha contra as “ideologias de gênero”, de “escola sem partido”, entre outras sandices que acumulam liberais e conservadores na mesma medida.

Os grupos de extrema direita estão atuando para combater não só ideologicamente, mas como também, fisicamente seus adversários e opositores. Cumprem as mais diferentes ameaças em espaços públicos, palestras, atos e universidades, só esperam o melhor cenário para atuar. Praticam a intolerância e conseguem, através do escracho, impedir a mostra “Queer museu” em Porto Alegre. Mesmo sendo eles um dos grupos mais denunciados, por praticarem pedofilia e estupro contra crianças (meninas e meninos). São os mesmos, que queimam bonecos de bruxas na palestra de Judith Butler, acabam com aulas sobre feminismo, de temas socialistas, etc. São herdeiros dos antigos senhores da Casa Grande, que estupravam suas escravas e as obrigavam a ter os filhos bastardos, herdeiros e reprodutores da colonização do corpo da mulher.

Eles, que jogam nas redes sociais os discursos de ódios mais absurdos como se fossem dizer apenas “bom dia”. Propagandeiam condutas fascistas sem nenhum problema e enquanto isso os governos e suas policias seguem exterminando os pobres, perseguindo os movimentos populares, libertários e agora criminalizam as mulheres.

Somente nos organismos de base, longe da política de gabinete, com as mulheres do povo oprimido que vamos poder cultivar a resistência contra o sistema machista e opressor!

Nós, como anarquistas não temos confiança nenhuma nas instituições parlamentares, nem nas estruturas do Estado. Sabemos que todos os governos são comprometidos com projetos que não estão dispostos a direitos e liberdades das pessoas. A não ser, seus direitos e liberdades enquanto elite de dominação. Nem os governos ditos de esquerda avançaram sobre as demandas do movimentos feminista, nem de todas as demais demandas do povo oprimido, não seria agora que se avançaria. Ainda mais dentro de uma conjuntura de ajustes e extremamente repressiva como esta.

É preciso ligar o alerta e demonstrar força de mobilização contra a PEC 181, construir ampla campanha contra ajuste, as amarras que querem impor as mulheres brasileiras.

Mais de 50 mil mulheres morrem por ano no Brasil, a cada 9 minutos uma, todas vitimas de abortos clandestinos.

Precisamos, mais do que nada, difundir a realidade sobre o tema aborto, pois o “massacre em massa” que existe hoje é o das milhares de brasileiras pobres e negras das periferias. Não precisamos ir longe para desmascarar o discurso conservador, seguramente os mesmos são capazes de reconhecer, entre eles, que para as mulheres com melhores condições econômicas, as mulheres e filhas das elites, estas são as primeiras a fazerem o procedimento do aborto sem grandes riscos, nem o penal. Ou será que nenhuma filha, parente, conhecida dos pastores em questão, nunca tiveram que passar por isso? Será mesmo que nenhum destes pastores já não pagou caro pra que suas familiares não “sujarem” sua honra, engravidando de genros indesejados? Ou mais do que isso, já não obrigou estas mulheres a ter o filho, mesmo contra vontade arranjando casamentos forçados?

As pobres sim são as vítimas diretas desse massacre, da ausência de políticas publicas, de políticas de saúde para as mulheres. São as mulheres das periferias que acumulam seus corpos sem vida diante da opressão machista que tenta nos ajustar como objeto de controle. Violam toda a liberdade, a autonomia e a vontade da sujeita/o ser autora primeira sobre seu corpo, de ter direitos garantidos sobre sua vida. Mais uma vez a liberdade das mulheres passa a ser decidida por um grupo de meia dúzia e mais alguns engravatados, que falam em nosso nome.

