dez 262022
 

A Organização Resistência Libertária foi fundada em dezembro de 2008 a partir das experiências de lutas de anarquistas em solo cearense desde o final do século passado. Nosso manifesto de criação anunciava a esperança da construção de uma sociedade fundada em outras bases que não as atuais e, desde então, dia após dia nos dedicamos a enraizar essa semente anarquista através da organização política e da construção de movimentos sociais no Ceará.

Os nossos 14 anos de luta representam modestamente a nossa resistência contra toda opressão e domínio do capitalismo e do estado policial de ajuste, construindo desde baixo a resistência de um povo que conhece o rosto da fome e da luta. A Organização Resistência Libertária esteve, durante esses 14 anos, nos bairros e favelas da capital e cidades região norte do Ceará, nos territórios de povos tradicionais do semiárido à zona costeira, nas escolas e universidades precarizadas, nos sindicatos e nas organizações de trabalhadores(as) terceirizados(as) e desempregados(as), no cárcere, nos espaços autoorganizados de mulheres, povo preto e população lgbtqi+.

Completamos 14 anos diante de uma conjuntura avassaladora: o avanço do fascismo brasileiro que aliado ao neoliberalismo levou nosso povo a condições de vidas cada vez mais difíceis, depois de a pandemia ter aprofundado as desigualdades sociais que sempre existiram. Não temos dúvidas que esta etapa de luta ainda não acabou. Um governo de esquerda a nível nacional e estadual alicerçados em alianças de classes e na barganha de nossos direitos a portas fechadas não garantirão ao nosso povo vida digna.

Nos próximos anos o neodesenvolvimentismo do estado extrativista tentará leiloar nossas terras e águas para o grande capital estrangeiro através da mineração de urânio em territórios dos povos e comunidades tradicionais do semiárido e da implantação de eólicas dentro do mar dos povos da zona costeira. O governo eleito no Ceará dá seguimento ao governo anterior e sua política racista de repressão violenta e morte na periferia e no cárcere. A especulação nas cidades continuará expulsando comunidades, aldeamentos e quilombos para ceder espaço aos projetos de grandes imobiliárias. Por isso, reafirmamos nosso compromisso de permanecer em luta nas ruas e nos nossos locais de moradia, estudo e trabalho com independência de classe para construir movimentos fortes. 

Nesse momento de celebração reafirmamos nosso compromisso com o anarquismo organizado e especifista construído pela Coordenação Anarquista Brasileira, da qual fazemos parte, e o seu compromisso com o federalismo especifista, em nossa opinião a própria engrenagem de um projeto anarquista para este país que o colonizador chamou de Brasil, atravessado pelas formações sociais, históricas e étnico-raciais dos diversos povos que aqui vivem.

Lutar, criar, poder popular!

Viva a Organização Resistência Libertária!

Viva a Coordenação Anarquista Brasileira!

out 122022
 

Um povo forte, é um povo organizado… O compromisso com a causa deve ser profundo, assim como o compromisso com a organização política que possui um projeto social de transformação, a organização anarquista que pretende organizar tudo distintamente, de modo que o coletivo não anule, mas potencialize o indivíduo. Vamos! Vamos! Porque esta causa merece tudo.

“El viejo” Juan Carlos é, para nós, uma das sementes mais importantes para a construção do anarquismo latino-americano; um militante de grandiosa importância para que tenhamos como memória de luta, organização e rebeldia, a persistência na longa peleja que nos aguarda pela frente. A construção dessas três décadas de organização política anarquista no Brasil tem nele uma das maiores influências.

Mechoso nasceu no ano de 1935, e seu enraizamento no anarquismo se deu cedo, ainda aos 14 anos de idade. Em 1956, participa da fundação da Federação Anarquista Uruguaia (fAu). “Foi militante comunitário no Ateneu do Cerro, dirigente sindical dos trabalhadores da indústria da carne e dos gráficos. Participou ativamente da Resisténcia Obrero Estudantil (ROE), um agrupamento de tendência que unia trabalhadores e estudantes em lutas e mobilizações de massas, e também da Organização Popular Revolucionária 33 Orientales (OPR-33), braço armado da FAU, que realizou ações como sequestros políticos e expropriações. Preso por doze anos, entre 1973 e 1985, foi brutalmente torturado pelas forças da ditadura militar e, com a abertura, foi um dos rearticuladores da FAU, ainda nos anos 1980. A partir dos anos 1990, contribuiu diretamente para a difusão do especifismo no Brasil e em outras localidades.” (Felipe Corrêa, A estratégia do especifismo)

Não há palavras suficientes para falarmos desse humilde, fraterno, ético, determinado e amoroso companheiro. Todos aqueles que tombaram – pela ação direta revolucionária, pelas mãos dos torturadores do Estado, pelo avançar da idade, que deram seu suor, sangue, lágrimas… vida… pela construção do Anarquismo Organizado… pela construção de um Povo Forte – seguirão em pé, através de nossas bandeiras, empunhadas ao alto, pois carregamos um mundo novo em nossos corações e não temos nenhum medo das ruínas que nos rodeiam… reconstruiremos um novo mundo, a cada instante em nossas lutas.

A Coordenação Anarquista Brasileira (CAB) sente imensamente a sua partida, querido companheiro! Enquanto exemplo do teu legado, a Organização e Luta do Anarquismo Organizado brasileiro seguirão com as bandeiras rubro-negras ao alto!

JUAN CARLOS MECHOSO, PRESENTE HOJE E SEMPRE!

Arriba lxs que luchan!

jun 282022
 

O mês de junho deflagra, em todo o globo, uma série de ações alusivas às lutas da comunidade de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Queers, Intersexo, Assexuais e outros agrupamentos políticos que organizam suas pautas de luta pela vida a partir da defesa de suas identidades de gênero e orientação sexual. A grande sigla, que representa tantas experiências e corpos políticos, resulta de um acúmulo de debates e embates gerados nos confrontos sociais de resistência desses e dessas protagonistas.

Internacionalmente, o dia 28 de Junho constitui um marco significativo para nossa comunidade, uma vez que relembra o episódio ocorrido no bar Stonewall Inn, no subúrbio da cidade de Nova Iorque, EUA, no ano de 1969. A comunidade LGBTQIA+, comunidade latina, negra e artistas como performers e drag queens que frequentavam o espaço – reduto de expressão de vida – enfrentaram a polícia em mais um confronto. Dessa vez, expulsaram a polícia nova-iorquina, avançando, nos dias seguintes, para aquilo que em um futuro breve se tornaria a consolidação do movimento LGBT em terras estadunidenses e a expansão das ocupações de ruas (consequentemente denominadas paradas).

