Organização Resistência Libertária

Manifesto de Fundação

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fev 202016
 

MANIFESTO DE FUNDAÇÃO DA ORL

 

ORGANIZAÇÃO RESISTÊNCIA LIBERTÁRIA [ORL]

“Carregamos um mundo novo em nossos corações, que cresce a cada momento. Ele está crescendo neste instante […].”

Buenaventura Durruti

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Declaração de Princípios

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fev 202016
 

Organização Resistência Libertária [ORL/CAB]

Declaração de Princípios

“O problema não é saber se o povo pode se rebelar, mas se é capaz de construir uma organização que lhe dê os meios de chegar a um fim vitorioso – não por uma vitória fortuita, mas por um triunfo prolongado e derradeiro”.

“Estamos convencidos de que liberdade sem socialismo é privilégio e injustiça, e que socialismo sem liberdade é escravidão e brutalidade”.

Mikhail Bakunin

A necessidade da luta anticapitalista

Nunca a necessidade de encontrar alternativas ao domínio do capital foi tão atual como agora. A tirania capitalista assume hoje uma ofensiva global ainda mais agressiva e destrutiva do que suas fases de desenvolvimento anteriores e estende seus tentáculos a todos os aspectos da vida. Por um lado, a desigualdade e a degradação das condições de vida das populações pobres marcham a passos de gigante em escala planetária, de tal forma que hoje uma parcela cada vez maior da população mundial já não consegue suprir nem mesmo suas necessidades mais básicas como alimentação, moradia, saúde, transporte, educação, etc.

Por outro lado, cada vez mais riquezas e poder político se concentram nas mãos de um punhado de grandes corporações e investidores internacionais, que controlam os mercados mundiais e submetem os recursos técnicos, humanos e naturais ao processo de valorização do capital, independente dos interesses e das necessidades dos povos. A atual devastação ecológica talvez seja o exemplo mais irracional dessa insensibilidade capitalista, na medida em que sua sanha produtivista e consumista ameaçam as bases naturais para a continuidade da vida no planeta.

O poder econômico tornou-se, mais que nunca, o maior poder político da sociedade. O capital clama pela liberdade de escolher a seu bel-prazer onde e como lucrar nas condições mais favoráveis e os Estados encarregam-se de gerenciar os recursos e prover o capital de meios institucionais para apropriar-se destrutivamente dos recursos naturais e sugar o sangue e arrancar o couro da classe trabalhadora. Os Estados não são um contraponto, mas agentes ativos do processo de dominação capitalista e como sempre, seguem garantindo os pressupostos básicos para a dominação de classe e do processo de produção e circulação de mercadorias, além de concentrar e administrar os maiores aparatos repressivos e um potencial bélico capaz de destruir o planeta.

Independentemente do populismo cínico e das tentativas frustradas de resgate do antigo Estado de bem-estar social e suas variantes, a economia capitalista global adquiriu a capacidade de se impor aos Estados nacionais reduzindo cada vez mais suas margens de autonomia, definindo suas funções e limites dentro da ordem política e econômica mundial.

Estes e outros elementos da realidade atual não nos deixam dúvidas de que não é mais possível permanecer numa posição de passividade. Para a maior parte da população mundial, o capitalismo não pode oferecer mais nenhuma perspectiva a não ser fome, miséria, guerras, devastações e catástrofes ecológicas, racismo, opressão, etc. Diante da barbárie capitalista, bem-estar, progresso, liberdade, justiça e democracia não passam de promessas cínicas e irrealizáveis.

Dentro desse quadro geral, não nos resta outra perspectiva que não seja buscar formas de atuação e organização políticas que estejam fora e sejam autônomas em relação aos Estados e outros agentes do processo de dominação capitalista, assumindo uma posição de enfrentamento radical que ao mesmo tempo em que ponha em xeque a sociedade capitalista, possa ir construindo, desde agora, as formas prefigurativas de uma sociabilidade futura.

Construindo resistências anticapitalistas

A construção de resistências anticapitalistas exige desde já o abandono tanto dos ilusionistas que ainda advogam uma convivência pacífica entre as classes e a idéia de que é possível humanizar e administrar o capitalismo por meio do Estado e de políticas reformistas, deportando para a “Terra do Nunca” qualquer perspectiva de luta anticapitalista, como também das diversas formas do marxismo-estatista-autoritário que, embora atribuindo a si mesmos a tarefa de guias da emancipação social, não fizeram outra coisa senão reproduzir a alienação e a submissão dos que lutam a formas de dominação burocrática, de classe e do próprio capital, destituindo-os de sua capacidade de autonomia e auto-organização.

Por isso hoje a discussão em torno das formas organizativas e dos objetivos aos quais elas se propõem assume uma importância tão significativa. Agora já não se trata de querer reformar o capitalismo, mas de destruí-lo. Já não se trata de saber quem será o novo guia da emancipação social, mas de restituir a capacidade de auto-organização dos que lutam, de forma que estes possam munir-se do poder de emancipar a si mesmos.

Estamos convictos de que partidos políticos ou governos são incapazes de levar adiante qualquer luta anticapitalista, visto que estão comprometidos com a ocupação e administração do Estado, que não é outra coisa senão o órgão de representação política dos interesses do capital e da burguesia, e um elemento necessário para manutenção da dominação capitalista. Dizemos o mesmo de outras instâncias burocratizadas de representatividade, que alienam a capacidade organizativa, a combatividade e a autonomia das diversas lutas que se travam nos mais variados espaços da vida cotidiana.

Para nós, a luta anticapitalista só pode avançar de forma conseqüente e duradoura se assumir radicalidade e dimensões sociais cada vez mais amplas. Não acreditamos que qualquer mudança social significativa possa ser o resultado da ação de pequenos grupos isolados, por mais bem intencionados que sejam, nem de organizações que se inserem nas lutas sociais visando seu próprio crescimento quantitativo e/ou o aparelhamento oportunista das reivindicações populares para seus interesses particulares.

Esta luta deve impulsionar a organização das classes exploradas com um objetivo comum: a derrubada do capitalismo e a constituição de uma nova sociedade. Deve também ser fruto da vontade popular, expressa nos movimentos sociais que dão corpo às lutas para a melhoria de condições de vida e que podem ser o embrião da sociedade futura. Este tripé constituído pela necessidade, vontade e organização sustenta a constituição dos movimentos sociais. Infelizmente, grande parte destes movimentos sociais está hoje aparelhada, seja por partidos, sindicatos, outras organizações autoritárias ou mesmo pelo Estado. Muitos deles, ao invés de lutarem por seus interesses – quase sempre ligados aos problemas ocasionados pelo capitalismo – propondo uma transformação social radical, voltam-se somente à promoção de interesses limitados como a eleição de políticos, à aliança com partidos, à obtenção de cargos, etc.

Defendemos o desenvolvimento de movimentos sociais que sejam combativos e sustentem suas bandeiras de luta de maneira autônoma, fora do Estado e longe de organizações autoritárias que os querem aparelhar. Isso significa conquistar e vencer por meio da força social e não pedindo migalhas aos governantes e burocratas. Para nós, os movimentos sociais devem utilizar a ação direta como forma de ação, uma maneira de agir fora da burocracia da democracia representativa, defendendo os interesses daqueles que estão mobilizados, pois acreditamos que a política quem faz é o povo na luta e não os políticos que atuam por meio das estruturas institucionais do Estado. Por fim, acreditamos que os movimentos sociais devem buscar formas de tomadas de decisão baseadas na democracia direta e na auto-organização, decidindo seus rumos em assembléias horizontais com participação igualitária e não-hierárquica, com ampla participação.

Desta forma, entendemos ser possível uma radicalização das lutas, unindo o conjunto dos movimentos sociais com o objetivo de extrapolar as lutas de curto prazo e avançar numa perspectiva revolucionária, de superação da sociedade capitalista. Quanto mais pudermos desenvolver este modelo de organização popular e estendê-lo numa escala social cada vez mais ampla, maior será a capacidade de combatermos o capitalismo hoje e caminharmos a uma superação do capitalismo, por meio da revolução social, promovendo um sistema de igualdade e liberdade.

Por estes motivos, nossa organização não se propõe a funcionar para si mesma, mas a ser um instrumento inserido nas lutas populares e nos movimentos sociais. Nossa inserção nestas lutas não visa de forma alguma dirigi-las ou submetê-las a nossos próprios interesses, mas contribuir para impulsioná-las, estimulando a autonomia, a combatividade, a ação direta e a democracia direta. Esperamos poder contribuir, também, fazendo estas lutas irem para além das reivindicações de curto prazo, tudo isso por meio do diálogo e da troca de experiências, de maneira completamente antiautoritária.