A luta das mulheres precisa ganhar as ruas mais uma vez, fazer o que historicamente nos tocou fazer, lutar. Lutar porque são nossas filhas, netas, irmãs, mães, primas, sobrinhas, tias, vizinhas, amigas, nós mulheres que vamos pagar com vidas pelo discurso criminalizador do nosso corpo. Nenhum Estado ou governo, pode decidir em nosso nome, somos nós que sofremos a dor da perta de nossas familiares, somos nós que carregamos os traumas de uma gravidez indesejada, somos nós mulheres que cultivamos um luto sozinhas, arriscando a vida porque nosso corpo e somente ele, tem funções que ganham as mais severas punições, o dos homens não.

Nenhuma gravata vai decidir por nós! Ampliar a luta contra a PEC 181 e toda a onda machista, homofóbica e conservadora sobre o país.

Nós mulheres anarquistas nos colocamos do lado de todo movimento feminista classista que vai sair as ruas para lutar contra este terrível retrocesso sobre nossas vidas e, nossas demandas históricas de direitos e liberdade.

Acreditamos que é importante comprometer todos os movimentos populares, nossas frentes de luta a estarem em solidariedade as nós mulheres. É hora de lutar contra o ajuste político-econômico, assim como contra o ajuste do corpo da mulher. Que o protagonismo seja das mulheres de baixo, porque são elas, nós, que pagamos o preço de uma cultura ódio contra a pobreza e o direito de decidir sobre nossas vidas.

Não se ajusta a mulher que peleia! Nenhuma a menos! Nós decidimos!

 

jan 292017
 

29 de janeiro é o Dia da Visibilidade Travesti e Transexual

Nós, da Organização Resistência Libertária, reunidxs em plenária anual, lembramos o dia nacional da visibilidade travesti e transexual. O dia de visibilidade é um momento importante para movimentos sociais e organizações políticas que constroem as lutas sociais. Neste caso, sabemos que a luta contra a transfobia é real e cotidiana nos locais de moradia, trabalho e estudo, além de ser uma preocupação permanente nos nossos espaços feministas. A transfobia tem avançado disfarçada de feminismo, o que nós consideramos uma ameaça para a busca do socialismo libertário através de meios coerentes com os nossos fins. Com isso, republicamos um nota produzida no ano passado, com dados que permanecem próximos. O feminismo que a gente quer não rejeita nenhuma mulher.

Nós, que construímos a Organização Resistência Libertária, organização política anarquista no Ceará, integrante da Coordenação Anarquista Brasileira, queremos saudar a todas as pessoas que se autoidentificam como transexuais e travestis.

Muitas vezes, confundimos identidade de gênero, orientação sexual e sexo. O desconhecimento, longe de justificar, contribui para o preconceito. Por isso, é necessário entender as diferenças. Identidade de gênero é como a pessoa se vê. Ela pode se enxergar homem, mulher ou outro, como neutro ou uma combinação entre masculino e feminino. Orientação sexual refere-se à atração sentida pelos indivíduos. Uma pessoa pode ser homossexual, heterossexual, bissexual etc. Sexo refere-se às características do corpo de uma pessoa. Pode ser feminino, masculino ou intersexo. Pessoas transexuais nascem com um sexo que difere do socialmente vinculado à identidade de gênero que elas se reconhecem. Travestis, adequam seus corpos às mudanças que querem, mas não sentem necessidade de redefinir seu sexo.

Sabemos que também nesse campo o Estado age como opressor. Quer quando legisla sobre identidade de gênero, almejando nos colocar em caixinhas pré-determinadas; quer quando encara a transexualidade como doença, associando o diferente ao patológico, e dificultando os procedimentos médicos de transgenitalização; quer quando através do Poder Judiciário emperra processos de mudança de nome nos documentos essenciais.

No Brasil, a expectativa de vida de uma travesti e transexual brasileira é aproximadamente 35 anos, enquanto a expectativa de vida de um brasileiro médio é 74,6 anos. Sendo que o Brasil lidera o ranking de violência transfóbica, sendo o país que mais se mata travestis e transexuais no mundo. Soma-se a isso a dificuldade da realização de cirurgias de transgenitalização. Apenas no Estado São Paulo há uma fila de 3.200 pessoas que desejam realizar esta cirurgia, mas somente uma cirurgia é realizada ao mês, 12 cirurgias ao ano. Quem entrar na fila agora terá que esperar 266 anos para realizar esse procedimento cirúrgico pelo Sistema Único de Saúde/SUS no Brasil, um absurdo! A mesma dificuldade existe para a redefinição de nomes nos documentos essenciais ou a utilização do nome social em instituições.