Imagem com um arco-íris, um punho fechado erguido, e a frase "Comunidade LGBTQIA+ forte contra a política de fome e da morte!"

A partir de explosões políticas que ocorrem nos guetos de inúmeras cidades, as paradas, por sua vez, são articuladas e lideradas majoritariamente por pessoas não-brancas e de origem latino-americana. Basta observarmos o protagonismo de Marsha P. Johnson e Sylvia Rivera, mulheres transexuais oriundas das comunidades negra e latina e trabalhadoras pobres. A explosão política era marcada pela confluência de inúmeras outras opressões. A racialidade, o território e a classe eram combustão que também impulsionava as ações dessas mulheres.

Ao aproximar essas lutas do contexto brasileiro e latino-americano, encontramos inúmeros outros episódios de resistência que precisam ser reafirmados e relembrados pela nossa comunidade. Exemplos são as mobilizações do Grupo de Ação Lésbico-Feminista (GALF), nos anos 1980; os enfrentamentos do jornal Chana com Chana em São Paulo; a criação, em 1978, do Somos em São Paulo e da organização do Movimento Homossexual Brasileiro (MHB) e o jornal “Lampião da Esquina”, materiais e agrupamentos que lutaram assiduamente contra o regime ditatorial no país; o acolhimento às bichas pretas e nordestinas e os enfrentamentos organizados por Madame Satã, bicha preta pernambucana que montou uma rede de enfrentamento, defesa e trabalho na cidade do Rio de Janeiro, entre os anos 1950 e 1970; a criação do Grupo Gay da Bahia (GGB), no ano de 1980, que se configura como o espaço de atuação mais antigo, sem interrupções, da comunidade LGBT na América Latina, pautando as questões negras e como o movimento ainda se configurava como um espaço elitista e branco.

Esses pequenos resgates dos agrupamentos e episódios que forjam a nossa história precisam ser demarcados e relembrados constantemente, já que, com o decorrer dos anos, o movimento LGBTQIA+ vem passando por uma romantização e glamorização de suas pautas efetivas, perdendo o cerne de que são vidas sufocadas e pisoteadas pelo patriarcado, machismo, sexismo e capitalismo. No Brasil, por mais que houvesse uma aproximação do universo intelectual e acadêmico, as principais organizações e contextos históricos de mobilização da nossa comunidade também se deu com as e os de baixo na motriz da nossa história de luta e resistência. Além disso, diferentemente do contexto dos países do norte global, a evidência das nossas lutas ocorreu em um período abrupto e violento contra o povo, de perseguição direta à nossa comunidade. Durante a ditadura militar, ocorrida no Brasil entre os anos de 1964 e 1984, todas essas pessoas e agrupamentos citados serviam como refúgio e barricada para o nosso povo.

Hoje, nos deparamos com um esvaziamento político do porquê e por quem estamos em luta. Neste ano, por exemplo, a maior parada LGBTQIA+ do país define, em sua cúpula organizativa, que nada referente à política e à conjuntura do país deve ser mencionado nos trios. Algo vergonhoso, justamente, em um país que mata uma/um LGBTQIA+ a cada 29h, por sua orientação sexual ou identidade de gênero. Mortes provocadas pelo sistema que normativa a vigilância e perseguição a quem nós somos, baseados na cultura cruel e brutal da heteronormatividade como essência dentro dos aparatos do capital e da lógica de família nuclear monogâmica e heterossexual.

Por isso, compreendemos que as retomadas das lutas articuladas precisam ser sempre ditas e evidenciadas. As lutas, em suas singularidades de expressão, história e vida, só se tornam orgânicas quando são capazes de irem de encontro aos problemas e senhorios que nos assolam. Luta sem solidariedade entre pessoas oprimidas e que são incapazes de articular o cenário político e econômico se esvaziam porque se fragmentam e caem na individualidade da sobrevivência e não da construção de uma política e projeto de novo mundo que fortaleça todas e todos e não apenas alguns. Sem esse horizonte, o afastamento da nossa luta e do nosso reconhecimento como classe social oprimida só nos enfraquece, enquanto uma boiada sem porteiras pisoteia as nossas e os nossos da forma mais viril e repugnante possível.

Resgatar a ousadia de nossas manas é urgente! Despertar a rebelião entre as nossas monas e minas é justo. Contra a política da fome e da morte que bate em nossos calcanhares e portas todo dia, organizemos e apoiemos a nossa autodefesa, solidariedade, ombro a ombro com LGBTQIA+ do povo, pobres e pretas.

Avante por um 28 de Junho combativo!

Coordenação Anarquista Brasileira (CAB)
Junho de 2022

maio 262022
 

Em meio às experiências revolucionárias durante a Guerra Civil Espanhola, a CNT criou o Laboratório Confederal de Experiências (Laboratorio Confederal de Experimentaciones, em espanhol), iniciativa para promover a pesquisa científica no seio da classe trabalhadora. A intenção era desenvolver métodos para melhorar as produções agrícolas, com novos tipos de técnicas e fertilizantes, por exemplo, entre outros estudos.

A prática teve como objetivo proporcionar não só a participação dos trabalhadores no terreno da experimentação científica, como também incentivar o nível educacional entre as classes oprimidas, que historicamente foram excluídas do sistema de ensino.

O resgate dessa experiência revolucionária se faz necessário no momento em que parlamentares como Kim Kataguiri e General Peternelli tentam emplacar a PEC 206/2019, que visa cobrar mensalidades nas universidades públicas. O projeto tem apoio de setores das classes dominantes, como os próprios militares, que também pretendem cobrar pelo SUS. Apesar de os defensores da proposta negarem, trata-se de um projeto que caminha para dificultar a presença dos mais pobres nas universidades, e até excluí-los do ensino superior.

A PEC foi retirada de pauta, principalmente depois da repercussão negativa, mas o ataque foi apenas adiado, e mostra a importância de lutar pela presença popular nas universidades, pautando a ciência e a defendendo das garras das classes dominantes.