Nossa Organização

A Organização Resistência Libertária é uma organização especifica anarquista, resultante da livre vontade de indivíduos de unir e coordenar seus esforços de forma horizontal e autônoma, pautados na liberdade e na responsabilidade individual e coletiva, no apoio mútuo, na democracia direta e com a disposição de militar socialmente, visando contribuir para a construção de experiências de organização e de lutas sociais com perspectiva anticapitalista.

Cientes de que sob a denominação de anarquistas, albergam-se as mais variadas e contraditórias concepções, assumimos o anarquismo social como perspectiva política, pois no nosso entender não é possível que enquanto o capital segue avançando de forma destrutiva sobre todos os aspectos da vida e demonstra-se a cada dia mais incapaz de gerir suas próprias contradições, os anarquistas recolham-se em organizações separadas das lutas sociais ou em qualquer tipo de anarquismo anti-organizacional, individualista ou de “estilo de vida”, abstendo-se da capacidade de questionamento e de crítica social, no duplo sentido de expor os limites da sociedade capitalista e também de apontar perspectivas teóricas e práticas de luta visando sua superação. Este recolhimento para nós não seria outra coisa senão uma auto-condenação à insignificância e à impotência diante de um mundo que impiedosamente desmorona sobre nossas cabeças.

Negamos a tomada do poder do Estado e qualquer suposta ditadura do proletariado como meios de emancipação social, afirmando que esta só pode ser o resultado da ação direta revolucionária e da construção de formas de organização autônomas, combativas, horizontais, anti-estatistas e anti-capitalistas, visando à destruição da dominação social capitalista e substituindo-a por uma sociedade auto-organizada e autogerida nos aspectos políticos, sociais e econômicos.

O fim indica os meios e, por sua vez, os meios constroem o fim!

“Uma vez fixado o fim que se deseja obter, por escolha ou por necessidade, o grande problema da vida é encontrar o meio que, conforme as circunstâncias leva mais seguramente e com a maior economia ao fim a que nos propomos”

Errico Malatesta

Definir fins sem definir os meios de concretizá-los, significa condenar estes fins a serem meras palavras de ordem, abstrações estéreis, incapazes de serem realizados. É na luta real que se definem concretamente a aplicação dos meios e, estes não podem entrar em contradição com os fins. Não podemos aspirar a uma sociedade livre e igualitária, se os meios pelos quais desejamos alcançá-la, são pelo contrário, hierárquicos e autoritários.

A forma como nos organizamos corresponde a nossos objetivos políticos. Somos, desde já uma organização horizontal e autônoma e buscamos por meio da inserção nas lutas sociais tomar uma posição na luta de classes de forma a contribuir para a construção de formas de organização e de luta que fazendo o uso mais amplo possível da democracia direta.

A seguir os meios pelos quais acreditamos ser possível criar uma correlação de força capaz de tencionar uma ruptura com a desordem capitalista:

Horizontalidade: Não existem hierarquias, burocracias nem privilégios. As decisões são tomadas coletivamente e todas e todos que fazem parte da organização ou movimento defendem suas posições e são levados em consideração em condições de igualdade.

Divisões de tarefas não acarretam nenhuma relação hierárquica nem instâncias de poder separadas do controle do coletivo. Não existem relações de mando, mas de apoio mútuo: os indivíduos cooperam para a realização de objetivos comuns.

Autonomia e ação direta: Definimos nossos objetivos, métodos de organização e de luta de forma independente, sem vincular-nos nem submeter-nos a qualquer partido político, governo, empresa, instituição religiosa, etc. A autonomia implica a prática da ação direta. Ao contrário da representatividade, na ação direta, não delegamos o poder de decisão e realização a terceiros, mas visamos exatamente restituir essa capacidade de decisão e ação que nos é alienada (transferida a outros), evitando assim que interesses contrários se sobreponham aos nossos.

Para nós, a ação direta é muito mais que um método de ação. Ela é uma ferramenta pedagógica que impulsiona a reapropriação do poder de agir e decidir sobre nossos próprios destinos, restabelecendo laços de apoio mútuo e solidariedade tão essenciais entre os protagonistas de um novo devir.

Democracia direta: Ao rejeitarmos o Estado e sua democracia representativa, propomos como alternativa a democracia direta e a horizontalidade. A cultura da representatividade condena os indivíduos a meros expectadores da realidade social. Chamados a opinar apenas em períodos eleitorais, delegam a capacidade de decisão sobre suas próprias vidas a uns poucos que além de concentrarem o poder político sobre a sociedade, desconhecem, na maioria das vezes, completamente as problemáticas e aspirações daqueles que dizem representar. As eleições não passam de um grande jogo de cartas marcadas em que o poder do capital associado ao controle dos meios de comunicação de massa garante a vitória dos que mais puderam pagar. Enquanto continuarmos na ilusão de que nossos “representantes” resolverão nossos problemas, só nos afastaremos cada vez mais de nossa luta direta contra o capitalismo, e é exatamente esse o objetivo das eleições e da democracia representativa.

Não acreditamos na capacidade dos governos (de esquerda e de direita) em resolver nossos problemas. Acreditamos na necessidade de construirmos espaços e mecanismos de participação direta nas decisões e deliberações que afetam os interesses coletivos. Em outras palavras, democracia direta significa que todas as decisões devem ser tomadas por aqueles a quem realmente interessam, de maneira direta, sem representantes ou intermediários.

Classismo: Significa, em primeiro lugar, reconhecer o fato de que a sociedade capitalista está dividida em classes sociais (burguesia e proletariado) que assumem posições contrárias no capitalismo. Por proletariado não entendemos simplesmente os trabalhadores fabris, mas todas e todos que por não possuírem o capital e os meios de produção são obrigados a submeter-se à exploração capitalista (camponeses, os submetidos às diversas formas de precarização e subemprego, os desempregados, etc).

Em segundo lugar, o reconhecimento de que cada classe expressa seus interesses por meio de uma luta de classes, que ora assume uma forma aberta, ora assume uma forma velada.

Não se trata de idealizar o proletariado, ou uma fração dele (o trabalhador fabril), como um sujeito automaticamente revolucionário. Este só se constrói por meio da luta: é no enfrentamento cotidiano que reconhecemos para qual trincheira apontar nossos fuzis.

Por isso, para nós, esta luta de classes deve assumir um caráter de enfrentamento cada vez mais aberto, ultrapassando a mera defesa de interesses imediatos e rechaçando as tentativas de conciliação de interesses e de mascaramento das contradições de classe por meio do Estado, como tão insistentemente fizeram e seguem tentando fazer as correntes reformistas e marxistas (leninistas, trotskistas, stalinistas, etc).

Nesta luta de classes assumimos uma posição de defesa dos interesses do proletariado, o que para nós só pode significar a luta contra o próprio capital e o Estado, elemento necessário para manutenção da dominação capitalista. Seu objetivo, portanto, não é o estabelecimento de uma nova classe dominante, mas a abolição do domínio do capital sobre a sociedade, do Estado e das próprias classes.

Construção de contrapoderes: Os contrapoderes não são outra coisa senão formas de poderes autônomos, que se colocam contra o capital e o Estado, e que podem ser entendidos como crescimentos progressivos da força social da organização popular. Estes poderes funcionam também contra qualquer forma de organização política e econômica que vise expropriar a classe de sua capacidade de auto-organização e combatividade. Eles não devem ser confundidos com qualquer forma de poder associado ao Estado, como no caso de um suposto “Estado Operário” ou das ditas gestões populares da esquerda reformista. Além de dotar-nos da capacidade de enfrentamento anticapitalista hoje, estes contrapoderes são também formas embrionárias e pré-figurativas de uma sociabilidade futura livre da dominação do Estado e do capital.

Federalismo: Historicamente os socialistas libertários se opõem à lógica centralizadora e impositiva do Estado e suas instituições políticas, jurídicas, militares, econômicas e financeiras que buscam a legitimação e o funcionamento do sistema capitalista e suas relações de dominação. O federalismo é o método encontrado para contrapor-se a essa lógica centralizadora na medida em que propõe uma nova forma de reorganização e funcionamento da sociedade baseada na democracia direta e na autonomia política, econômica e social de todos os envolvidos no pacto federativo. Ele também é fonte de inspiração para uma nova forma de articulação entre as organizações políticas, movimentos populares, entidades de base, etc. Uma relação que se baseia na livre associação e coordenação horizontal dos interesses comuns sem prejuízos da autonomia política, uma vez que os partícipes não estarão submetidos nem interessados a submeter-se a um poder centralizado.