Nós, anarquistas, acreditamos que toda forma de opressão e autoritarismo é nociva. Buscamos a liberdade, essa liberdade agregadora, que aumenta quando quem está perto de nós também a vive. Tentamos todo momento cumprir ou proporcionar realização à ideia de que a liberdade da outra pessoa estende a nossa ao infinito. Acreditamos também que os fins determinam os meios e queremos desde já construir uma sociedade socialista e libertária ou, como diriam zapatistas, “um mundo onde caibam muitos mundos”. Por isso, queremos lembrar que a luta contra a transfobia não se resume a um dia, é diária, árdua e cheia de obstáculos. Nesta luta, manteremo-nos de mãos dadas e punhos erguidos, ao lado de quem deve protagonizá-la, transexuais e travestis.

dez 202016
 

Contra o feminismo seletivo no campo ideológico: solidariedade a todas as mulheres que sofreram com violências machistas no ato do dia 13/12 em Fortaleza-CE

Na última manifestação contra a PEC 55, em Fortaleza, dia 13 de dezembro de 2016, organizada pela Frente Povo sem Medo e a Frente Brasil Popular, militantes do MTST-Ceará expulsaram do ato integrantes do bloco independente (militantes secundaristas, autonomistas e anarquistas), seguindo com perseguições e espancamentos. [1]

Duas mulheres do bloco independente e uma militante da Nova Organização Socialista (NOS) foram gravemente agredidas por integrantes do MTST, dentre elas, uma militante foi ameaçada de estupro; Ainda, várias mulheres relatam que tentaram barrar a ação violenta e autoritária dos agressores, mas foram empurradas, ofendidas verbalmente e silenciadas por homens, inclusive membros da própria direção do MTST-Ceará

A ação foi alvo de diversas denúncias, dentre elas a da Frente Libertária Estudantil (FLE), que por sua página no facebook postou a foto de uma militante da UNE atribuindo apenas a ela a responsabilidade pelas tentativas de homicídio por parte de integrantes da Frente Povo Sem Medo. Para nós, essa postagem da FLE também representou uma apologia ao estupro – mesmo que tenha tido retratação posteriormente.

Repudiamos todas as violências machistas pelas quais passaram essas mulheres na manifestação e nos desdobramentos dela. Ações como estas nos lembram que em casos de conflito e de guerra – quer entre aparelhos repressores do Estado e movimentos sociais, quer entre a própria “esquerda” – nós, mulheres, somos duplamente ameaçadas e violentadas, tratadas, mesmo para os homens que se dizem à esquerda, como objeto violável e vulnerável, para onde recorrem aqueles que não conseguem construir uma ação política ética e sem sexismos.

Não endossamos os discursos transmitidos em diversas notas da “esquerda”: de um feminismo seletivo, que só reconhece uma violência machista quando a mulher agredida está do seu lado da trincheira e muitas vezes silencia em relação às companheiras agredidas por homens de sua organização ou de frentes de luta que compõem. Nós, mulheres da ORL que militamos na construção do feminismo no Ceará e em movimentos sociais urbanos, sabemos da postura machista de alguns dirigentes do MTST-Ceará, já denunciada também por vários coletivos da cidade. Não nos surpreende essas ações machistas vinda do MTST, pois o mesmo tem em seu quadro militantes já publicamente denunciados por violências machistas.