A cobrança de mensalidade e a segregação das classes populares desses espaços são apenas o início dos projetos que expulsam os saberes tradicionais, a crítica e a construção das pesquisas científicas, e consequentemente o povo da construção de uma sociedade que abrace os seus e as suas futuras gerações. O objetivo é limitar às elites o acesso ao conhecimento, e aprisionar a educação em estantes vazias, invadindo as salas de aula com o silêncio da censura.

Por isso defendemos que o movimento estudantil esteja nas primeiras fileiras da luta contra a precarização do ensino, para que o ensino superior tenha cada vez mais estudantes vindas/os das camadas populares, e que uma vez na universidade, sejam agentes de transformação, e coloquem o conhecimento a serviço das lutas populares. Mais do que resistir aos ataques e lutar por pautas imediatas, também é preciso avançar para a construção de uma outra universidade, que possa contribuir para uma perspectiva de ruptura com o capitalismo!

POR UMA UNIVERSIDADE PÚBLICA E POPULAR!

Coordenação Anarquista Brasileira
Maio de 2022

maio 112022
 

O povo que habita a Terra Indígena Yanomami, na região de Roraima, vem sofrendo com a violência do garimpo ilegal nos últimos meses. Mesmo com a terra demarcada e homologada há 30 anos, o território foi invadido por garimpeiros em busca de ouro e cassiterita, sob a conivência e até incentivo do Estado.

No ano passado, a devastação da terra indígena pelo garimpo ilegal cresceu 46% em relação ao ano anterior, avançando sobre as plantações dos Yanomami, destruindo sua subsistência. Estima-se que mais de 16 mil indígenas foram afetados. A invasão também afeta a saúde do povo Yanomami, com aumento expressivo de casos de malária e desnutrição infantil.

Os garimpeiros aliciam adolescentes e jovens indígenas a trabalharem para eles, o que envolve assédio e abuso sexual de mulheres e crianças, que são embriagadas com bebidas alcoólicas. No mês passado, uma indígena de 12 anos morreu após ser estuprada por garimpeiros, e uma criança indígena morreu afogada ao ser jogada no rio junto com uma mulher, em uma tentativa de sequestro.

Segundo a Comissão Pastoral da Terra, foram 101 mortes de indígenas na TI Yanomami apenas no ano passado, em decorrência de conflitos com o garimpo ilegal, um cenário descrito por lideranças como genocídio.

Para denunciar essa situação, em todo o Brasil estão sendo realizadas manifestações pelos movimentos populares. A militância da CAB apoia e também constrói essas mobilizações, em defesa irrestrita dos povos originários, por sua autoorganização e pela expulsão de garimpeiros e mineradores de suas terras.

SOLIDARIEDADE AOS YANOMAMI!
FORA GARIMPEIROS!

Coordenação Anarquista Brasileira
Maio de 2022

abr 302022
 

Reproduzimos texto da OASL/CAB publicado em 2013, e distribuído no ato de Primeiro de Maio na sede da Apeoesp em Mogi das Cruzes (SP). O arquivo do panfleto pode ser baixado aqui.

O Primeiro de Maio, a sociedade de ontem e de hoje

Todos os anos nos deparamos com as tais festas do Primeiro de Maio, promovidas pelas grandes centrais sindicais e que enchem praças e avenidas com milhares de pessoas. Com o objetivo de atrair o público, em meio aos shows de artistas famosos, sorteiam até carros e apartamentos. Esquecemos, no entanto, das origens dessa data tão importante, que marca a luta dos trabalhadores e das trabalhadoras contra as mazelas do capitalismo e suas brutais consequências sobre homens e mulheres.

Como sempre, a história é contada pelos vencedores, e assim também aconteceu com a história do Primeiro de Maio, que até hoje não é muito conhecida. A mobilização dos operários e operárias de Chicago e de outros lugares do mundo aos fins do século XIX, reivindicando a jornada diária de oito horas de trabalho, refletia uma luta contra o sistema capitalista e as péssimas condições a que estavam submetidos trabalhadores e trabalhadoras. A relevância atual desse tema é que os motivos que levaram a essa mobilização não mudaram tanto de lá para cá.

Continuamos a viver em uma sociedade capitalista, apoiada na exploração do trabalho, nos baixos salários, nas precárias condições de trabalho, no desemprego. Continuamos a viver em uma sociedade em que impera a pobreza e a fome de muitos, para o benefício e a prosperidade de poucos. Não temos o controle sobre o trabalho que realizamos e nem sobre as decisões que nos afetam. Parte dos frutos de nosso trabalho continuam indo para as mãos das classes dominantes. Quando nos mobilizamos para reivindicar uma vida melhor, o Estado está sempre lá, para nos reprimir e mostrar o devido lugar das classes oprimidas no capitalismo. Essas são apenas algumas semelhanças dos fins do século XIX e dos dias de hoje.

O trabalho nos Estados Unidos dos anos 1880

Aos finais do século XIX, os Estados Unidos continuavam sua crescente onda de crescimento econômico, em grande medida impulsionados pelos efeitos da Guerra de Secessão. A possibilidade de empregos nas fábricas atraía estrangeiros e nativos. No entanto, as condições de trabalho eram precárias ao extremo. Em nome do lucro, os líderes capitalistas faziam com que homens e mulheres trabalhassem 12, 14 e até 17 horas por dia, em ambientes sem qualquer condição para o trabalho: muitos não tinham ventilação e iluminação adequada, eram extremamente sujos etc. Nem as crianças e mulheres grávidas eram poupadas. O desenvolvimento da crescente industrialização, das precárias condições de trabalho e das organizações operárias, criava um ambiente propício para a mobilização, com o objetivo de melhorar as condições de vida.

Oscar Neebe – conhecido militante anarquista e funileiro desse período – fez uma descrição do contexto da época em sua autobiografia: “Eu trabalhava numa fábrica que fazia latas de óleo e caixas para chá. Foi o primeiro lugar em que vi crianças de 8 a 12 anos trabalharem como escravas nas máquinas. Quase todos os dias acontecia de um dedo ser mutilado. Mas o que isso importa… Elas eram remuneradas e mandadas para casa, e outras tomariam seus lugares. Acredito que o trabalho infantil nas fábricas tenha feito, nos últimos vinte anos, mais vítimas do que a guerra com o sul, e que os dedos mutilados e os corpos destroçados trouxeram ouro aos monopólios e produtores.”