Internacionalismo: Acreditamos que a luta contra o capital não reconhece fronteiras e que a resistência e solidariedade entre os explorados deve ser tão global quanto a economia capitalista. Nossa luta e objetivos políticos devem exceder os limites históricos, geográficos e constitucionais dos Estados existentes. Para nosso entendimento, o internacionalismo é a recusa das fronteiras estabelecidas pelo Estado, além de ser sinônimo de apoio mútuo e solidariedade, por companheiros que independente do local de nascimento, são também explorados. Assim, negamos o patriotismo, que disfarça a divisão das classes sociais existentes na sociedade, em cada região, país ou nação.

Rechaço às formas de discriminação e opressão: Rechaçamos e combatemos qualquer forma de discriminação e opressão baseada em critérios raciais, de gênero e expressão da sexualidade, de nacionalidade e diferenciação cultural, etc. Combater o patriarcado, o machismo, a homofobia, o racismo e a xenofobia são partes intrínsecas do pensamento e da prática libertárias. No entanto, ressaltamos que estas lutas só podem assumir um caráter emancipatório se conseguirem ultrapassar a fragmentação e as sucessivas tentativas de capitulação destas lutas a lógica mercantil e estatista, que visa criar potenciais consumidores e nichos de mercados específicos (produtos próprios para negros, lugares exclusivos para gays, etc) e limitá-las a uma luta por direitos de setores específicos, separando-as de uma crítica à totalidade da sociedade capitalista.

Autogestão social: A autogestão social implica necessariamente a abolição da propriedade privada (e sua divisão hierárquica do trabalho) e do capitalismo. Isto por que não é possível exercer uma autonomia e um verdadeiro poder de decisão enquanto o capital seguir subordinando o trabalho, os recursos materiais e os meios de produção a seu processo de reprodução. A autogestão, no sentido que propomos, significa o controle dos indivíduos sobre sua atividade produtiva e a colocação dos recursos materiais e dos meios de produção a serviço da satisfação das necessidades sociais e a substituição do Estado por organizações de indivíduos livremente associados.

O caminho para a liberdade é a própria liberdade

Para nós, estes não são princípios abstratos, mas objetivos que orientam nossa atuação tanto dentro de nossa própria organização como em nossos espaços de inserção social. Trata-se da construção de um projeto político que busca romper desde hoje com a lógica da alienação. Desta forma reafirmamos: nenhuma mudança social emancipatória pode ser o resultado da ação de pequenos grupos, de vanguardas políticas ou indivíduos isolados. Elas só podem ser o resultado de processos de luta muito difíceis, cheios de contradições, de avanços e retrocessos, mas que dependerão do grau de protagonismo popular e da clareza dos objetivos pra os quais essas lutas devem caminhar.

É na luta que se aprende a lutar. Ela é a grande escola onde se aprende a reconhecer os inimigos e a caminhar entre os comuns; onde se aprende a participar, a decidir, num processo continuo de educação e construção de experiências. Não se pode esperar que um dia se construa uma sociedade livre acostumando os indivíduos ao conformismo e à passividade. Curvar-se diante da opressão só contribui para perpetuar a escravidão. O caminho para a liberdade é a própria liberdade.

Os grandes só são grandes se estivermos de joelhos. Levantemo-nos!!

Organização Resistência Libertária [ORL/CAB]

 

Baixe aqui o arquivo da Declaração de Princípios da ORL

dez 192015
 

Carta Pública de Comemoração dos 7 anos da Organização Resistência Libertária

 

 

Companheiras e companheiros de caminhada nesta luta por igualdade e liberdade,

 

Nossa Organização completou 7 anos de atividade política e pública. Aos olhos de muitos, esse é um tempo pequeno diante da caminhada pela liberdade. Aos nossos olhos, esse tempo modesto tem amplo significado, tanto para nossas vidas como para a experiência de luta do anarquismo neste estado.

 

Em meados de 2007, a recente experiência de luta de muitos/as estudantes secundaristas e universitários/as se unia a experiência organizativa de muitos/as militantes anarquistas que há longos anos movimentava a luta libertária nestas terras cearenses. Naquele cenário, de aliança de militâncias jovens e de uma militância mais experiente e ideológica, prosperou a fraternidade necessária e a vontade de fazer crescer um coletivo independente das forças políticas existentes até ali, que a nosso ver representavam um prejuízo aos movimentos sociais, retirando-lhes potência e ação.

 

Foi exatamente um ano o tempo necessário para nossa constituição como corpo político. Aos 8 de dezembro de 2008, na abertura do I Encontro Libertário: Anarquismo e Movimentos Sociais (em Fortaleza), a Organização Resistência Libertária lia seu Manifesto de Criação. Esse processo, de um ano de discussão interna, teve uma importância decisiva em nossa organização. Nesse tempo, dezenas de discussões políticas e muitos/as militantes se revezaram na difícil tarefa de diálogo e construção de laços de uma unidade possível e fazer crescer nossa militância.

 

A experiência da luta do anarquismo cearense, sobretudo naquela história recente, era tributária de muita luta, mas pouquíssima organização entre os/as anarquistas. Era uma intensa atividade política, mas entre nós nos entendíamos pouco e isso era refletido também em nossas ações, condenando-nos a atividades pontuais e de pouco alcance. A necessidade de uma maior organização entre os anarquistas era cada vez mais evidente. E começávamos a entender, com muito esforço, e aliado a muitas companheiras e companheiros anarquistas deste país, que nosso limite estava ali. Ou dávamos um passo à frente e construíamos laços mais orgânicos e que nos impulsionariam a crescer politicamente, ou então, como já tinha acontecido dezenas de vezes em anos anteriores, estaríamos condenados a inanição política como coletivo ou a mera ação individualizada, que já havia se mostrado estéril politicamente.

 

Aqui queremos dar um registro especial a todas e todos que construíram a ORL. Ainda que muitos fundadores e fundadoras não estejam mais conosco organicamente, registramos a importância de cada um de vocês. É preciso não ter dúvidas. Foi cada palavra, cada conflito e cada calma, cada gesto, de todo/as, que fazem esse texto ser lido agora. Aqui está a Organização Política que vocês ajudaram a construir. Aqui está, com novos rostos, e depois de muitas sementes, a vossa plantação. Somos nós que, entendendo os motivos de cada militante que precisou se afastar por um curto ou largo período, manifestamo-nos diariamente na manutenção do sonho que certamente temos em conjunto. Importante também fazer um registro dos/as apoiadores/as que, mesmo nunca tendo feito parte orgânica da do nosso grupo, foram sem dúvidas de inteiro companheirismo desde primeira hora. A Organização também é resultado do apoio de vocês, foram também decisivos em cada momento.

 

É preciso também dizer que nossa história não é triunfalista. Recusamos o típico discurso das organizações políticas que comemoram novos ciclos apenas a cantar vitórias e ações revolucionárias. Nossa história não é bela e nem feia. Ela foi, dentre as muitas possibilidades de ação, construída coletivamente, a partir da força, dos medos, da radicalidade, dos anseios… de cada um de nós que, compartilhando ações com mais um mundo de lutadores sociais intentamos projetar novos mundos. É preciso ter coragem, sob tantos os ângulos, para afirmar nossos acertos e principalmente nossos erros. Foram muitos destes erros que nos fizeram amadurecer e prosseguir, dirimindo traumas e construindo um espírito de luta coerente com nossa caminhada.

 

Foi no terreno da luta social, da difícil luta militante, de muito trabalho e pouco sono, que pudemos semear nosso sonho libertário. É na peleja com muitos lutadores que nos criamos. Na militância estudantil, indígena, comunitária, sindical… aprendemos com a prática aquilo que já pensávamos no plano teórico. Juntos com a militância dos/das companheiros/as do Movimento de Luta em Defesa da Moradia (MLDM) e, mais recentemente, do Movimento Social FOME (Sobral), do Movimento Passe Livre (MPL), do Movimento de Oposição Sindical (MOS) e na Biblioteca Social Plebeu Gabinete de Leitura, temos se construído como militantes, aprendendo com cada um e cada uma, renovando diariamente nossas ideias de transformação social.