Portanto, soa-nos desonesto com um feminismo comprometido com a libertação das mulheres entoarem notas e tons de repúdio contra a agressão de uma militante da UNE e não fazerem o mesmo com militantes autonomistas e anarquistas espancadas, violentadas e ameaçadas. Aqui, manifestamos nossa completa solidariedade feminista com as TODAS as mulheres que sofreram violências machistas no ato do dia 13/12 e nas denúncias que daí advieram. Estamos atentas e repudiamos este tipo de feminismo seletivo no campo ideológico.

Enraizar o feminismo na luta contra violências machistas!
Machistas de esquerda não passarão!
Construir Mulheres Fortes! Construir um Povo Forte!
Lutar, Criar, Poder Popular!

Mulheres da Organização Resistência Libertária

20 de dezembro de 2016

[1] Ver nota da ORL: https://resistencialibertaria.org/2016/12/15/nota-de-repudio-as-violencias-cometidas-pelo-mtst-e-une-no-ultimo-ato-contra-a-pec-55-1312-em-fortaleza/

nov 252016
 

Fonte: Site Nacional da CAB

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O dia 25 de novembro foi instituído como o Dia Internacional da Não-Violência Contra a Mulher em 1999, homenageando as irmãs Pátria, Minerva e Maria Teresa Mirabal, “Las Mariposas” – brutalmente assassinadas em 1960 a mando do ditador Rafael Leônidas Trujillo, da República Dominicana. As três, que combatiam corajosamente a ditadura de Trujillo, foram estranguladas por agentes do Serviço de Inteligência Militar dominicano que, para simular um acidente de carro, jogaram seus corpos em um precipício. Em 2016, o movimento feminista também lembra os dez anos de vigência da Lei Maria da Penha.

Em vários espaços, várias formas de violência destroem nossas vidas: violências domésticas, no ambiente de trabalho, nas ruas, nos transportes coletivos, nas escolas e universidades – quer sejam violências físicas, sexuais, psicológicas ou simbólicas. O Estado, o patriarcado e o capitalismo estão intimamente envolvidos na opressão e repressão de nossos corpos e vidas.

Em série especial chamada “Violência contra a mulher no mundo”, de 2014, a Organização das Nações Unidas (ONU) reúne dados importantes para entendermos o problema social da violência contra a mulher. Segundo este documento, a violência contra a mulher é a violação de direitos humanos mais tolerada no mundo. Essa pesquisa usa o termo feminicídio para designar toda violência contra mulher que leva ou pode levar à morte.

Os números do feminicídio são alarmantes e se dividem majoritariamente entre 1) feminicídios íntimos: 35% de todos os assassinatos de mulheres no mundo são cometidos por um “parceiro”; 2) feminicídio não-íntimo: são crimes cometidos por alguém que não tenha relações íntimas com a mulher. A América Latina é uma das regiões mais conturbadas por crimes como estes: estupros, assédios e assassinatos; 3) crimes relacionados ao dote: é mais evidente no continente asiático, onde a cultura do “dote” ainda é forte; 4) casamentos forçados: mais de 100 milhões de meninas poderão ser vítimas de casamentos forçados durante a próxima década; 5) mutilação genital feminina: mais de 135 milhões de meninas e mulheres vivas já foram submetidas a essa prática aviltante em 29 países da África e Oriente Médio; 6) “Crimes de honra”: são homicídios de mulheres, jovens ou adultas, a mando da própria família, por alguma suspeita ou caso de “transgressão sexual” ou comportamental, como adultério, recusa de submissão a casamentos forçados, relações sexuais ou gravidez fora do casamento – mesmo se a mulher tiver sido estuprada. O crime é praticado para não “manchar o nome da família”. 5 mil mulheres são mortas por “crimes de honra” no mundo por ano.

Além disso, segundos dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em todo o mundo, 52% das mulheres economicamente ativas já sofreram assédio sexual no ambiente de trabalho.

Em um documento chamado “Diretrizes Nacionais para Investigar, Processar e Julgar com Perspectiva de Gênero as Mortes Violentas de Mulheres – Feminicídios”, pesquisa aponta que no Brasil, a taxa de feminicídios é de 4,8 para 100 mil mulheres – a quinta maior no mundo, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS).