As mobilizações operárias e o Massacre de Haymarket

É dentro desse contexto que se dá o movimento reivindicativo que marcou na História essa importante data do Primeiro de Maio. Há anos, existia a ideia de que o dia dos trabalhadores e das trabalhadoras deveria ser dividido em três partes: oito horas para o trabalho, oito horas de sono e oito horas para o lazer e o estudo. No ano de 1884, a Federação dos Sindicatos Organizados dos Estados Unidos e do Canadá (precursora da Federação Americana do Trabalho – AFL) declarou que a partir do dia 1º de maio de 1886 a jornada de oito horas de trabalho passaria a vigorar, apesar dos capitalistas afirmarem que isso era impossível. Esse movimento, na realidade, refletia uma das reivindicações centrais dos movimentos operários da época, e continuava a mobilização já iniciada anteriormente em países como Inglaterra, França e Austrália. As adesões para o movimento foram muito grandes, já que a reivindicação central era comum a todos os trabalhadores. Um pouco antes do tão esperado Primeiro de Maio de 1886, milhares de trabalhadores e trabalhadoras haviam aderido à luta pela redução da jornada. “Brancos e negros, homens e mulheres, nativos e imigrantes, todos estavam envolvidos.”

Especificamente nos Estados Unidos, o anarquismo, força protagonista deste movimento, vinha crescendo desde o Congresso de Pittsburgh, em 1883, e com a fundação da International Working People’s Association (IWPA), expressão de massas anarquista que, em 1886, chegou a ter 2500 militantes e 10 mil colaboradores. Entre seus fundadores, podemos destacar Lucy Parsons – mulher, negra e ex-escrava –, que teve um papel decisivo na organização operária de Chicago, incorporando a pauta das mulheres e das negras e negros. Vale lembrar que a IWPA, entendendo as condições especificas de mulheres e negras/os na sociedade, defendeu a pauta das opressões, denunciando a forma como o mundo do trabalho se utiliza dessas condições para promover uma maior precarização e exploração do trabalho, lucrando ainda mais. Em um de seus inúmeros discursos ela atentava para que nossa crítica, enquanto trabalhadores, pudesse ir além da figura dos patrões, que refletíssemos também sobre o mundo do trabalho: “Então você não pode ver que entre a imagem do ‘bom chefe’ e a do ‘mau patrão’ tanto faz? E, que, você é a presa comum de ambos, e que a função dele é simplesmente explorar? Você não pode ver que é o sistema industrial e não o ‘chefe’ que deve ser mudado?”. Outros marcos significativos foram o jornal diário Chicagoer Arbeiter Zeitung e a fundação, em 1884, da Central Labor Union (CLU), que chegou a 28 mil trabalhadores, somente em Chicago, em 1886.

No dia 1º de maio de 1886, as ruas de Chicago foram tomadas pelo povo, em protestos e greves cujo objetivo central estava na redução da jornada de trabalho. Chicago, na época, era o principal centro de agitação política dos EUA e os anarquistas exerciam a maior influência no movimento. De acordo com o relato de um jornal da época, “não saía qualquer fumaça das altas chaminés das fábricas e dos engenhos, e as coisas assumiam uma aparência de sabá (o sábado judeu)”. Entre 80 e 90 mil pessoas saíram às ruas em apoio ao crescente movimento somente na cidade de Chicago. Grandes manifestações com mais de 10 mil pessoas também aconteceram em Nova York e Detroit. Aconteceram reuniões e comícios em Louisville, Kentucky, Baltimore e Maryland. Estima-se que por volta de meio milhão de pessoas tenha tomado parte nas manifestações do Primeiro de Maio nos EUA. Estima-se também que por volta de 1200 fábricas entraram em greve em todo o país em apoio ao movimento.

A posição dos líderes capitalistas era claramente refletida na imprensa da época que chamava os manifestantes de “cafajestes, preguiçosos, e canalhas que buscavam criar desordens”. Outro veículo da imprensa afirmava que “Esses brutos [os/as operários/as] só compreendem a força, uma força que possam recordar durante várias gerações”. Os capitalistas compravam armas de fogo para a polícia local. Esses são apenas alguns exemplos da “rede de apoio” que se formou entre patrões e a mídia, todos em defesa do Capital e da ordem estabelecida.

No dia 03 de maio as manifestações e greves continuavam. August Spies, um tipógrafo anarquista e editor do periódico Arbeiter-Zeitung, discursou para 6 mil trabalhadores e trabalhadoras. Ainda enquanto ele falava, os fura-greves da fábrica Mc Cormick Harvester estavam saindo, e parte dos manifestantes deslocou-se para a frente da fábrica, com o objetivo de incomodar os fura-greves. Isso aconteceu pois o local em que falava Spies ficava a um quarteirão da fábrica. Os manifestantes desceram a rua e fizeram com que os fura-greves voltassem para dentro da fábrica. Foi então que chegou a polícia. Eram aproximadamente 200 policiais que, ao reprimir os manifestantes, acabaram matando seis pessoas (outras fontes dizem quatro ou sete), ferindo e prendendo muitas outras. Spies, vendo o resultado brutal da repressão policial, dirigiu-se ao escritório do Arbeiter-Zeitung e fez uma circular, convocando os trabalhadores e as trabalhadoras para outra manifestação no início da noite do dia seguinte.

O protesto do dia 04 de maio aconteceu na Praça Haymarket, e nele discursaram, além de Spies, Albert Parsons, tipógrafo, militante anarquista e companheiro de Lucy Parsons, e Samuel Fielden, imigrante inglês, operário da indústria têxtil e também militante anarquista. Os discursos pediam unidade e continuidade no movimento. Havia aproximadamente 2500 pessoas no local, que até o momento faziam um protesto pacífico, tão pacífico que o prefeito Carter Harrison, presente no início dos discursos, afirmou que “nada do que acontecia dava a impressão de haver necessidade de intervenção da polícia”. Já no final da noite o mau tempo contribuía para que houvesse apenas cerca de 200 pessoas na praça. Com a ordem de dispersar a manifestação imediatamente, um grupo de 180 policiais chegou ao local. Apesar de Spies ter dito que os manifestantes eram pacíficos, a polícia iniciou o processo de dispersar o ato. Foi nesse momento que uma bomba explodiu em meio aos policiais, matando sete e ferindo aproximadamente 70, entre policiais e manifestantes. A polícia imediatamente abriu fogo contra a população, sendo responsável por incontáveis mortes. Alguns relatos falam em 100 mortos e dezenas de presos e feridos. Ninguém nunca soube se quem jogou a bomba foram os manifestantes ou a própria polícia, para incriminar o movimento.

