nov 262020
 

“As chamadas leis […] não valem o papel em que estão escritas”,
Lucia Gonzales Parsons

Ilustrações retiradas da HQ “Luto” de Bruno Florêncio e Gabriela Pimentel


Entramos na etapa no segundo turno nas eleições municipais em algumas capitais brasileiras, inclusive Fortaleza. A primeira etapa demonstrou uma caída importante na capacidade da extrema direita comandada por Bolsonaro em gerar vitórias nas urnas, e reativa em setores da esquerda eleitoral a confiança nas instituições da democracia burguesa.


Entendemos perfeitamente a animação de diversos adversários de militantes de outras correntes da esquerda e de companheiros e companheiras que constroem movimentos, e mesmo que não depositemos confiança nem votos nas urnas, também nos parece positivo que parte considerável do povo já não esteja mais tão seduzida pelas mentiras da extrema-direita.


Porém, é necessário dizer: não acreditamos que o processo de desestabilização do país que envolveu um golpe de estado amparado em um malabarismo jurídico que gerou um Estado de maior elasticidade em suas leis para que as classes dominantes possam ter ataques ainda mais duros contra o povo sem empecilhos legais ou constitucionais; o assassinato político de Mariele Franco que também vitimou Douglas; e uma eleição presidencial que se construiu em cima de mentiras e na censura ao antifascismo se resolvam num evento previsto na agenda do Estado.

A confiança que as instituições funcionariam dentro da sua legalidade e a aventura da conciliação de classes levada a cabo pela ex-esquerda foi o que nos trouxe até aqui em primeiro lugar.


O PSOL nacionalmente se mostrou como o atual notável partido da esquerda de maior relevância e foi provavelmente o partido que mais cresceu levando inéditas prefeituras do interior de diversos Estados, incluindo na cidade de Potengi aqui no Ceará da mesma forma que aumentou sua presença nas câmaras brasileiras em 50%.


O PSOL, como o PT, é uma reunião de correntes que disputam entre si a hegemonia do partido. Sabemos que seus quadros se comportam de maneiras diferentes dependendo da corrente em que se encontram. Também sabemos pelo aprendizado histórico que o parlamento é uma máquina de moer princípios e convicções ideológicas. Cabe ver se o PSOL trilhará o fracassado caminho do PT na disposição de construir amplas alianças com o que há de mais retrogrado no país: a profunda exploração econômica, o genocídio negro e indígena levado a cabo pela máquina oligárquica, empresarial e militar que se encontra no parlamento e que sabemos não respeita as leis e o jogo eleitoral.


Por outro lado, a extrema direita Bolsonarista – que pode vir a trocar de liderança – ainda que tenha perdido espaço nas urnas em nível nacional não é um ator que pode passar a ser ignorado, pois conseguiu a formação de um núcleo duro de militantes que demonstrou disposição, disciplina e lealdade canina.


Essa direita nojenta fez experiências de ginástica golpista com motins policiais com claras ligações com o Bolsonarismo em diversos estados governados pela oposição, incluindo o Ceará, e ainda é apoiada por um núcleo de generais incluindo o criminoso de guerra Augusto Heleno responsável pelo massacre de Cite de Soleil no Haiti, por grupos de extermínio por todo brasil e no RJ em particular, um inicio de demonstrações armadas de apoiadores civis e por grupos neopentecostais fanatizados, que dentre outras coisas realizam atentados terroristas em terreiros e demonstraram apoio ao atentado integralista contra a produtora do grupo Porta dos Fundos.


No segundo turno de Fortaleza está o candidato de Bolsonaro que apoiou sucessivos motins policiais desde 2014, inclusive o motim no inicio deste ano, e fez campanha publicamente pela anistia dos policiais assassinos condenados pela Chacina da Grande Messejana em 2015.

Na capital de nosso Estado, o candidato de Bolsonaro enfrenta Sarto – o candidato
dos Ferreira Gomes. Este assume a tradição coronelista dos seus padrinhos políticos. Sarto foi vice-presidente da ALCE em 2011, ano em que os professores e professoras da rede estadual entraram em greve e foram duramente reprimidos/as ao ocupar a assembleia legislativa. Sarto também foi líder na ALCE do governo Cid Gomes nos anos de 2013 e 2014, período em que construíamos desde 2010 a luta popular contra as remoções da Copa por projetos do governo do estado que beneficiariam a especulação imobiliária jogando para fora da cidade o povo pobre.

Também nesse período de luta estivemos com milhares de outras pessoas em manifestações das copas das confederações e do mundo e fomos violentamente reprimidos com força policial preparada para uma guerra civil. Não temos memória curta e nem expectativa com eleições.

Reconstruir o tecido social através dos movimentos populares seja no bairro, no trabalho ou nos locais de estudo, é uma tarefa longa e difícil que não exige apenas fazer campanhas de dois em dois anos. A burocratização de parte importante desses movimentos durante os governos petistas e a repressão imposta nos governos de todos os partidos nas esferas municipais, estaduais e federal assim como uma falta de maturidade da esquerda não-parlamentar deixou em frangalhos a capacidade de resistência dos debaixo a qualquer ataque. No máximo respondendo com revoltas momentâneas que pela falta de organização de base não conseguem ter um horizonte palpável ou se traduzirem em um trabalho contínuo, para nós. Ainda que a mais difícil, esta é principal tarefa.


Pela nossa convicção ideológica anarquista e coerência estratégica, não participamos do processo eleitoral. Nós, anarquistas, votamos nas lutas do nosso povo. Votamos na periferia organizada, nos territórios de povos tradicionais ocupados, nos sindicatos e locais de estudo em luta.

Aos companheiros e companheiras que decidiram votar: que as urnas não substituam as lutas

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