No nosso país, 43% das mulheres em situação de violência sofrem agressões diariamente; para 35%, a agressão é semanal, segundo o Centro de Atendimento à Mulher. Em média, a cada 11 minutos uma mulher é estuprada em nosso país, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Num ranking mundial elaborado pelo Fórum Econômico Mundial, que analisou a desigualdade de salários entre homens e mulheres em 142 países, o Brasil ficou na 124ª posição, com uma previsão de 80 anos para que elas ganhem o mesmo que eles. Igualdade de salários só em 2095! As brasileiras ganham, em média, 76% da renda dos homens, segundo o IBGE.

Segundo o mapa da violência de 2015, a população negra, com poucas exceções geográficas, é vítima prioritária da violência homicida no país. As taxas de homicídio da população branca tendem, historicamente, a cair, enquanto aumentam as taxas de mortalidade entre os negros. Por esse motivo, nos últimos anos, o índice de vitimização da população negra cresceu de forma drástica. O número de homicídios de mulheres brancas caiu de 1.747 vítimas, em 2003, para 1.576, em 2013. Isso representa uma queda de 9,8% no total de homicídios do período. Já os homicídios de negras aumentaram 54,2% no mesmo período, passando de 1.864 para 2.875 vítimas.

O principal agressor da mulher é o seu “companheiro” ou “ex-companheiro” e o local onde é realizada a agressão é, em 71,9% dos casos, o ambiente privado (residência), seguido da rua com 15,9%. A violência física é a mais frequente (48,7%), seguida da violência psicológica (23%) e, em terceiro lugar, vem a violência sexual (11,9%).

Todos estes dados passam longe da cruel realidade das mulheres, pois muitas violências e violações não são sequer denunciadas, mas servem à reflexão sobre a dimensão do problema da violência contra a mulher no mundo. Pensar em um processo de transformação social exige necessariamente que pensemos no enfrentamento a todas as formas de violência contra a mulher, cotidianamente, através de nossas organizações políticas e movimentos sociais.

O Estado, através dos poderes executivos, legislativos e judiciário negligencia políticas públicas de gênero, oprime e criminaliza as mulheres. A mídia machista objetifica nossos corpos e legitima as violências de gênero. O capitalismo nos explora mais e nos paga menos pelos mesmos serviços.

A atual conjuntura de corte de direitos sociais em nosso país avança também sobre nossas liberdades. A conhecida lei da mordaça impede professoras de abordar em sala de aula assuntos como diversidade sexual e de gênero. A contracepção através da pílula do dia seguinte pode ser barrada. O aborto é proibido, criminalizado e sua ilegalidade já fez centenas de mulheres pobres vítimas em clínicas clandestinas neste ano.

É urgente nossa organização e auto-organização para barrar o capitalismo, o patriarcado e o Estado, pois sabemos que só através da luta social cotidiana, internacionalista, desde baixo e à esquerda podemos transformar essa realidade.

Precisamos tomar as ruas contra as ofensivas do Estado, fortalecer a auto-defesa e criar espaços de solidariedade para o enfrentamento a todos os tipos de violências contra a mulher. Façamos nós por nossas mãos tudo o que a nós nos diz respeito!

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Construir mulheres fortes!

Construir um povo forte!

Coordenação Anarquista Brasileira (CAB)

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CARTA PÚBLICA DA COORDENAÇÃO ANARQUISTA BRASILEIRA SOBRE AGRESSÕES DE GÊNERO EM ORGANIZAÇÕES ANARQUISTAS ESPECIFISTAS

“A validade da luta é integral. Não somente de gênero, mas toda luta que vá de encontro ao sistema. Por isso mesmo a luta pela igualdade de gênero é um elemento fundamental. Reconhecer que não pode haver justiça, não pode haver democracia, não pode haver relações horizontais, se as mulheres não estão participando. Ela disse: já basta! Para haver liberdade, tem que ser livre todos e todas.”