Em sua autobiografia, Spies diria algum tempo mais tarde que “o anarquismo não era nem mesmo mencionado. Mas o anarquismo era bom o suficiente para servir como um bode expiatório para Bonfield [chefe de polícia de Chicago]. Esse demônio, com o objetivo de justificar seu ataque assassino à reunião, disse: ‘eram anarquistas’. – ‘Anarquistas! Oh, que horror!’ A estúpida massa imaginou que – anarquistas – deveria ser alguma coisa muito ruim, e incorporou o refrão junto com seus inimigos e espoliadores: ‘Crucifiquem-nos! Crucifiquem-nos!’”

O fato é que o acontecimento da bomba foi utilizado como motivo para a perseguição de todo o movimento radical de trabalhadores. A polícia invadiu casas e escritórios de suspeitos e houve muitas prisões. Muitas pessoas que nem sabiam o que era anarquismo ou socialismo foram presas e torturadas. Definitivamente, a polícia primeiro atacava e prendia, para depois averiguar se havia alguma “culpa” dos acusados.

A repressão e os Mártires de Chicago

O resultado desse processo foi a prisão temporária de Rudolph Schnaubelt, acusado de jogar a bomba. Ele foi solto depois de algum tempo sem acusações formais e há quem diga que ele era um agente pago pelas autoridades para cometer o atentado. Com Schnaubelt solto, a polícia prendeu Fielden e seis imigrantes anarquistas alemães: Spies, Neebe, Adolph Fischer, tipógrafo, Louis Lingg, carpinteiro, George Engel, tipógrafo e Michael Schwab, encadernador. A polícia também procurava Albert Parsons, já que ele era um importante líder da IWPA em Chicago, mas ele conseguiu se esconder e não ser capturado. Parsons acabou depois se apresentando no dia do julgamento. Apesar de apenas três deles terem estado presentes no dia da explosão da bomba, foram todos incriminados e responsabilizados por esse motivo.

O julgamento teve início em 21 de junho de 1886 com um júri nitidamente manipulado. Ele era composto de empresários, seus funcionários e um parente de um dos policiais mortos. Não houve provas apresentadas contra os anarquistas e nada que levasse a uma conexão clara dos acusados com a explosão da bomba. Não houve, também, quaisquer provas de que eles teriam incitado a violência ou algo do tipo em seus discursos. No entanto, o resultado do julgamento foi um claro reflexo do medo por parte da sociedade burguesa em relação aos operários organizados e combativos. Numa deliberada tentativa de conter o crescente movimento operário, sete dos acusados foram condenados à morte em 19 de agosto. Neebe foi condenado a 15 anos de prisão. Apesar de insistir não ser culpado, Neebe, em uma demonstração de solidariedade aos seus companheiros, falou ao juiz que sentia não ser enforcado com os outros. A punição aos anarquistas deveria servir como um exemplo à sociedade, mostrando o que aconteceria àqueles que desafiassem o poder das instituições do Estado e do Capital.

Spies pronunciou-se em sua última defesa falando sobre os enforcamentos: “Aqui terão apagado uma faísca, mas lá e acolá, atrás e na frente de vocês, em todas as partes, as chamas crescerão. É um fogo subterrâneo e vocês não podem apagá-lo”. Importante também a defesa proferida por Albert Parsons: “A propriedade das máquinas como privilégio de uns poucos é o que combatemos, o monopólio das mesmas, eis aquilo contra o que lutamos. Nós desejamos que todas as forças da natureza, que todas as forças sociais, que essa força gigantesca, produto do trabalho e da inteligência das gerações passadas, sejam postas à disposição do homem, submetidas ao homem para sempre. Este, e não outro, é o objetivo do socialismo.”

Schwab e Fielden tiveram suas penas comutadas para prisão perpétua, depois de uma grande campanha pela liberdade dos acusados. Lingg suicidou-se na prisão um dia antes de ser enforcado. Em 11 de novembro de 1887 Spies, Parsons, Fischer e Engel foram enforcados, e assim ficaram conhecidos como os Mártires de Chicago. Milhares de pessoas tomaram parte na procissão dos funerais e a campanha pela liberdade de Fielden, Schwab e Neebe continuou. Em 26 de junho de 1893 o governador Altgeld libertou-os, alegando que eram inocentes do crime pelo qual estavam sendo acusados.

O Primeiro de Maio se espalha pelo mundo

Em 1890 as manifestações de Primeiro de Maio se generalizaram nos EUA e Europa, assim como no Chile, Peru e Cuba. O movimento pela jornada diária de oito horas de trabalho ganhou tanto apoio, que acabou fazendo com que o Primeiro de Maio fosse uma data mundial de mobilização. Depois disso, generalizaram-se as manifestações no Brasil, na Rússia e Irlanda, e tomaram o mundo de maneira crescente. No Brasil, o Primeiro de Maio é comemorado desde 1894 e tornou-se um feriado nacional por um decreto do ex-presidente Arthur Bernardes em 1925. A jornada diária de oito horas de trabalho foi incorporada na legislação brasileira por Getúlio Vargas na década de 1930. Ainda em seu governo, regulamentou o direito às férias e à aposentadoria, promulgando a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Essa atitude de Getúlio, muito mais do que benevolência, refletia aceitação, por parte do governo, às reivindicações que eram feitas pelo movimento operário desde os anos 1910. Além disso, muitas indústrias já davam esses benefícios a essa altura dos acontecimentos. Com a Constituição de 1988, incorporou-se às leis brasileiras as férias remuneradas, o 13º salário, a multa de 40% sobre o fundo de garantia em caso de demissão, licença maternidade, entre outros “benefícios” conhecidos hoje por nós.