 

No plano político, mais orgânico, é preciso reconhecer de início a forte influência que tivemos da Federação Anarquista do Rio de Janeiro (FARJ). Foram nossos/as primeiros/as companheiros/as de leitura e concepção de projeto revolucionário, participando diretamente da nossa formação. Saudamos também em nome de todas as organizações irmãs, a Federação Anarquista dos Palmares (FARPA), também irmãos e irmãs de primeira hora, desde 2008, e por todo o esforço com que tem trabalhado em conjunto conosco pela construção do anarquismo no Norte e Nordeste desse país. Internacionalmente, nossas relações com a Federação Anarquista Uruguaia (FAU) não poderá jamais ser esquecida, pelas elaborações teóricas e pela experiência de luta compartilhada nos últimos 5 anos.

 

É preciso afirmar também nosso imenso crescimento político com a construção da Coordenação Anarquista Brasileira (CAB), que desde 2012 tem reunido organizações irmãs de diversas partes deste país, tentando criar um projeto de transformação social construído pelos “de baixo” e em sintonia com nossas princípios e práticas militantes. Que cada militante, de cada organização irmã, sinta um forte abraço de cada um de nós. É com vocês que criamos nosso projeto e é com vocês que nosso projeto avançará. Vocês são nossa bandeira tremulando em cada território saqueado desse país, vocês são nossa esperança de resistência e luta.

 

A Organização Resistência Libertária agradece a fraternidade de todas as organizações-irmãs, nomeadamente: Federação Anarquista Gaúcha (FAG/RS), Rusga Libertária (RL/MT), Federação Anarquista do Rio de Janeiro (FARJ/RJ), Federação Anarquista dos Palmares (FARPA/AL), Coletivo Anarquista Luta de Classes (CALC/PR), Organização Anarquista Socialista Libertário (OASL/SP), Coletivo Anarquista Bandeira Negra (CABN/SC), Federação Anarquista Cabana (FACA/PA) e, mais recentemente, do Fórum Especifista da Bahia (FAE/BA), da Organização Anarquista Maria Iêda (OAMI/PE) e da Organização Anarquista Zabelê (OAZ/PI). De pé e em luta, sempre!

 

Fazer crescer a bandeira negra!

 

Vivas a Organização Resistência Libertária!

 

Lutar, Criar, Poder Popular!

 

 

Organização Resistência Libertária

 

19 de dezembro de 2015

 

dez 192015
 

Declaração do II Seminário de Gênero: Mulheres do Gueto que lutam

Nós, integrantes do Movimento Social Fome, por meio do seu Núcleo Feminista Mulheres do Gueto que lutam sem medo, da Organização Resistência Libertária (ORL/CE), da Organização Anarquista Zabelê (OAZ/PI), reunimo-nos no II Seminário de Gênero, em Sobral/CE, para discutir a construção do feminismo nos movimentos sociais autônomos, defendendo uma construção desde baixo.

Nessa oportunidade, renovamos nossa disposição de enfrentamento às formas de violência de gênero: física, sexual, simbólica, psicológica e patrimonial. Alargando nossa compreensão sobre identidade de gênero e diversidade sexual, tratamos das violências sofridas por mulheres transexuais, e travestis.
Tendo em vista nossa atuação social, concentramo-nos em discutir o enfrentamento às violências de gênero na periferia urbana, que atingem, sobretudo, mulheres negras. Essa violência pode ser nos espaços privados, de forma interpessoal, ou nos espaços públicos, por meio do Estado, com a falta de políticas públicas de saúde e de cultura que promovam a igualdade de gênero.

Para compreender o histórico do movimento feminista, aprofundamo-nos no feminismo anarquista, discutindo conceitos do anarquismo e a relação dessa ideologia com as lutas de gênero nos movimentos sociais. Tivemos contato com a vida de mulheres anarquistas, conhecidas pela história como “mais perigosas que mil rebeldes”, dentre elas Louise Michel, Emma Goldman, Margarida Ortega, Mujeres Libres da Espanha, Maria Lacerda de Moura, Espertirina Martins, Sônia Oiticica, Dandara.

No segundo dia, organizamos um espaço misto, discutindo com todo movimento social a desconstrução do machismo nos espaços de militância.
Por fim, afirmamos o compromisso de enraizar o feminismo. Permaneceremos lutando por igualdade de gênero, respeitando as identidades de gênero e a diversidade sexual, criando espaços que contribuam para a emancipação de nós, mulheres, e do nosso povo. Sabemos não seremos completamente livres no sistema capitalista e que a “liberdade não se pede, conquista-se”, portanto, permaneceremos firmes na luta em busca dessa liberdade, de justiça e da igualdade social.

Construir mulheres fortes!

Construir um povo forte!

Construir o poder popular!

Terrenos Novos, 13 de dezembro de 2015

dez 092015
 

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Contra a Crise e o Oportunismo: Ação Direta com as/os De Baixo

A Coordenação Anarquista Brasileira manifesta sua opinião sobre os recentes acontecimentos resultantes da lógica dominante do capital financeiro especulativo, nacional e internacional, que opera seus interesses por meio do Estado e suas estruturas jurídicas, políticas, repressoras e midiáticas. São expressões disso as defesas de um terceiro turno por parte do PSDB, as investidas nos avanços dos cortes de direitos trabalhistas e sociais, os cortes de verbas à educação e a lei antiterror que o PT colocou em pauta, e o caso das quatro contas bancárias em paraíso fiscal por parte de Eduardo Cunha (PMDB).

Aqui, declaramos nossa opção de luta classista, que prima a organização com os debaixo na luta cotidiana, ombro a ombro, na luta diária. Vemos que existem questões mais profundas, estruturais, que vão além da chantagem da direita declarada no jogo político (representada por Cunha e pelo PSDB) ou pela manutenção de uma esquerda institucional (PT e seus comparsas). Lembremo-nos das declarações do EZLN de que a “esquerda institucional nada mais é do que uma direita envergonhada”. O PT, PSDB, PMDB e tantas outras siglas não se envergonham do que fazem, nem têm tentado esconder o que pensam. São carrascos e traidores da luta popular, e devem ser tratados, denunciados e combatidos como tal.

Repudiamos a manipulação da Rede Globo e demais empresas da mídia burguesa. Empresas que fazem campanha pela desestabilização do país, colaborando com os interesses do capital financeiro especulativo e industrial de governos e empresas dos EUA e da Europa. Esses que veem o caos no Brasil como porta aberta para avançar nas políticas de privatização e redefinição dos critérios de exploração do pré-sal, privatização da Petrobras e demais setores estratégicos e lucrativos como os da energia, recursos naturais e transportes. Assim, podem fazer avançar ainda mais as políticas neoliberais de privatizações e de austeridade, já em profunda aplicação nos países da União Europeia. A ganância do capital e os interesses mesquinhos dos políticos não autorizam o PT, o PMDB, o PSDB, Cunha e sua quadrilha a fazerem um “governo de reféns”. Quem de fato sofre e se torna refém é o povo, que é quem sente na carne com desemprego, cortes sociais, especulação imobiliária e perda de direitos básicos como: saúde, moradia, educação e transporte.

Entendemos que grande parte dessa situação é resultado das escolhas mais do que conscientes do PT nos treze anos de governos Lula e Dilma. Resulta também de uma política de coalizão de classes, que já chegou ao seu esgotamento e da política de barganhas a qualquer preço para garantir a manutenção da governabilidade e de seu projeto de Poder. Um caminho tomado de forma planejada e pragmática pelo PT e que só poderia levar a essa situação, dadas as concessões e negociações com o capital e poderosos – não esquecendo da sua aliança permanente com o próprio PMDB.

O povo está refém de partidos e políticos que só defendem seus próprios interesses e de seus financiadores. A “estagnação” do país é conveniente apenas para determinadas pautas, em meio a chantagens, permutas e disputas internas. No entanto, quando se faz necessário, a direita e os governistas esquecem supostas divergências e comerciam de forma conjunta para fazer duros cortes no social e transferir o pagamento da “crise” para as/os trabalhadoras/es. Tal situação pode ser observada com clareza no congresso que trabalha de modo rápido, eficiente e articulado para onerar o povo. Esse é o caminho da política institucional e parlamentar, palco de propinas, barganhas, pilantragens e roubalheiras sistemáticas, praticadas hoje por PT, PMDB, PSDB e toda essa corja de parasitas do Congresso, Senado e judiciário. Ou seja, independente do partido que está no governo, as reais demandas do nosso povo nunca foram, nem serão, prioridades da via institucional-parlamentar.