Mulheres Zapatistas

Tendo em vista a importância do processo de crítica e autocrítica para a construção de coerência entre nossos meios e fins, a Coordenação Anarquista Brasileira (CAB) vem publicamente reconhecer que em algumas organizações que compõem a CAB ocorreram casos de agressões de gênero, envolvendo agressores e vítimas. Decorrente desses casos, as fragilidades de prática e conduta de nossas organizações relativas às opressões de gênero se evidenciaram. Essas fragilidades foram percebidas não só internamente, mas também por diversos grupos de esquerda que combatem tais práticas. Assim, esse elemento reforça ainda mais a importância da luta feminista que vem cada vez mais escancarando e lutando contra as opressões também no campo da esquerda.

São valiosos os frutos que estão se originando desse processo pessoal e coletivo de autorreflexão e autocrítica que vêm nos acompanhando. Entendemos a necessidade de mudança quanto a nossa compreensão acerca das questões de gênero e, sobretudo, como essa problemática vem sendo trabalhada em nossas organizações e nas práticas cotidianas individuais e coletivas.

É importante comunicar que localmente as organizações tentaram, dentro de suas possibilidades, dar respostas aos casos de opressões de gênero que ocorreram. Entretanto, tais tentativas foram, na maioria dos casos, insatisfatórias. Decorrente dos erros, a CAB passou a questionar seriamente sobre que tipo de anarquismo organizado estávamos construindo, pois eram vários casos graves de opressão de gênero relatados pelas organizações e a incapacidade de responder a elas em coerência com nossos princípios e valores era incontestável.

O arsenal teórico de nossa corrente, construído na história da classe oprimida, não admite opressões de nenhuma natureza. Assim, se pretendemos construir organizações revolucionárias e se acreditamos que cada passo que damos deve ser coerente com nossos princípios e objetivos finalistas, devemos combater todos os tipos de opressões de maneira orgânica. Devemos ser firmes e atuarmos com rigor no combate às opressões, seja nas organizações políticas que construímos, nos movimentos sociais, e também em nossas posturas pessoais em âmbito público ou privado.

O movimento da classe trabalhadora, do qual o anarquismo é parte, tradicionalmente lutou por sua emancipação frente à escravidão econômica e a exploração. Entretanto, em muitos casos, parece que a única identidade unificadora foi construída em torno do homem branco trabalhador industrial. Decorrente disso houve o silenciamento ou a minimização de vozes que não cabem facilmente nessa identidade.

Assim, ficou claro para nós que, ainda mais que a ausência de meios coletivos concretos e orgânicos de resolução eficaz das agressões de gênero, o problema tem raízes mais profundas: a violência estrutural contra as mulheres e quaisquer pessoas que não reivindicam a masculinidade hegemônica, independente do sexo biológico, é algo vivido rotineiramente nos espaços em que deveria ser combatida.

A violência estrutural é um mecanismo de controle sobre as mulheres. Não apenas como forma extrema, mas também na forma de relações normalizadas e naturalizadas. Ela permeia todas as esferas do cotidiano: as relações pessoais, a percepção e o uso do espaço público, o trabalho, a autoridade reconhecida, a percepção dos próprios direitos ou a ausência deles, a relação com o próprio corpo e a sexualidade, etc.

A influência ideológica dominante está profundamente enraizada em nossos comportamentos e, mesmo que apontemos a importância da luta feminista, o embasamento organizacional desta luta depende que os companheiros estejam dispostos a reconhecer sua posição de privilégio enquanto homens em relação às mulheres de sua própria classe e, a partir desse reconhecimento, que eles saiam da zona de conforto patriarcal. Isto significa refletir sobre onde suas posturas reproduzem a lógica do machismo, pois quando nos reivindicamos anarquistas devemos estar dispostos a abrir mão de todos os nossos privilégios, sendo eles de classe ou gênero. Reconhecer que a violência machista é estrutural é o começo para criar as condições necessárias de evitá-la. Responsabilizar-nos quando acontece em nosso entorno é também essencial para sua superação.