Atualmente, com a adoção das políticas neoliberais por parte dos nossos últimos governos, e com as novas propostas de “flexibilização” das relações de trabalho, estamos perdendo os direitos que conquistamos depois de longas jornadas de mobilização e reivindicação. Os trabalhadores e as trabalhadoras que ainda têm carteira assinada podem considerar-se privilegiados/as, pois muitos/as não têm mais registros formais. Não têm direito a férias remuneradas, vale-transporte, multa em caso de demissão, 13º salário, entre outros benefícios que um trabalhador registrado formalmente tem. Além disso, ter um trabalho hoje, poder vender a sua força de trabalho e deixar-se explorar pelos patrões, tornou-se um benefício. Há milhões pelo mundo que nem isso conseguem. Podemos ver somente agora, quase 200 anos depois, entrando em vigor um projeto de lei que garante para as trabalhadoras domésticas a jornada máxima de 8 horas diárias, o pagamento de horas extras, o direito de se organizarem em um sindicato e todos os outros benefícios conquistados pelas lutas e mobilizações que marcaram o Dia dos Trabalhadores e das Trabalhadoras. E mesmo as centrais sindicais, em sua maioria, transformaram-se em redutos burocráticos e corruptos, com vistas apenas aos seus próprios interesses. O povo é tratado com a política do pão-e-circo, que agora, além de ser propagada pelo governo, tem a ajuda dos sindicatos com os “Primeiros de Maio” de festas e sorteios. Definitivamente as políticas institucionais mostraram-se ineficazes para conquistar, ou ao menos garantir, os poucos direitos que os Estado ainda nos concede. Já é hora de nos inspirarmos nos antigos militantes operários e, através da ação direta de massas, reivindicarmos o direito a uma vida de liberdade e igualdade.

Viva o Primeiro de Maio!
Viva o dia do Trabalhador e da Trabalhadora!
Viva o anarquismo e os movimentos populares!

Bibliografia Consultada:

  • August Spies. Autobiography.
  • Jorge E. Silva. As Origens Trágicas e Esquecidas do Primeiro de Maio.
  • L. Gaylord. O Primeiro de Maio.
  • Lázaro Curvêlo Chaves. Primeiro de Maio – Dia Mundial do Trabalho.
  • Lilian Caramel. A Origem do Dia do Trabalho.
  • Michael Thomas. May Day in the USA: A Forgotten History.
  • Oscar Neebe. Autobiography.
  • Tom Moates. Reclaiming Our History. May Day & the Origins of International Workers Day.
  • W. T. Whitney, Jr. May Day and the Haymarket Martyrs.
  • Workers Solidarity Movement. The Anarchist Origins of May Day.
abr 272022
 

Todos os dias, no Brasil, mais de 5,6 milhões de pessoas saem de suas casas para realizar o trabalho doméstico nas casas ou locais de outras pessoas. A grande maioria dessas pessoas que realizam o trabalho doméstico sequer possuem carteira assinada ou outro tipo de vínculo oficial. Desse número, 92% são mulheres, sendo a maioria delas negras e periféricas, segundo o IBGE. A constituição da categoria tem classe e cor, portanto. Esse é um dos aspectos que explicam o fato de que apenas recentemente o trabalho doméstico teve alguns de seus direitos regulamentados pela legislação, apesar de ser uma função muito antiga. O modo como ainda se encara esse trabalho no país guarda raízes que remontam ao período do regime escravocrata, revelando, em grande medida, a mentalidade racista e machista estruturante em nossa sociedade até hoje. 

Diversos direitos básicos inseridos na Constituição Federal de 88 e já previstos a outros trabalhadores chegaram mais tarde para as trabalhadoras domésticas. Parte deles chegaram pela Lei Complementar 150/2015 (a “PEC das domésticas”, como ficou conhecida). A lei trouxe direitos básicos, como seguro contra acidente do trabalho, indenização compensatória em casos de dispensa involuntária, adicional de horas extras de no mínimo 50% sobre período que exceder a jornada diária de trabalho de 8 horas e 44 horas semanais, hora noturna superior a diurna, intervalo para refeição e descanso, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, adicional de 25% em casos de viagem com a família do empregador, aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, seguro desemprego, auxílio-creche e salário família.

Outra luta é pela implementação da Convenção nº 189 da OIT – Trabalho Digno para o empregado doméstico. O Brasil foi o 25º Estado Membro da OIT e o 14º Estado membro da região das Américas a ratificar a Convenção, embora apresente uma quantidade de trabalhadoras/es domésticas/os superior aos outros países – conforme dados da OIT em 2018. Enfrentam, também, assédio moral, assédio sexual, pressão para cumprimento de tarefas em tempo insuficiente, desgastes físicos e psicológicos. As dificuldades são intensificadas pela existência de poucos sindicatos que organizem e façam a defesa da categoria, ficando desamparadas mais de 90% das trabalhadoras. 

A data de 27 de abril é dedicada às trabalhadoras domésticas, em referência à Zita de Lucca. Em geral, aponta-se sua canonização como santa Zita por volta de 1696. Além dos milagres atribuídos, era reconhecida sua generosidade e solidariedade com os pobres. Para além da dimensão religiosa, as narrativas que dão conta da vida de Zita de Lucca mostram como foi uma vida bem característica da mulher da classe trabalhadora e, em especial, dessa categoria de trabalho. Trabalhou desde os 12 anos na casa de uma família italiana, por 48 anos. A história de Zita é realmente representativa do grande número de mulheres que, há décadas e décadas, iniciam no trabalho doméstico já na infância.

Antes de uma regulamentação e fiscalização maior, essas mulheres, no Brasil, viviam praticamente voltadas para prover a vida das famílias empregadoras, dos patrões. Casos de mulheres que viviam a vida inteira na casa das famílias empregadoras, em condição análoga à de escravidão, são comuns e, mesmo hoje, ainda ocorrem. Afora isso, a invisibilidade é outro fator que contribui para as dificuldades vivenciadas pelas trabalhadoras domésticas. Responsáveis pela gestão de toda uma casa, da criação de crianças, da manutenção de um espaço limpo e organizado, elas enfrentam discriminações, precarização e desvalorização nos espaços sociais.

Nós acreditamos em um mundo novo no qual possamos construir coletivamente nossas condições de vida, onde o trabalho doméstico seja compartilhado por todos aqueles que dele necessitam, mas, enquanto esse mundo ainda está em nossos corações e não se fez realidade, defendemos todos os direitos básicos para as várias mulheres trabalhadoras domésticas que batalham diariamente para manter a si e às suas famílias. Neste período de miséria que atravessamos, de fome, alto custo de vida e retirada de direitos das/dos de baixo, não podemos deixar de manifestar nossa solidariedade a essas mulheres que resistem a um cenário social difícil e cruel. Toda essa miséria pesa na vida das trabalhadoras domésticas, pois trabalham em condições adversas ao extremo, com salários baixíssimos e garantias precárias de direitos.

