A violência contra as mulheres é um ato recorrente dentro da estrutura patriarcal na qual são fincadas as relações de gênero no seio da sociedade capitalista. Os dados estatísticos e a vivência cotidiana não deixam dúvidas quanto às agressões verbais, psicológicas, emocionais e físicas das quais as mulheres enfrentam durante toda a sua vida e com muita força resistem o quanto podem para não tombar.
Às mulheres, cabe mecanismos de proteção, segurança e representação que não são contemplados nos aparatos do Estado, nem na repressão policial. As mulheres precisam de mecanismos que estejam em todos os momentos a seu lado no combate às violências, tanto nos espaços privados, quanto no espaço público. Sendo assim, nada melhor do que as próprias mulheres produzirem e serem esses mecanismos de defesa, esse sistema de autoproteção, a força motriz para o combate às agressões que sofrem todos os dias.
Pensando nisso, nós, mulheres da Coordenação Anarquista Brasileira, DEFENDEMOS E BUSCAMOS O PROTAGONISMO DAS MULHERES EM SUA AUTODEFESA, e trazemos aqui alguns pontos para contribuir no debate e prática da defesa pessoal para as mesmas no Brasil.
Primeiramente queremos destacar que muitos discursos e falas trazem a mulher, vítima do ato de violência, como culpada ou facilitadora da própria agressão que sofre. Alegando motivos nas roupas usadas pelas mesmas, na restrição de horários para estar só na rua, na falta de obediência ao marido ou pai, entre outras justificativas baseadas não no senso de igualdade, mas no machismo que coloca a mulher como objeto pertencente ao homem, que pode a violentar caso seja de seu agrado. Essas justificativas causam uma violência dupla às mulheres, uma vez pelo ato e outra vez pela culpa que carregam ao sofrer a agressão, sentindo-se envergonhadas, responsáveis, frágeis e incapazes de se proteger.
É POR ESSA DUPLA AGRESSÃO QUE A DEFESA PESSOAL SE TORNA TÃO IMPORTANTE. Antes mesmo de praticar qualquer tipo de luta e aprender golpes, as mulheres precisam passar por um processo de autoconhecimento, autoconfiança e se enxergar como pessoas que merecem ser respeitadas e merecem ter suas vontades respeitadas também. É de suma importância se apoderar de seu próprio corpo, conhecer o que seu corpo é capaz de proporcionar e como pode se defender. Nós mulheres, somos condicionadas a não termos intimidade com nossos corpos, o feminino é um tabu em várias dimensões e é preciso quebrar essa barreira, para que sejamos todas empoderadas e conscientes sobre o que queremos e como vamos conquistar esses quereres.
Mas esse autoconhecimento e autoconfiança virá de um dia para o outro? São coisas aprendidas com facilidade e apenas ouvindo uma palestra ou participando de uma oficina de defesa pessoal? Não!
Esse é um processo lento e constante. A educação que forma os gêneros, desde os primeiros anos de vida de qualquer pessoa, é de uma violência simbólica sem precedentes, e tão disciplinadora de nossos corpos e mentes que torna esse processo muito mais difícil. É importante nessa caminhada ter uma rede de apoio ENTRE AS MULHERES enquanto amigas e companheiras, como também PARA AS MULHERES, nos âmbitos jurídico e financeiro, juntamente com a saúde física e psicológica.
Entretanto, todos esses fatores não serão suficientes sem que haja a iniciativa dessa mulher em percorrer o caminho em direção ao autoconhecimento e autoconfiança. É necessário que as mulheres avancem rumo à sua autonomia e autogestão, de seus corpos e vidas! ESTAREMOS UNIDAS NESSA CAMINHADA!
O Wendo é uma junção de várias artes marciais, voltado para defesa pessoal, surgiu no Canadá, na década de 1970. O “wen” é a abreviação da palavra woman (mulher em inglês) e “do” significa “caminho” em japonês. Apresenta-se como uma defesa pessoal para mulheres ou autodefesa feminista, o que o difere da simples defesa pessoal, por não estar resumido na defesa física, tendo todo um trabalho direcionado para a violência de gênero, seja ela física, psicológica, verbal, emocional, entre outros. Com sua prática no Brasil, a pauta da defesa pessoal tornou-se muito lembrada e buscada nos movimentos feministas.
Essa procura por técnicas específicas de defesa pessoal para mulheres nos leva a acentuar um ponto importante do diferencial dessas técnicas: a ideia de defesa pessoal. Essas práticas de autoproteção não estão apenas na aprendizagem de golpes e contragolpes, que condizem com o aspecto físico da defesa, mas também buscam contribuir para questões que dizem respeito à autoestima, segurança em si mesma e saúde mental para encarar o machismo de frente e com coragem. Por conta disso, não é simplesmente treinar o corpo para reagir à uma agressão, mas treinar também a mente, para se sentir bem consigo mesma e capaz de se defender.
Por isso, a defesa pessoal deve ser reivindicada para toda e qualquer mulher! Espalhe isso para todas, o autoconhecimento, autoestima e autoconfiança não pode ser de poucas, não devemos deter o empoderamento feminino. É fundamental que essa aprendizagem chegue em todos os lugares, principalmente para as mulheres mais suscetíveis a sofrerem violência, principalmente para as mulheres que hoje, e talvez nesse exato momento, apanham ou são ameaçadas por um machista e agressor. A confiança em seu corpo e em si deve ser um direito de todas, esse é o primeiro passo para a luta da transformação social e destruição do patriarcado!
E por falar em mulheres mais suscetíveis a sofrerem violência, é importante termos esse ponto como central ao propor oficinas de defesa pessoal pelo Brasil a fora. Muitas vezes, essas atividades são pagas, com altos preços e focam na camada mais rica da sociedade, a elite ou classe média branca, ficando inacessível a mulheres pretas, pobres da periferia, que geralmente não tomam conhecimento da existência de tais atividades.
Se somos anarquistas e buscamos o fim das desigualdades sociais, e ainda mais, se somos feministas e buscamos a libertação das mulheres e igualdade dos gêneros, DEVEMOS PRIORIZAR AS COMPANHEIRAS E GUERREIRAS QUE CONVIVEM COTIDIANAMENTE COM A VIOLÊNCIA, DEVEMOS PAUTAR UMA AUTODEFESA QUE PENSE DE FORMA INTERSECCIONAL GÊNERO, RAÇA E CLASSE. É incontestável que as mulheres negras, pobres, periféricas, trans, donas de casa, lésbicas, prostitutas, presidiárias e ex-presidiárias sofrem mais com agressão. Portanto, embora não nos recusemos a colaborar com as companheiras que não são constituídas por esses marcadores sociais, devemos buscar apoiar essas mulheres que necessitam de mecanismos para se auto protegerem com urgência, como mostram os índices de violência contra as mesmas.
A autodefesa não é um projeto para o acirramento dos conflitos nas relações de gênero, nem é um programa de combate e extermínio aos homens, como muitos machistas podem dizer por aí. Antes de qualquer agressão, é essencial a busca da comunicação não violenta, que diversas vezes contribui para um diálogo pacífico e resoluções de problemas. Entretanto, quando essa comunicação não funciona, a única resposta à violência deve ser a contra-violência, e as mulheres devem estar prontas para rebater com esse contra poder. É HORA DAS MULHERES REAGIREM, É HORA DE MOSTRARMOS QUE NÃO SOMOS OBJETOS FRÁGEIS E NÃO ESTAMOS DE BRINCADEIRA!