UM PASSO PARA REFLEXÃO

Tendo em vista a constatação de que a violência estrutural de gênero permeia toda a sociedade – inclusive as organizações que compõem a CAB – faz-se necessário o exercício de reflexão, principalmente de companheiros homens, brancos e heterossexuais, acerca da desconstrução de seus privilégios. Entendemos que a superação do machismo somente será possível modificando a estrutura da sociedade, mas devemos combate-lo desde já.

Um texto que merece destaque é o de Las Afines que sistematiza em três pontos as condutas geralmente adotadas por grupos e coletivos ao tratar da violência de gênero, muitas vezes gerado pela falta de profundidade e sensibilidade.

O primeiro ponto trata-se de dar aos casos de violência contra as mulheres um tratamento de problema privado e pessoal, a ser resolvido entre dois. Entende-se o problema como sendo um assunto turvo onde não há verdades, mas apenas duas experiências muito distintas de uma mesma situação confusa, uma vez que a questão perpassa certa complexidade de nível individual, que são extremamente válidas. Contudo, tendo essa compreensão, nós perdemos a possibilidade de intervir politicamente e é justamente disso que se trata quando falamos de violência machista. É necessário, portanto, que o problema seja trabalhado de modo a promover resoluções políticas coletivas.

O segundo ponto é sobre o uso de termos atenuantes e/ou relativismos na descrição do ocorrido e na definição dos atores envolvidos. Chamemos as coisas pelo seu nome: agressão é o que descreve o fato, agressor é quem a comete. Fazer isso não deve ser um obstáculo invencível nem tampouco uma opção reducionista que negue outras facetas que possa ter uma pessoa. O texto adverte também o problema de atribuir à mulher agredida uma posição de incapacidade, em que tudo que diga ou faça a vítima será tido como reação emocional, nervosismo, impulsividade e defensividade. Ressalta que atitudes paternalistas e protecionistas com a pessoa que ocupa o papel de vítima criam obstáculos para sua participação em plano de igualdade no processo coletivo.

Por fim, o terceiro ponto colocado pela autora se refere à priorização da unidade do coletivo e do consenso por medo ao conflito. Coloca que neste ponto a problemática é quando se tem uma “decisão coletiva”, quando boa parte do grupo não possui uma reflexão própria prévia e cujo discurso passa por simplificações, ou ainda quando há posturas irreconciliáveis e excludentes entre si. O objetivo deste “consenso” é manter certa coesão no grupo e dar uma ilusão de legitimidade às decisões. Cabe considerar que, de início, só há uma decisão política possível: a de que o agressor deve ser afastado (e não expulso indefinidamente) de todos os espaços comuns com a vítima. A partir disso, a organização deve assumir sua responsabilidade coletiva na gestão adequada da violência de gênero de modo crítico e reflexivo, trazendo à tona todos os conflitos e divergências internas existentes. Decidir coletivamente não necessariamente significa mediar, pacificar ou compreender.

Notamos que o posicionamento das organizações da CAB em relação às agressões sofridas por mulheres foi permeado por essas questões já citadas. Questionar as companheiras de modo insensível, sem antes tomar o cuidado com seu acolhimento; relativizar denúncias pelo fato de o agressor ser um militante antigo ou importante para a organização; resolver a questão pelo método da guilhotina, ou seja, expulsando ou afastando indefinidamente um militante ao invés de construir caminhos para a autocrítica (individual e coletiva); tomar decisões guiadas pelo pânico coletivo instaurado pelo medo de uma deslegitimação pública da organização. Em nossa avaliação, essas são posturas que expressam certo nível de opressão e que precisam ser superadas.

São inaceitáveis as situações em que uma pessoa oprimida pede socorro aos seus companheiros e a primeira reação é ser questionada antes mesmo de ser acolhida. Questionamentos do tipo “mas o que você fez pra ele gritar com você?” não devem ser feitos, uma vez que perpetuam a violência de gênero, apontando a culpa da agressão à vítima. Além disso, a pessoa agredida possivelmente já está muito abalada e passar por um processo nesses moldes seria ainda mais penoso. Consideramos que comportamentos como estes são uma tática de manutenção do privilégio patriarcal, sendo ela deliberada ou não.

