to da ampla sociedade brasileira e cearense que acompanha solidariamente nossos anos de luta para a permanência de nossas famílias, avós, netos, pais e filhos em nosso lugar de moradia.
Hoje, dia 27 de fevereiro de 2012, manifestamos o nosso pleno e total desacordo com o ato da Presidenta Dilma Roussef no que se refere à assinatura da ordem de serviço para a construção do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), metrô de superfície que será construído ao longo de 12,7 km dentro Fortaleza, passando por 22 bairros e dezenas de comunidades em Fortaleza-CE, atingindo quatro mil (4.000) de nossas famílias. Durante estes longos dois anos de pressão por parte do Governo, sofremos com a ação de várias empresas terceirizadas que, a serviço do Estado, percorreram as comunidades para realizar cadastros, marcar e medir nossas casas. Para tanto, fizeram uso constante dos mais inescrupulosos recursos: moradores, incluindo idosos, foram ameaçados e intimidados; inúmeras casas foram marcadas sem o conhecimento e consentimento dos moradores; nossos domicílios e nossa intimidade foram violados; documentos foram recolhidos sem explicação.
Desde que Fortaleza fora escolhida como sede da Copa do Mundo de 2014 nossa vida mudou. Ao invés de trazer melhorias para nosso povo, a Copa vai trazer a maldade da remoção forçada em massa, da segregação e da higienização social. Longe de ser um evento esportivo para o nosso povo, a Copa em Fortaleza vai beneficiar principalmente, e talvez unicamente, os grandes empresários do setor hoteleiro, da construção civil e a FIFA, deixando um legado irreparável para as pessoas afetadas pelas grandes obras, como é o caso do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), metrô de acesso ao estádio.
Muito se fala e defende sobre os benefícios que o Mundial trará para Fortaleza, mas pouco se lembra ou mesmo se discute sobre os legados negativos para nós, moradores. Desta forma, alertamos para as seguintes questões e demonstraremos a forma como os governos nos têm tratado.
1) A falta de diálogo, transparência e publicidade dos atos do poder público tem sido uma marca registrada de todo o processo. Isto teve início quando da publicação do Decreto de Desapropriação nº 30.263 de julho de 2010 que declarou de utilidade pública, para fins de desapropriação, área de 381.592, 87m2 ao longo de 15, 85 km. Desta área, 12,7 km correspondem às nossas casas. Isto fez com que se iniciasse uma intensa guerra psicológica demonstrando o profundo desacordo no que se refere ao próprio Plano Diretor de Fortaleza quando diz que a gestão da cidade será democrática, incorporando a participação dos diferentes segmentos da sociedade em sua formulação, execução e acompanhamento, garantindo a participação popular e a descentralização das ações e processos de tomada de decisões públicas em assuntos de interesses sociais (art. 3º, § 4º, inc. I).
2) O projeto do VLT está orçado em aproximadamente R$ 265 milhões. No entanto, o valor das indenizações será baixíssimo, demonstrando uma clara desproporção e desimportância que o poder público dá ao nosso povo. O valor indenizatório será levado em conta apenas as benfeitorias, o que torna os valores pagos insuficientes para a aquisição de novas casas no mesmo bairro e em condições dignas de moradia. A única opção que nos tem sido imposta é a do trator e das escavadeiras.
3) O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o seu respectivo relatório (RIMA) não valoraram e nem apresentaram alternativas tecnológicas de engenharia para o VLT, como o Bus Rapid Transit (BRT) que será utilizado em outras cidades. Também não foram apresentadas alternativas locacionais de trajeto em outras vias ou caminhos para a obra de modo a não envolver remoções do nosso povo. Ignoraram-se também os pedidos formais de nossas comunidades para realização de mais Audiências Públicas sendo expedida a Licença de Instalação, pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente (COEMA), em 02 de setembro de 2011.
4) Mesmo contando com ampla articulação entre a Defensoria Pública da União, Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará e Ministério Público Federal na defesa dos nossos direitos por via de ações judiciais; e da Superintendência Estadual do Meio Ambiente, que proferiu parecer desfavorável ao VLT, prevaleceu o autoritarismo político. Isso demonstra o claro perfil de classe do judiciário e do governo brasileiro que não está a favor das causas populares. Exemplo disso foi o que aconteceu em São José dos Campos com as famílias do Pinheirinho. Esta covardia está gravada em nossa memória.