Desse modo, com que cinismo o PT vem pedir mobilização permanente em defesa de seu governo? Um governo que não avança um milímetro na defesa dos reais interesses do povo, mas só recua seus direitos e o violenta, com recessão, políticas de austeridade, fechamento de escolas do campo e da cidade. Degrada hospitais públicos, deixa a reforma agrária estagnada, mas privilegia o empresariado e o mercado internacional. O PT foi conivente e opera as políticas de direita, criando espaço para o conservadorismo e negociando com a agiotagem do FMI (e o capital especulativo), mas se pinta de vermelho quando convém. Com isso, possibilitou o avanço da direita mais retrógrada e de setores conservadores que cada vez mais conseguem implementar suas pautas, o que, pelo que tem demonstrado, são suas também.

Com que argumento o PT vai pedir apoio se continua sangrando o povo? Mantendo a mesma lógica de exploração da classe trabalhadora com uma política social mínima e uma economia baseada nas taxas de juros beneficiando a agiotagem do setor financeiro especulativo, e no modelo de exploração e venda de commodities oriundos da mineração e da monocultura extensiva do agronegócio? Como pedir apoio se assistimos ao maior desastre ambiental da história do país, protagonizado por parte da terrorista Vale por meio de sua testa de ferro SAMARCO, e o governo apresenta uma lentidão inacreditável sem aplicar nenhum tipo de punição ou ação proporcional que obrigue esta multibilionária empresa a se responsabilizar e custear os irreparáveis danos sociais e ambientais causados?

O resultado dessa política do PT/PMDB é que o povo paga a conta da crise. É o povo que fica sem terra e sem condições para plantar e viver no campo. Fica sem moradia, sem hospitais e escolas, sem transporte e sem direitos sociais garantidos. O povo negro é exterminado diariamente nas periferias com a política de segurança e os pobres e movimentos sociais são criminalizados. Mulheres e indígenas têm seus direitos sequestrados, mas os ricos, banqueiros, empresários, latifundiários e demais poderosos, continuam a ser beneficiados e priorizados pelas políticas do governo.

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Retomar os legítimos valores da luta da classe trabalhadora: por independência de classe e organização pela base!

Os setores políticos progressistas dizem que a democracia está em risco com essa disputa política, mas são os valores e conquistas históricas da luta popular classista construída pela força das/os de baixo que estão realmente em risco, e não é de hoje! Os movimentos sociais não podem mais ficar esperando e acreditando que vão conseguir pautar ou disputar o governo. Esse governo (muito menos outros) não está em disputa, como prova o final da última eleição, quando muitos trabalhadores apoiaram “criticamente” o PT e este simplesmente executou grande parte da agenda neoliberal do adversário derrotado, o tucano Aécio Neves.

A esquerda em geral, os movimentos sociais e sindicatos não podem se deixar mais cooptar pelo PT no governo nem pelo governismo. Assim como foi com Lula e com a reeleição de Dilma, não podemos deixar se repetir mais uma situação ridícula de mobilização da esquerda em apoio ao PT, seguida de mais recuo nas pautas sociais por parte do governo. Foi justamente isso que ocorreu com a reeleição de Dilma e é eminente que se repita com esse processo de impeachment. Acontecendo ou não o impeachment da presidenta, o que vale para eles nesse jogo político é construir uma base de apoio ao governo e um amplo consenso para manter a dominação de classe no próximo período. O central da pauta conservadora já está estabelecido, agora a disputa é entre quem se candidata a executá-la nos próximos anos.

O nosso entendimento é de que a esquerda e os movimentos sociais devem romper com essa lógica suicida do governismo, se não querem ir para o fundo do poço junto com o PT. Não se pode ser revolucionário e crítico e, ao mesmo tempo, manter apoio incondicional a um governo que permite e é cúmplice da lei antiterrorismo. Um governo que é cúmplice dos avanços das políticas conservadoras contra mulheres, LGBTTs e o genocídio do povo negro e dos povos originários e aumenta a criminalização dos pobres; que nomeia uma ministra ruralista para dar mais poder ao agronegócio e piora ainda mais a situação de sem-terras e camponeses. Um governo em que indígenas, ribeirinhos, catadores de caranguejo, quebradeiras de coco babaçu, pescadores e pescadoras artesanais são cada vez mais violentados e perdem seus territórios para os ruralistas que têm bancada no congresso; que assume uma política neoliberal com um verniz progressista sacrificando os pobres para satisfazer os interesses dos investidores e do FMI.

Já passou a hora dos movimentos sociais irem para as ruas sim, não para defender este governo, que é totalmente indefensável, mas para fazer frente ao avanço dos setores conservadores e de direita e também contra as políticas de direita do governo.

O governismo também é nosso inimigo, pois atua dentro dos movimentos barrando a revolta popular. Muitas das recentes experiências de luta, como as ocupações de escolas em São Paulo, mostram que as práticas governistas e burocráticas são incapazes de pautar o significado e a direção das lutas quando há métodos de empoderamento popular desde a base, dotados de princípios organizativos como a ação direta e a autonomia. Mas o governo ainda tem seus aliados e muitas direções de movimentos se deixaram cooptar. É preciso romper com a subordinação da luta de massas e a suspensão de bandeiras de luta ao calendário eleitoral, aos conchavos do Estado e às disputas internas dos políticos profissionais.

Essa polarização, impeachment ou o governismo aferrado, sustentada pelos petistas, burocracias sindicais e certas direções de movimentos sociais não são alternativas para a luta contra o ajuste que golpeia a vida da classe oprimida. Os consertos e os arranjos oligárquicos que vêm de cima, o sistema corrupto e criminal que faz estelionato eleitoral com a democracia burguesa, não produzem mudança real. A democracia que tem de ser peleada nessa hora é a democracia de base e tem de ser a afirmação da independência de classe em relação aos sistemas de representação burguesa. Assembleias nas escolas ocupadas, nos locais de trabalho onde a patronal corta direitos, salários e ameaça demitir. Assembleias nas comunidades da periferia que é perseguida pela violência policial e privada de serviços públicos, luta nos territórios de resistência indígena, quilombola e camponês, extensão e radicalização de uma participação decisiva que não aceita intermediação burocrática e faz exercícios de poder popular.

Só um povo forte e organizado pode exigir seus direitos e mudanças nessa política, que não é apenas do Levy, da Kátia Abreu ou do Congresso Nacional, mas sim da lógica perversa e opressora do capitalismo e do Estado, a qual o PT soube se adaptar e barganhar muito bem desde a “Carta ao Povo Brasileiro”. E isso não aconteceu por acaso, foram décadas de uma prática burocrática de setores da esquerda, que abandonaram o trabalho de base e que agora cobram seu preço. Treze anos de acomodações de muitos movimentos sociais se deixando cooptar pelo governo PT agora cobram seu preço. O imaginário popular da esquerda foi abalado e as práticas do PT no governo têm grande parcela de culpa nesse processo. O avanço conservador é a derrota do discurso de que este governo é um projeto “democrático-popular”, quando na verdade é o avanço de um governo que caminha cada vez mais e abertamente para a aplicação do projeto neoliberal.

Lutar com as/os de baixo, pela construção de um Povo Forte e Organizado que deve caminhar pela via da Independência de Classe ao Poder Popular

O jogo está posto e quem tem perdido com essa disputa entre elites, somos nós: pobres, trabalhadores, negras/os, quilombolas, moradoras/es das favelas e periferias, indígenas, mulheres, LGBTTs, campesinas/os e povos originários – nós, as/os de baixo. É mais que necessário e urgente a nossa organização contra o verdadeiro golpe que tem sido aplicado pelos de cima (os opressores), na retirada de direitos conquistados e na precarização dos nossos direitos básicos: saúde, educação, moradia e transporte etc.

Defendemos a retomada dos valores classistas e práticas históricas de luta da classe trabalhadora. Com ação direta, federalismo e democracia direta na construção e condução das lutas. Fortalecendo organismos populares de base, desburocratizados e organizados em espaços e movimentos sociais, com autonomia e unidos pela solidariedade de classe e apoio mútuo. Só podemos construir o Poder Popular com o protagonismo desde as bases e radicalizando a democracia em todas as esferas. Lutando com as/os de baixo nos processos cotidianos, como único caminho para construção do Poder Popular e de um sujeito de transformação social com vias a um novo mundo, Socialista e Libertário.