Assim, neste 27 de abril, saudamos a luta das trabalhadoras domésticas e manifestamos nossos desejos de que as experiências de organização sindical sejam cada vez maiores para elas, já que a organização coletiva é uma urgência da categoria. Também nos colocamos lado a lado, pela defesa de todos os direitos trabalhistas já previstos e pelo avanço em outros. Que haja pão e moradia, por vida digna! Até que um mundo novo se construa para todas e todos nós!

Viva as trabalhadoras domésticas!

Lutar, criar, poder popular! 

abr 062022
 

Desde o dia 23 de março, trabalhadoras e trabalhadores do INSS estão em greve por melhores condições de trabalho, reajuste salarial e realização de concurso público. A paralisação das atividades já foram registradas em 23 estados e no Distrito Federal.

Hoje, o INSS tem a maior fila de benefícios pendentes de análise em toda sua história, com força de trabalho reduzida em aproximadamente 50%, alto índice de adoecimento entre os servidores, e agências por todo o país sem infraestrutura mínima para garantir o simples atendimento presencial para a população.

Esse cenário se deve a décadas de descaso, agravado pelas políticas de desmonte da previdência social, impostas por medidas de ajuste fiscal como o famigerado Teto dos Gastos, que previa o congelamento de investimentos públicos, além das reformas neoliberais Trabalhista e da Previdência, que dificultaram a contribuição e o acesso dos trabalhadores do regime geral aos benefícios e serviços da previdência.

Além disso, ainda paira a ameaça da Reforma Administrativa (PEC 32/2020) que pretende reforçar a burocracia estatal, aprofundando sua instrumentalização pelos tecnocratas, políticos e capitalistas, em detrimento do controle social dos serviços públicos. Esses ataques das classes dominantes não atingem apenas os trabalhadores do INSS, também alcançam todo o conjunto da classe trabalhadora e suas famílias.

Contra a dominação privada sobre o serviço público, nos colocamos ombro a ombro na luta das trabalhadoras e trabalhadores do INSS!

Solidariedade às/aos trabalhadoras/es do INSS em greve!
Lutar, Criar, Poder Popular!

Coordenação Anarquista Brasileira
Abril de 2022

mar 152022
 

Há mais de um século, em 8 de março de 1917, as trabalhadoras em São Petersburgo (Rússia) entraram em greve e se manifestaram pelo pão e pela paz, lançando assim um movimento revolucionário histórico. Foi nessa época que o 8 de Março, como dia de luta pelos direitos e liberdades da mulher, começou a ser comemorado.

Assim, no ano de 2022, as mulheres e as dissidências ainda são uma das partes mais oprimidas da sociedade. Este é e tem sido o caso no trabalho, em casa, na crise sanitária ou em situações de guerra. É por isso que nossa revolta poderia derrubar estados, capitalismo, dominação patriarcal e racista.

Dupla exploração: salarial e doméstica

O duplo dia de trabalho é a realidade da grande maioria das mulheres no mundo. Ou seja, quando terminamos de trabalhar para nossos chefes, vamos para casa e muitas vezes temos que fazer todo o trabalho doméstico e de cuidado, ou a chamada “re-produção de força de trabalho” que é necessária para os capitalistas. É claro que, como qualquer trabalho invisível, ele não traz nenhuma compensação econômica. Esta é a única maneira que este sistema pode sobreviver, e é somente através de fortes mandatos ideológicos que ele pode ser sustentado.

Por outro lado, no campo do trabalho assalariado, os empregos que são ocupados principalmente por mulheres tendem a reproduzir um padrão semelhante. Não são reconhecidos nem visíveis. Pelo contrário, são desvalorizados e precários. Mas também são indispensáveis, como a crise sanitária revelou profundamente: com caixas de supermercado, cuidadores, limpadores. Todo o sistema entraria em colapso sem o trabalho remunerado e não remunerado das mulheres.

E ainda assim, durante muito tempo, o movimento trabalhista não conseguiu organizar setores femininos, argumentando a falta de combatividade no setor de serviços. Esse setor têm sido apresentado como não estratégicos na produção. Temos sido apontadas como sujeitos com pouca capacidade para assumir responsabilidades políticas ou sindicais, ou tem sido argumentado que nosso temperamento não é adequado a este papel. Muitos pretextos persistem até hoje por não questionar a cultura patriarcal sobre a qual o movimento trabalhista tem sido historicamente construído, o que tem relegado mulheres e dissidências à categoria de subordinados ou pior.

Entretanto, cavando um pouco mais fundo, a história é rica em numerosas greves vitoriosas e na combatividade feminina. Sempre nos levantamos contra a superexploração resultante da aliança do patriarcado e do capitalismo.

O aumento dos salários das mulheres, o reconhecimento de nossas qualificações, a melhoria de nossas condições de trabalho e a luta contra a violência de gênero e sexual no trabalho são questões que o sindicalismo revolucionário deve assumir o mais rápido possível. Da mesma forma que a revalorização e a socialização das tarefas de cuidado é fundamental. Isto é uma necessidade, não apenas para aqueles que estão na base, mas também para a perspectiva de mudança social radical que todas as trabalhadoras carregam em nossos corações e em nossas lutas.

A greve feminista é uma das ferramentas à nossa disposição para acelerar esta transformação indispensável e a queda final da aliança criminosa do patriarcado e do capitalismo. A greve feminista não é apenas uma chamada dentro do trabalho assalariado: ela também pode exigir uma greve sobre o consumo e o trabalho de cuidado, o que significa não fazer compras, não fazer tarefas domésticas, não cuidar de crianças, etc.

Os Estados e setores reacionários fazem guerra contra as mulheres

O patriarcado é a exploração material, simbólica e econômica das mulheres e dissidentes. Mas é também a apropriação de nossos corpos e nossa subjetividade (nossos desejos, anseios, projetos, ideias) através da violência em todas as suas formas, ou a limitação de nossos direitos.