De outro modo, as organizações devem dar todo acolhimento e suporte à vítima e junto com ela tomar as decisões cabíveis. Cientes disso, criamos metodologias orgânicas para encaminhar situações que venham a ocorrer. A simples expulsão de um militante agressor não garante que comportamentos machistas não se repetirão dentro do coletivo e menos ainda que essa mesma pessoa não volte a cometer opressões fora dos espaços internos da organização.

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O machismo está incutido em nossas subjetividades. Ou seja, a desconstrução individual e coletiva não é objetiva e mecânica. O machismo não vai ser extinto do meio social como um tumor é retirado do corpo. É dever de uma organização revolucionária e feminista lidar com essas questões, não somente pela intensão de manter uma boa imagem pública. Essa postura seria cínica e antiética com as companheiras.

A CAB compreende que é necessário construir movimentos e organizações que deem voz a todas as pessoas oprimidas. Em termos práticos, as agressões de gênero ocorridas no seio das organizações especifistas nos levaram ao entendimento de que é necessário criar instrumentos em nossa estrutura interna para dar conta dessas problemáticas e um programa de formação e conscientização contra as opressões. É o que estamos fazendo.

Entendemos que formações teóricas, sozinhas, não darão conta da superação das relações de dominação. Acreditamos que nossas organizações são fruto das experiências históricas da classe oprimida, mas também de nossas experiências atuais. Por isso, devemos reconhecer que práticas opressoras são incoerentes tanto em nível privado quanto em nossa prática e conduta política.

Tendo isso em vista buscamos discutir, reforçar e deixar bem esclarecido questões sobre ética e postura militante. Mais do que isso, buscamos incorporar a prática feminista ao nosso cotidiano e acreditamos que é imprescindível que os homens de nossas organizações incorporem, façam ventilar esse debate e desenvolvam novas posturas e comportamentos. Esse processo deve ocorrer com todas as pessoas e, assim, fortalecemos a autorreflexão e autocrítica sincera, incentivamos e apoiamos práticas de identificação de posturas opressoras dentro dos nossos espaços coletivos. Contudo, não devemos cair em práticas punitivistas. Endossamos e buscamos implementar o uso de comissões de ética para tratar as questões de violência de gênero e outras opressões. Enfatizamos que não são somente as mulheres que devem ser responsáveis pelo feminismo. Os homens – sem se sobrepor às mulheres nessa luta – devem contribuir, de modo a promover, dentro e fora das organizações, nossa linha de combate às opressões. É importante fortalecer as companheiras para que elas mesmas possam apontar as múltiplas facetas da opressão de gênero que sofrem.

Não criamos a ilusão de que práticas machistas deixarão de existir no seio de nossas organizações imediatamente. Estamos trabalhando com firmeza, individual e coletivamente, para criar espaços organizativos seguros, confortáveis e capazes de dar voz e vez às pessoas historicamente oprimidas. Temos como desafio criar um movimento revolucionário capaz de extinguir todas as opressões e criar coletivamente uma sociedade emancipada.

Reconhecer nossas limitações e fragilidades nos leva à urgência de dedicar esforços a uma prática política feminista, coerente e comprometida com a construção de uma sociedade igualitária e libertária de fato. O Poder Popular se constrói desde baixo e temos a certeza de que, com ética, honestidade e compromisso podemos gritar lado a lado contra um inimigo maior, e isso deve bastar para nos considerarmos iguais em nosso meio.

O ANARQUISMO SERÁ FEMINISTA OU NÃO SERÁ!

Fevereiro de 2016

Las Afines. Quem teme aos processos coletivos? Notas Críticas sobre a gestão da violência de gênero nos movimentos sociais. Tesoura para todas, p. 57-67. Nota da CAB sobre violência de gênero.