 

Coordenação Anarquista Brasileira
08 de dezembro de 2015

 

Texto publicado no site da Coordenação Anarquista Brasileira: http://anarquismo.noblogs.org/?p=375

dez 082015
 

Luta e Organização na Ocupação das Escolas em São Paulo

Em resposta ao projeto de “reorganização escolar” do governo do estado de São Paulo, que previa, dentre outras medidas, o fechamento de 94 escolas, teve início um processo de luta e organização dos estudantes com a ocupação de escolas. Começando entre 9 e 10 de novembro com a Escola Estadual Diadema (Diadema – SP) e a Escola Estadual Fernão Dias Paes (São Paulo – SP), o processo teve continuidade com uma sequência de mobilização e novas ocupações, que envolveu mais de 220 escolas em menos de 20 dias e se alastrou na capital e em outras cidades do estado. Depois de uma série de ações de rua, que contou com marchas e trancamentos de vias públicas, e sofrendo enorme repressão por parte do governo, houve, enfim, um recuo por parte do inimigo.

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O projeto de “reorganização escolar” e as ocupações de escolas

No Brasil, o sucateamento da educação pública não é novidade. Inclusive, há significativa contribuição da esfera federal para tanto, contrariando o mito da “pátria educadora” do governo Dilma Rousseff (PT). Essa precarização se estende pelo país, marcando estados e municípios, independente das siglas no poder.

O estado de São Paulo foi escolhido como base para uma experiência “reorganizativa”, proposta pelo governo Geraldo Alckmin (PSDB), e que deve depois ser estendida para outros estados. A proposta de reorganização tem como eixo central a divisão das escolas por ciclos: Fundamental I, Fundamental II e Médio. O fechamento das escolas é uma das consequências imediatas desta proposta.

Se realizada, a reorganização escolar terá grande impacto na vida de muitas pessoas (por exemplo, o governo fala na transferência de 340 mil alunos) e, mesmo assim, até o momento não foi discutida com alunos, pais, professores, funcionários e comunidade.

Os envolvidos sofrerão gravemente, especialmente com os problemas de logística e vínculos. Os alunos terão que se deslocar ainda mais; os custos com o transporte escolar deverão aumentar; irmãos, parentes e vizinhos que vão juntos à escola (pais levando filhos, mais velhos levando mais novos) terão suas idas e voltas complicadas; laços afetivos entre a comunidade escolar serão quebrados.

Outras consequências, que contribuirão com o aumento do sucateamento da educação, são: diminuição no investimento neste setor, continuidade dos baixos salários e das condições precárias de trabalho e de estudo, incentivo ao modelo empresarial de gestão, salas de aula mais cheias, demissões de trabalhadores temporários e terceirizados (em razão da redução de aulas atribuídas e do menor número de escolas), maior probabilidade de privatização e terceirização (por meio de parcerias público-privadas e outros meios), menos e mais precários cursos noturnos e de Educação de Jovens e Adultos.

Como se isso não bastasse, o projeto da reorganização, conseguido pelo jornal Estado de São Paulo com base na lei de acesso à informação, visto que ele não era público, vem sendo altamente criticado por especialistas, não apenas pelos motivos colocados, mas inclusive pelo que diz respeito a seus aspectos técnicos.

As mais de 200 ocupações são protagonizadas, principalmente, por estudantes do Ensino Médio, que têm de 15 a 18 anos. Eram, inicialmente, estudantes das escolas que seriam fechadas, e se somaram a outros ao longo da mobilização. Ganhando muito apoio ao longo das últimas semanas e contando com o envolvimento de diferentes pessoas e organismos para além dos secundaristas e mesmo do universo escolar, as ocupações evidenciam uma heroica resistência dos estudantes ao projeto de reorganização do governo. Num cenário que não era comum pelo menos desde a ditadura, os secundaristas são protagonistas no movimento estudantil.

As ocupações são realizadas, em geral, a partir da articulação de estudantes, com apoio de professores, funcionários etc., e da tomada do espaço de ensino. Com os portões sendo trancados pelos ocupantes, as escolas se transformam imediatamente em espaços democráticos de luta. Em praticamente todas as ocupações, as decisões são tomadas em assembleias com a participação daqueles diretamente envolvidos. A hierarquia e a subserviência, características do ambiente da escola formal, são postas de lado. Tanto para a articulação da ocupação quanto para a difusão de informações, as redes sociais e os dispositivos tecnológicos são bastante usados.

Os estudantes permanecem nas escolas em acampamentos improvisados, cuidando de sua manutenção (serviços de limpeza, segurança etc.) e também de seu dia-a-dia, que inclui uma rotina bastante ativa com inúmeras atividades. Além de aulas e discussões sobre temas mais vinculados ao universo da educação formal, têm acontecido debates, exposições, atividades físicas, de lazer entre outras. Como alguns poucos exemplos da rica diversidade desta movimentada rotina, podemos citar: debates sobre a Revolta dos Pinguins chilena e a Revolução Curda que atualmente ocorre em Rojava; aulas públicas sobre a educação no Brasil e em São Paulo; formações sobre a questão de gênero e o feminismo; debates sobre formas alternativas de educação; oficinas de mídia alternativa; conversas com movimentos populares; aulas de circo, de dança, de teatro e jogos coletivos. Fora dos portões das escolas, outras ações têm sido encampadas, marcadamente as marchas pela cidade e o trancamento de ruas e avenidas.

 

Ocupando e resistindo desde a base!

A partir de Junho de 2013, observamos uma mudança rápida na cultura política de São Paulo, que tornou a entender que política para a transformação não se faz nas urnas, mas nas ruas. Os saldos daquela experiência estão muito presentes no atual cenário político e vão desde o fortalecimento de setores conservadores até o surgimento e o fortalecimento de movimentos autônomos.

Por um lado, Junho significou um avanço da direita, que deu as caras com mais virulência e, percebendo que não estava em baixo número, começou a radicalizar em discurso e prática. Por outro lado, entendemos que também houve progressos importantes para a luta popular. Podemos observar isso na radicalização das lutas mais recentes, como a greve dos garis no carnaval do Rio de Janeiro, a greve dos metroviários nas vésperas da Copa e, em 2015, a greve de 92 dias das professoras e professores do estado de São Paulo.

Usufruindo de aspectos relevantes do modo de operar do Movimento Passe Livre (MPL), agente central das mobilizações de Junho, jovens ocupantes têm priorizado a ação direta combativa e sustentado um processo organizativo pautado na autonomia em relação aos partidos e ao governo, assim como na forma horizontal para as tomadas de decisão.

A influência deste modelo de luta tem explicação, seja pela presença de militantes que o defendem nas ocupações, pelo trabalho de base que tem sido realizado nos últimos anos, ou mesmo pela exaustiva (ainda que muitas vezes distorcida) difusão dos princípios do MPL no contexto de Junho de 2013. Muitos dos jovens agora mobilizados se envolveram e criaram referências na luta durante os atos contra o aumento da tarifa.

A luta das ocupações tem sido inspiradora e reconfortante para todas as pessoas que desejam uma sociedade mais igualitária e libertária. A maneira como ela vem acontecendo é exemplar. Por meio de sua própria experiência, as ocupações de escolas fazem uma crítica tanto à direita conservadora quanto à esquerda burocrática e governista. E mesmo sofrendo os efeitos da guerra promovida pelo governo, com repressão e criminalização, assim como as consequências da manipulação midiática, os estudantes mostram que existe um caminho.

Se este caminho encontra na ação direta e na autonomia alguns de seus princípios organizativos, ele constitui, ao mesmo tempo, um marco que, nos termos dos zapatistas, se encontra abaixo e à esquerda. Ou seja, ele envolve um projeto de classe, dos oprimidos, que tem como horizonte a diminuição da desigualdade para os de baixo.

Entretanto, esse caminho não é aquele que a quase totalidade da esquerda tem adotado desde os anos 1980 — o das eleições, das burocracias sindicais, estudantis e, mais recentemente, do apoio ao governo. Estamos falando de um caminho de auto-organização das classes oprimidas, de protagonismo da base nas lutas, de ação direta combativa, de processos decisórios compartilhados.

Nessa estrada da luta e da organização, as ocupações de São Paulo acabaram de conquistar um recuo por parte do governo Alckmin, que anunciou que suspenderá a reorganização e discutirá com as escolas a melhor maneira de proceder. É a vitória de uma batalha no contexto de uma guerra mais ampla. Parece improvável que esse recuo seja realmente o início do engavetamento do projeto de reorganização e a vitória definitiva do movimento. Ele pode muito bem ser apenas uma estratégia do governo para desmobilizar o movimento e ganhar tempo, avançando no projeto reorganizativo mais adiante.