Neste ano de 2022, a comemoração do 8 de março ocorre em um contexto internacional no qual estão acontecendo guerras em grande escala. Assim, setores ultra-reacionários e misóginos detêm o aparelho estatal e estão na ofensiva, como no Afeganistão, mas também na Polônia, ou em vários outros estados. A violência de gênero e sexual é ainda mais numerosa nessas situações específicas e as mulheres estão sempre na linha de frente da política de terror, de estupro sistemático e de manter as mulheres no covil dos opressores.

Além disso, em 2022, as mulheres ainda não têm plenos direitos sobre nossos próprios corpos em muitos países. Onde existe formalmente, o acesso ao aborto e outros contraceptivos é desafiado por movimentos de extrema-direita ou políticas de austeridade.

Por trás desses obstáculos e relutância está a ideia de que não somos realmente seres responsáveis.

É por isso que o acesso ao aborto é um direito indispensável e transformador. É o momento mais óbvio quando uma mulher escolhe livremente a si mesma antes de qualquer outra coisa. As mulheres estão fazendo uma escolha livre quando fazem um aborto. É por isso que a luta pelo aborto é fundamental para a emancipação da mulher: o aborto deve ser livre e acessível, em todos os lugares, o tempo todo!

Organizar-se e lutar contra o patriarcado, o capitalismo, o Estado e os reacionários

Hoje, em mais de 50 países, mulheres e dissidentes estão participando do movimento de greve internacional em 8 de março. O movimento feminista na Argentina contribuiu de forma decisiva para sua renovação em 2017. Elas nos disseram então: “As mulheres do mundo estão se organizando em um confronto e em um grito comum: a Greve Internacional da Mulher. Nós paramos. Nós atacamos. Colocamos em prática o mundo em que queremos viver”.

Nossas organizações abraçam a luta pela emancipação das mulheres e dissidências e incentivam cada uma de nossas companheiras a fortalecer a luta de classes, investindo e tomando seu lugar em todas as organizações sociais (sindicatos, estudantes, organizações comunitárias, etc.) e políticas populares.

A greve feminista de 8 de março é uma das ferramentas que propomos e defendemos nesta luta contra a opressão das mulheres e, com elas, de todos os oprimidos do mundo. Uma instância construída a partir das bases em cada uma de nossas organizações sindicais e sociais, destacando o protagonismo, a força e o compromisso daqueles de nós que lutam todos os dias pela revolução social. Superar as tentativas de institucionalização de governos que procuram moderar, compensar e, assim, dar um caráter reformista à nossa luta.

Contra a cultura do estupro e do feminicídio.
Contra a dupla exploração das mulheres trabalhadoras.
Contra o patriarcado, os Estados e o ca
pitalismo.

Viva a luta das que vêm de baixo. 8 de março: Dia de resistência e luta

☆ Alternativa Libertária (AL/FdCA) – Itália
☆ Αναρχική Ομοσπονδία (Federação Anarquista) – Grécia
☆ Movimento de Solidariedade do Trabalhadores de Aotearoa (AWSM) – Aotearoa/Nova Zelândia
☆ Coordenação Anarquista Latinoamericana (Coordenação Anarquista Brasileira – CAB, Federação Anarquista de Rosário – FAR, Federação Anarquista do Uruguai – FAU) – América Latina
☆ Embat, Organização Libertária de Catalunya – Catalunha
☆ Federação Anarquista de Santiago (FAS) – Chile
☆ Grupo Libertário Vía Libre – Colômbia
☆ Libertäre Aktion (LA) – Suíça
☆ Grupo Anarquista Comunista de Melbourne (MACG) – Austrália
☆ Organização Anaquista de Córdoba (OAC) – Argentina
☆ Organização Anarquista de Santa Cruz (OASC) – Argentina
☆ Organização Anarquista de Tucuman (OAT) – Argentina
☆ Organização Socialista Libertária (OSL) – Suíça
☆ Roja y Negra – Organização Política Anarquista – Argentina
☆ União Comunista Libertária (UCL) – França, Bélgica & Suíça

fev 022022
 

Manifestamos nosso pesar e solidariedade à comunidade congolesa e à família de Moïse Mugenyi Kabagambe, que foi brutalmente assassinado em um quiosque na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, há cerca de uma semana. O jovem congolês de 24 anos foi espancado até a morte por pelo menos três pessoas. De acordo com a família, ele teria ido ao local para cobrar 200 reais, que o quiosque devia a ele por dois dias trabalhados.

O episódio escancara como o racismo e a xenofobia matam, e são utilizados pelos de cima para manterem o sistema de dominação. Moïse era um negro africano e trabalhador precarizado, e foi ao local somente para receber o que o patrão lhe devia. Como resposta recebeu a brutalidade, e mesmo depois da morte foi violentado pelo Estado, sendo declarado como indigente pelo IML.

O jovem morava há dez anos no Brasil, e veio com a família em busca de uma vida digna, fugindo dos conflitos armados na República Democrática do Congo, que em 20 anos deixaram mais de 6 milhões de mortos e desaparecidos. No Brasil, como milhares de imigrantes negros africanos, foi obrigado a se submeter a trabalhos precários, ao racismo e à xenofobia. As palavras da mãe de Moïse, Ivana Lay, dolorosamente resumem o que a família enfrentou: “Eu fugi do Congo para que eles não nos matassem. No entanto, eles mataram o meu filho aqui como matam em meu país.”

A morte de Moïse é também um reflexo de nossa abolição incompleta, que lançou à própria sorte o povo negro, liberto mas sem terra nem trabalho. Passado mais de um século, os negros somam 77% das vítimas de assassinatos no país, seguno o Atlas da Violência. O Estado e o Capital perpetuam o genocídio, e pouco fazem para transformar de fato essa realidade, além de algumas medidas superficiais.

Neste sábado, dia 05, entidades de imigrantes e do movimento negro farão manifestações em algumas cidades do país para denunciar o assassinato racista e xenofóbico. Um primeiro passo do movimento popular para que esse crime brutal não seja ignorado. Em nossos espaços de militância, defendemos e atuamos na autoorganização das e dos de baixo para fazer frente à violência racista das classes dominantes. Para isso é necessário o trabalho cotidiano nos diversos movimentos, na construção de uma Frente de Classes Oprimidas que possa destruir o sistema de dominação e construir o Socialismo Libertário, sem fronteiras!

LUTO E LUTA POR MOÏSE!
PELO PODER POPULAR!

Coordenação Anarquista Brasileira
Fevereiro de 2022