5) A proposta vastamente veiculada na imprensa e pelo Governo do Estado do Ceará situa o nosso novo local de moradia no José Walter, área já limite de Fortaleza. Para muitas comunidades esta distância é de 14 km da atual moradia e em uma área onde já residem mil e duzentas (1.200) famílias que há dois anos esperam a construção de um conjunto habitacional. Esta proposta de remoção e assentamento em local distante é um abuso. A própria Lei Orgânica do Município de Fortaleza prevê a consulta obrigatória e acordo de pelo menos dois terços da população atingida, assegurando o reassentamento no mesmo bairro (art. 149, inc. I, b). Trata-se de um verdadeiro estado de ilegalidade.
6) A Lei Estadual nº 15.056 de 06 de dezembro de 2011, aprovada pela Assembleia Legislativa do Estado do Ceará, em regime de urgência de modo a não dar tempo para a discussão ou mesmo para permitir que as comunidades conhecessem melhor o seu texto antecipadamente, prevê a forma indecente como serão realizadas as desapropriações. Vale salientar que várias de nossas comunidades só souberam da aprovação da lei vários dias depois. Em várias ocasiões exigimos que nos fosse apresentado e discutido um projeto alternativo que não envolvesse remoções, bem como que se tratasse com mais cautela o valor das indenizações. No entanto, só tivemos como resposta o silêncio, o descaso e a indiferença. Fomos, portanto, surpreendidos com a aprovação da citada lei.
7) Além de impor várias situações problemáticas e injustas para nosso povo, a citada Lei Estadual nº 15.056 estipula que, caso não concordemos com os seus termos, somente receberemos o baixo valor da indenização, uma vez que, para a grande maioria das nossas famílias, as indenizações se referem ao valor das benfeitorias. Isto nos tira a possibilidade de escolher onde morar, pois não poderemos comprar imóveis próximos do nosso local de moradia atual tendo que nos sujeitar ir para um conjunto habitacional inexistente e abusivamente distante.
8) A omissão histórica do Poder Público em realizar as políticas de regularização fundiária nos deixa atados e prejudicados, pois para a grande maioria é imposta uma indenização baseada na benfeitoria e não no valor da terra, na propriedade. A regularização fundiária trata-se de uma responsabilidade a ser facilitada e empreendida também pelo Estado, contudo hoje as comunidades pagam pela irresponsabilidade dos Governos. Não passa pela nossa cabeça ter que sair daqui, pois pelo tempo já temos o nosso direito à moradia, uma vez que muitos de nós vivemos aqui há 70 anos!
9) Por fim, o que se apresenta é a violação do direito humano à moradia para as nossas presentes e futuras gerações. Alertamos também para a questão dos nossos empregos, pois trabalhamos próximos da nossa moradia; e para a educação dos nossos filhos e filhas, que estudam no próprio bairro. Tudo isso em troca de uma obra de mobilidade urbana de discutível demanda que endividará os cofres públicos.
Desta maneira, mantivemos por dois anos exigências claras direcionadas ao Poder Público e estamos plenamente convictos de que ele as tinha sobre seu o conhecimento: exigimos que o VLT fosse construído em outro lugar, valorando alternativas ou passando pelas próprias avenidas; exigimos que o Governo parasse as marcações, os cadastros, as avaliações das nossas casas e a pressão psicológica que fez com que nossos parentes adoecessem e alguns deles, inclusive, falecessem; exigimos que se reconhecesse o direito de podermos autodeterminar o nosso local de moradia e permanecermos no local de sempre, pois é aqui que construímos nossas vidas, nossos empregos, nossas escolas e criamos nossos filhos e filhas.
Para nós, tal situação deve ser tratada, repetimos, como verdadeira remoção forçada em massa e higienização social, pois apresenta o pagamento de indenizações irrisórias ou então ir morar em um lugar inexistente, sem qualquer preocupação com os grupos vulneráveis existentes na área e destituindo milhares de nossos moradores, não apenas de suas casas, mas de toda a rede de relações sociais e da possibilidade de acesso a equipamentos e serviços fundamentais como escolas, hospitais, postos de saúde, oportunidades de trabalho e renda. Diante dessa situação, exigimos responsabilidade do poder público no âmbito municipal, estadual e federal.
É por isso que este governo nos envergonha!
Nenhuma casa abaixo, nenhum direito a menos!
Fortaleza/CE, 27 de fevereiro de 2012
MOVIMENTO DE LUTA EM DEFESA DA MORADIA (MLDM)
Comunidade Trilha do Senhor
Comunidade Aldacir Barbosa
Comunidade Dom Oscar Romero
Comunidade São Vicente
Comunidade Rio Pardo
Comunidade Jangadeiros
Comunidade João XXXIII (Pau Pelado)
Comunidade do Pio XII
Comunidades do Lagamar
Comunidades do Vila União
Comunidades do Mucuripe