De qualquer maneira, entendemos que este recuo deve ser comemorado pelo movimento como uma vitória, ainda que parcial, assim como o afastamento do secretário de educação do estado Herman Voorwald, que se destacou no último período pela sua hostilidade à educação pública e aos trabalhadores em educação.

Devemos entender que não somente a vitória contra a reorganização não está garantida, mas que a luta pela educação é mais ampla e, por isso, a luta e a organização precisam continuar. As ocupações geraram faíscas que acenderam um imenso fogo de resistência em São Paulo. Agora é não deixar esse fogo apagar e tentar aumentar o incêndio. Continuar lutando e organizando, enfrentando a repressão, a difamação e impor aos inimigos outras derrotas. Que o atual movimento das ocupações e todos envolvidos possam se somar a outros setores num projeto transformador de maior envergadura! Que possam contribuir diretamente com um amplo projeto de poder popular!

Prestamos aqui todo o nosso apoio às ocupações de escolas. Pretendemos dar continuidade, ombro a ombro, aos nossos trabalhos de luta e organização, assim como à nossa constante disposição para contribuir!

Damos também nosso completo apoio à pauta unificada que foi apresentada pelo Comando das Escolas Ocupadas, em especial: o cancelamento da reorganização; nenhum fechamento de escola, sala ou ciclo; um cronograma de discussões públicas para debater de forma clara e verdadeira o sistema de ensino; punição dos policiais que reprimiram os manifestantes; nenhuma punição ou criminalização ao pais, alunos, funcionários, professores e apoiadores da luta.

Aderimos ao ato convocado pelo Comando para a próxima 4a feira, 9 de dezembro, no vão do MASP às 17h! E aproveitamos para convidar toda a companheirada para participar!

 

Solidariedade irrestrita às ocupações!

Lutar, criar, poder popular!

Arriba l@s que luchan!

 

OASL/CAB

04/12/2015

 

Texto retirado do site da OASL no link: http://anarquismosp.org/2015/12/04/luta-e-organizacao-na-ocupacao-das-escolas-em-sao-paulo/

nov 292015
 

Boletim da Organização Resistência Libertária (ORL/CAB) | Novembro de 2015 | Fortaleza – Ceará


Contra o extermínio de Negras e Negros da Periferia e de toda População Pobre!

Não tem escolar, não tem lazer,
Só crack, arma, polícia pra te corromper,
O sistema é maquiavélico, estratégico, não erra,
arma todo esse cenário de guerra

Leandro Mc/FOME

Lutamos cotidianamente contra as estatísticas da morte de nosso povo, negro e pobre. E essas estatísticas trazem resultados alarmantes. Um desses resultados nos diz que um jovem negro no Brasil tem três vezes mais chance de ser assassinado do que um branco, sendo que 77% das vítimas de assassinatos são negros. A polícia brasileira é a que mais mata no planeta e os números apontam que seu principal alvo tem: cor/raça e classe social.

Para a maior parte da população, e principalmente para os programas policialescos e as forças repressoras do Estado, “bandido bom é bandido morto”. Mas, na realidade tal pena de morte só é aplicada a população negra e pobre, o que resulta num verdadeiro holocausto na periferia.

A polícia civil e militar, um dos braços armados do Estado, é uma instituição que tem forma, poder e uma articulação intrínseca com as estruturas da nossa sociedade (que é dividida em classes). Sua forma é hierárquica, sendo pautada cotidianamente pela repressão violenta, visando defender o Estado, o Capital, a supremacia branca e o patriarcado.

O Estado tem o monopólio da repressão através das forças armadas, mas também devemos considerar as relações de poder entre as forças armadas/militar e o Estado (expressão político-institucional), em um determinado momento. A esfera política/jurídica/militar traz um mar de relações corruptas e uma série de violências brutais para o nosso povo, negro e pobre.

Os Estados programam formas que possam encarcerar a população negra, pobre e lutadora. O controle social é um mecanismo utilizado pelo Estado que visa, exclusivamente, punir quem não ler na sua cartilha, quem não concorda com o seu “circo”. Manifestações radicalizadas que possam surgir contra o ajuste fiscal, direitos das mulheres e redução da maioridade penal estão seriamente ameaçadas. São exemplos de controle social: a Lei Antiterrorismo (de autoria do Poder Executivo, o projeto de lei segue como PL 2016/2015 na Câmara e PL 499/2013 no Senado), surge para tentar calar os setores mais combativos e revolucionários. O texto “antiterror” diz: “incendiar, depredar, saquear, destruir ou explodir meios de transporte ou qualquer bem público ou privado”. Para se ter apenas um exemplo, o “incêndio” foi o mecanismo utilizado pela comunidade do São Miguel horas depois da chacina da Messejana na entrada do bairro, essa foi à arma que os populares tinham para chamar a atenção da sociedade sobre o caso. A defesa da propriedade privada e da ordem burguesa é clara na lei, de maneira que nada possa ameaçar este esquizofrênico sistema desigual, opressor e racista. A redução da maioridade penal também é um exemplo de controle social que tem no encarceramento a solução para um Estado cada vez mais militarizado.

A origem da polícia remonta ao período escravocrata tendo a função de capturar e matar negras e negros que foram escravizadas/os, defender a propriedade privada e o abominável sistema escravista, negando dessa forma, heranças culturais, corporeidade, sexualidade e um mundo afro.  Desde a invasão portuguesa “O estupro, o linchamento e o genocídio dos povos originais e do povo negro são elementos estruturantes da nossa realidade histórica.” (1)

Quantas Anastácias não foram capturadas e silenciadas com uma máscara de ferro, tendo sua ancestralidade negada e sua vida ceifada pelos horrores da exploração? Quantas Claúdias não foram arrastadas e mortas? De lá pra cá nunca existiu polícia cidadã ou polícia amiga, o que vemos é uma articulação repressora e exterminadora da polícia – civil e militar. Precisamos mudar radicalmente a sociedade e não fazer uso das ferramentas do opressor, pois “as ferramentas do mestre nunca vão desmantelar a casa-grande” (Audre Lorde).

Não podemos reformar a polícia nesta sociedade que é capitalista, racista e patriarcal. Se há um grupo de policiais que verdadeiramente é contra o tripé repressor de nossa sociedade eles devem sair da polícia, pois lá são e continuarão sendo cúmplices do extermínio do nosso povo.

O mesmo se aplica ao processo eleitoral, pois nenhuma eleição irá barrar o extermínio de negras e negros da periferia e de toda população pobre. A eleição como farsa, sempre teve o papel de eleger fantoches e supostos representantes. Obama nos Estados Unidos é só mais um exemplo de como esse processo é fraudulento e racista, pois a justiça, o governo Obama e as forças repressivas norte americana continuam encarcerando a população negra, condenando a prisão perpétua e levando milhares negras/os e latinas/os para o corredor da morte. O ex-pantera negra Mumia-Abu Jamal é só mais um exemplo.

A ditadura civil-militar teve seu fim na década de 1980? Há um regime ditatorial e autoritário vigente, a ditadura não cessou para a periferia e todas as classes populares. As práticas repressivas continuam e o extermínio não dá sinais de parar para periferia. Os anos de 1990 deram continuidade ao derramamento de sangue no chão. Só para citar dois exemplos, as forças do Estado estiveram envolvidas no massacre do Carandiru (1992) e da chacina da Candelária (1993). O projeto de Estado brasileiro sempre foi genocida e racista, vivemos na democracia da morte para o povo negro e pobre, em que o encarceramento e a pena de morte nos são oferecida pelo Estado.

A crescente militarização da sociedade é uma realidade. São mais UPPs, expansão massiva do Raio (Rondas de Ações Intensivas e Ostensivas), supostas armas “não letais” para o conjunto da guarda municipal e gestão militar nas escolas, como é o caso de Goiás, em que o governador Marconi Perillo (PSDB) propôs em meados deste ano um projeto de militarização de algumas escolas, trazendo mudanças na estrutura organizativa da escola, implementando o código disciplinar militar e criando algumas taxas. (2)

Racismo institucional, chacina e sequestros já fazem parte de nosso cotidiano. Forjamento de flagrantes em homens e mulheres da periferia já é prática corriqueira. Tudo que difere do padrão vigente, que é excludente e preconceituoso, em termos de raça, classe, sexualidade, comportamento e idade, já são estigmatizados e considerados indesejados.

Quando não nos matam cotidianamente com vários tiros de diversos calibres, nos matam com a ausência dos serviços básicos sociais, nos matam com a humilhação diária e com a precarização de tudo que é considerado “público”. Portanto perguntamos: “Cadê o que tu prometeu pra minha favela, pra minha periferia não vejo nada nela” (Mc Frank/FOME). O Estado aprofunda a segregação, faz uso do racismo institucional para humilhar os jovens da periferia. A polícia vem realizando uma espécie de blitz nas vias de acesso aos bairros periféricos, em que os “suspeitos”, de maioria negra, são obrigados a descer do ônibus. O assédio policial humilha, criminaliza e estigmatiza a população periférica negra e pobre.

A ordem para o controle social é abater. Na chacina da Messejana (São Miguel, Lagoa Redonda e Curió), no último dia 11 de novembro, onze periféricos foram mortos, são eles: Patrício, 16; Allison, Jardel, Marcelo s. Mendes, Alef, Marcelo S. Pereira, Erick, todos tinham 17; Pedro, 18; Jandson, 19; Elenildo, 41; Valmir, 37. Todo o grupo de extermínio que praticou a ação estava encapuzado, os mesmos arrombaram portas, arrastaram as vítimas para fora de casa e executaram. Nenhuma das vitimas tinham passagem pelo polícia pelos ditos crimes graves. Sete outras vítimas foram lesionadas a bala e/ou lesão corporal no momento da chacina. Um dos projetos de controle social, do programa “Crack é possível vencer” (uma unidade fixa), a UPP de Fortaleza, situada no São Miguel, um dos locais da chacina, não viu nenhuma movimentação mesmo com todas as suas câmeras de segurança.

Outras chacinas também ocorreram nos últimos meses em outros Estados. Em Salvador, por exemplo, no dia 6 de fevereiro, 16 foram mortos na chacina do Cabula. A dita “segurança pública” da gestão de Rui Costa, do PT, executou sumariamente a juventude negra e pobre. Perseguir, capturar e executar sempre fez parte do código da polícia, seja ela civil ou militar.

A perseguição aos indígenas, quilombolas e periféricos, negras/os e pobres continua. No Ceará, diversas comunidades indígenas sofrem com o assédio policial nas áreas de retomadas. Os quilombolas do Cumbe, Aracati, foram despejados/as violentamente em agosto de 2013 pela PM/Cotar de uma área ocupada por eles/as para fins de recuperação ambiental, em um local que antes era um viveiro de camarão.

As mulheres negras também são as que mais sofrem. Números indicam que houve um aumento de 54% em termos de homicídios (mapa da violência, 2013) praticados contra a mulher negra, enquanto em relação a mulher branca houve uma queda de 9,8%. Outro gravíssimo problema é na unidade prisional feminina da região metropolitana de Fortaleza, Auri Moura Costa, o presídio hoje amontoa cerca de 700 mulheres e nos últimos cinco meses já foram registrados duas mortes (Ana Claúdia e Joelma de Souza).

O defasado sistema socioeducativo também abriga em sua maior parcela adolescentes negras e negros e pobres. Depois de um 2015 de muitas manifestações por parte dos jovens, por conta da superlotação, maus tratos e péssimas condições sanitárias, o pior ocorreu. O adolescente Márcio, 17, foi morto pelo BCPM no momento de uma manifestação no Centro “Socioeducativo” São Miguel e no C. “Socioeducativo” São Francisco, no dia 6 de novembro. O caso provavelmente será registrado como auto de resistência, ou seja, resistência (do policial) seguida de morte. É uma forma de legalizar e legitimar a violência cometida pelas forças policiais, e sendo assim, quando registrado como auto de resistência, os homicídios realizados pelo braço armado do Estado acabam não sendo investigados. Algumas semanas depois da morte de Márcio, vários instrutores foram presos por conta de uma surra generalizada em um dos centros.

E os abusos continuam! O sequestro também faz parte do cardápio das forças policiais.  Foi o que ocorreu com o frentista João Paulo, 20, que não possui passagem pela polícia. Visto pela última vez no dia 30 de setembro na Av. Cônego de Castro, no Parque Santa Rosa, o mesmo aparece no referido dia em imagens de uma câmera de segurança sendo abordado por uma patrulha militar e sendo conduzido para um veículo de passeio. O grupo de sequestro e extorsão foi “preso” e é formado por três policiais da Força Tática de Apoio (FTA)/BPM de Maracanaú e um sargento da reserva da PM. João Paulo até agora não apareceu!

Nosso chão sagrado foi manchado de sangue e a luta cotidiana cobrará o extermínio da população negra e pobre

O que deve ser exterminado é o preconceito racial dentro de nós, o discurso racista da extrema- direita e até de alguns setores da esquerda. Tanto direita como parte da esquerda defendem um projeto político hegemônico branco/eurocêntrico. Alguns setores afirmam que não há o racismo e outros enxergam como uma questão secundária. Para nós, da Organização Resistência Libertária [ORL-CAB], o debate e prática da luta antirracista não é secundário. Acreditamos que devemos descolonizar a consciência e deixar a briga pelo poder centralizado do Estado de lado. Muitos setores não querem discutir privilégios e acreditam que estão fazendo seu papel ao buscarem colocar algum representante nas cadeiras do legislativo ou em alguma secretaria sobre a questão racial. O Estado enquanto instrumento político tem suas bases cimentadas no capitalismo, no patriarcalismo, no racismo, na heteronormatividade e outras mil e uma opressões.

A reforma será sempre parcial, nunca devendo mexer nem um milímetro nas bases do Estado. A luta antiautoritária negra (3) deve partir de baixo para cima, a partir de nossas experiências, vivências e práticas comunitárias em torno da igualdade entre os iguais e não de estruturas hierarquizadas, como o Estado, partidos e as relações econômicas.

Acreditamos na autoidentificação racial e entendemos que o reconhecimento enquanto negra e negro deve ser o combustível para o fortalecimento da luta específica, independente, autônoma e coletiva com os outros setores. Se nós não nos reconhecemos, o Estado, Polícia e todos os opressores nos reconhecem e nos discriminam. Não podemos aceitar essa máscara de ferro sutil e violenta, não devemos nos silenciar! O projeto capitalista, racista e machista nos retira tudo e sua consequência é sermos exterminadas/os, capturadas/os e levadas/os para os presídios, sistema “socioeducativos”, tráfico, exploração infantil e o turismo sexual. Qual a diferença entre a relação do senhor de engenho com as negras e os negros do período escravocrata com os dias de hoje?

Nós, negras e negros, temos muito a dizer sobre tudo e em todos os espaços, e não só sobre a questão negra, afrodescendente. É necessária a equidade racial em todos os lugares, mas sabemos dessa dificuldade, pois vivemos sob um projeto de limpeza social racista que nos quer ver mortas/os, trancafiadas/os e servindo de mercadoria sexual para o bel prazer do senhor. A real mudança desse quadro racista passa por nossas comunidades, nossos quilombos periféricos, seja na cidade ou no campo. Devemos refletir nossos problemas e pensar a partir de nossas possibilidades, não nos cabe fechar nossas consciências apenas as teorias eurocêntricas, sobretudo aquelas que pesam o histórico de dominação.

A luta antiautoritária negra não terá intermediação burocrática, já está se organizando na periferia e combaterá qualquer forma de subserviência. Nenhum partido nos forçará dar um passo atrás, a luta antirracista diz e dirá: Nenhum passo atrás! Reaja ou será mortx! (Campanha Reaja ou Será Mortx). Podemos até está no mesmo barco, mas nosso povo NEGRO continua sofrendo com o preconceito, discriminação e o racismo, mas estamos saindo dos porões dos navios negreiros para destruir os senhores que estão na parte superior dos vários “La Amistad”. (4)

Nós da Organização Resistência Libertária reafirmamos nosso compromisso com xs de baixo e o nosso repudio a todas as formas de opressões. Por isso dizemos não a redução da maioridade penal e não ao extermínio da juventude negra e pobre. Lutaremos para impedir que a marcha fúnebre prossiga!

 

Nosso sangue é NEGRO e VERMELHO e nosso corpo é sinônimo de Resistência!

Zumbi e Dandara somos nós!!!

(1) Coletivo Editorial Sunguilar. Anarquismo e Revolução Negra, 2015.

(2) Passa Palavra, Goiás: comunidade se mobiliza contra militarização de escola

(3) Lorenzo Kom ‘Boa Ervin. Falando de Racismo e libertação Negra

(4) Navio negreiro tomado por negros e negras no século XIX, no Oceano Atlântico